sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Tejo infinito berço

Terreiro do Paço. Lisboa. 2012
[Lisbon Ground 2] O Tejo é como um infinito berço, espaço líquido atemporal que sempre terá exercido um misto de fascínio, pelo que pode dar, e medo, pela sua indeterminada força, acentuada aqui pela presença próxima do mar, elementos que terão condicionado, definitivamente, a fixação de comunidades humanas no lugar, primeiro vindas, talvez, de uma viagem de gerações com início na Europa central. Toda a frente oceânica era uma finisterra. Uma face a partir da qual não era possível ir mais além. Até ao século XV a frente de rio era lugar de várias atividades funcionais ligadas à pesca, mas foi daqui em diante que iriam partir as primeiras naus que transportavam a civilização europeia para lugares antes não visitados por ninguém vindo de longe, por via marítima. Hoje, escavações que se façam neste solo quase invariavelmente se deparam com embarcadouros ou com as fundações de estaleiros navais. Com o passar dos anos já em tempos recentes, desde o advento da revolução industrial, a frente ribeirinha, dada a sua posição a bordejar a cidade, vai assumir-se como um privilegiado eixo viário, seja pela rodovia, seja pela ferrovia. Uma relação lúdica com o rio, em quase toda a sua extensão, é cortada durante mais de cem anos. É algo deste espaço que se pretende agora recuperar, e afirmá-lo também como um notável miradouro sobre Lisboa.
Terreiro do Paço. Lisboa. 2012

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

2012

Castelo de São Jorge. Lisboa. Abril de 2012
Num momento em que Portugal parece estar à beira de um prolongado colapso que fará tremer a sua própria existência num prazo não muito longo, olho em volta, para o chão que pisamos, e encontro as marcas de uma cultura milenar, cuja raiz se encontra bem mais recuada que a fundação da nacionalidade. Não creio que a culpa da situação que se vive atualmente seja do sistema económico, ou dos mercados financeiros. Vivemos, creio, um dos mais desafortunados momentos da história europeia. Há a reunião de uma invulgar constelação de governantes e dirigentes incompetentes que tomou posse nos mais elevados cargos de países e instituições europeias. Portugal é disso um bom exemplo. A alienação e falta de sentido de Estado de quem neste momento está no poder, em quase todas as oposições e mesmo noutras instituições, apresenta-nos um horizonte de fome para um elevado número de cidadãos.

Os Portugueses não são maus, não são preguiçosos, não são estúpidos, são, na sua enorme maioria, trabalhadores briosos que querem desenvolver as suas atividades, continuar a viver e a construir a Nação das gerações que nos antecederam. Nem creio que precisemos de um pai, de uma moral ideológica mesquinha, ignorante e gananciosa. D. Sebastião não vai voltar. Mas também não precisamos de governantes, dirigentes políticos, que, sem o mínimo de pudor, nos mostram a sua mais fina incompetência e arrogância, sem que delas tenham a mínima noção e que nos prometem o colapso eventual de uma democracia, ou um impensável recuo civilizacional. Continuamos dentro de uma Europa que conquistara o mais elevado desenvolvimento humano do planeta.

Gostava de, em 2013, continuar a fotografar e a trabalhar sobre o espaço português, sobre este tão grandioso lugar de diversidade e afirmação tenaz de uma cultura e de uma língua. Continuar a procura da palavra, a partilha da expressão de um sentir e de um universo de vivências. Continuar os passos encetados com algumas pessoas que conheci neste ano corrente, ou que reencontrei. Trabalhar as memórias, pessoais e coletivas, e a continuada construção do passado.

Nunca fiz balanços de anos passados, mas sobre este ano 2012 avanço algumas linhas. Antes de mais talvez seja aquele em que definitivamente se dissiparam todas as dúvidas sobre a negação do autismo do meu filho Afonso, a quem esse espectro de comportamento fora diagnosticado no Hospital Pediátrico de Coimbra, história de que dei conta recentemente aqui, na Cidade Infinita. História que a meus olhos é como uma metáfora do tempo presente ou a afirmação descontrolada do erro. Mesmo tendo uma tremenda confiança no meu filho, há dúvidas que nos assaltam pontualmente. As crianças dizem-nos, já mo dissera o meu filho mais velho, Pedro, que a vida é um "pontapé para a frente", é a impossibilidade de nos opormos à seta do tempo, à evolução contínua dos seres vivos, de todas as coisas, do pensamento humano. A vida é uma dança, um imponderável equilíbrio, um grande salto. É também, em mim, o acreditar de um enorme vazio que nos rodeia, no qual erguemos uma ilha de racionalidade, um monumento à descodificação progressiva dos mais densos mistérios, à expressão do pensamento aleatório e descontínuo, ao mundo do risco, do traçado numa folha branca, o enunciar de uma arquitetura renovada ou um habitar singular e único. Admirar quem corre sem um fim aparentemente objetivo, quem salta e voa uma fracção se segundo.
Praia do Castelejo. Agosto 2012

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Lisbon Ground

Lisboa. 2012
[Lisbon Ground 1] Uma cidade desenhada por um rio, foi o título de um texto que escrevi para o catálogo/livro da participação portuguesa na 13ª Bienal de Arquitetura de Veneza. A exposição foi comissariada por Inês Lobo, e o conceito foi desenvolvido em torno de uma série de intervenções recentes na cidade de Lisboa, tendo como referência a recuperação do Chiado após o grande incêndio de 1989. Direta ou indiretamente estiveram envolvidos neste debate e reflexão sobre Lisboa contemporânea Álvaro Siza Vieira, Bárbara Rangel, Catarina Mourão, Eduardo Souto de Moura, Francisco Aires Mateus, Gonçalo Byrne, Joana Vilhena, João Gomes da Silva, João Luís Carrilho da Graça, João Nunes, João Pedro Falcão de Campos, João Simões, José Adrião, Manuel Aires Mateus, Manuel Graça Dias, Manuel Salgado, Paulo Mendes da Rocha, Pedro Domingos, Ricardo Bak Gordon, Ricardo Carvalho, Rui Furtado e Rui Mendes. A conceção gráfica do catálogo/livro foi de Pedro Falcão. As fotografias foram da minha autoria. Toda a iniciativa partiu da Direção Geral da Artes.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Passagem

Lisboa. 2011

[Momento-infância 12] Tenho largos milhares de fotografias dos meus filhos, desde 1996, antes do advento digital, até à atualidade. Estas que aqui mostro são contemporâneas da história que acompanham. Foram feitas, sensivelmente, entre o segundo e terceiro ano de vida do Afonso. Estes textos e fotografias são uma homenagem àquilo que de mais humano tem um ser que enuncia um desejo de liberdade, de respeito por uma condição singular, pela inevitável indeterminação do futuro. Estas são então fotografias de uma dança da vida, da vontade exuberante. Aqui termina o relato desta experiência, sobre um momento da infância do Afonso.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Situar em lugar

Viseu. 2011
[Momento-infância 11] Qual é o significado deste relato neste espaço cidade infinita? Volto ao texto inicial deste bloco, publicado no passado dia 4, a cidade infinita é sobre a vida, as fotografias, palavra, fazeres, e as suas contaminações no universo específico do meu trabalho. Não fiz fotografias desta situação concreta durante os dez dias em que decorreu este episódio (fiz um desenho), mas este é o meu mundo, é uma situação que marca quem a vive, marca os meus fazeres, o entendimento do mundo, enriquece uma leitura do humano e reafirma a ânsia de comunicar, de partilhar estas fotografias e palavras num quadro despojado do entendimento de uma certa forma de ser humano, de me aproximar de um sentir, de tentar levar mais longe aqueles que são os meus limites, limitações, do uso das fotografias e da palavra. Esta é também a forma de recusar a ideia de que algo não se consegue dizer, não se consegue transmitir, está para além da nossa capacidade de comunicar. Não, a comunicação humana, a expressão, é ela própria uma luta e uma conquista. Quando não conseguimos dizer algo por palavras, ou por qualquer outra forma, temos um desafio e um apelo, temos a construção de um sentido de vida humana, teremos eventualmente um mundo desvinculado e precário, mas também o mais sedutor e significante horizonte de liberdade.

sábado, 15 de dezembro de 2012

A leitura da normalidade

Viseu. 2011
[Momento-infância 10] O Afonso esquiva-se a uma desejada "normalidade". As leituras interpretativas do seu comportamento prolongaram-se pelas instituições de ensino, de pré-escola em que, não raras vezes lá vinha um diagnóstico proferido por alguém sem a mínima capacidade ou formação para o emitir. Mas há gosto por 'sangue', pelo mal dos outros, como se isso elevasse a autoestima de quem profere diagnósticos incompetentes. A incompetência, aliás, e a mediocridade parecem, por vezes, ser assumidas de forma crua, aparentemente absurda, de quem mais fala de si próprio do que quem observa. Todos vivemos num limbo de lucidez em que esta é por vezes perdida, mas uma reserva de contenção, quando se observa uma criança, deveria ser um valor mais ponderado.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Ficha técnica

Viseu. 2011
[Momento-infância 9] A ausência de nomes concretos, que não seja o da instituição onde tudo se passou, não é aqui revelada por não os considerar importantes. Não se quer aqui fazer qualquer acusação personalizada, até por houve um diagnóstico que nunca foi assumido de forma clara e inequívoca, houve sempre algo de vago a pairar no ar no que diz respeito à "autoria" do diagnóstico. Na procura de uma certa objectividade escusei-me a fazer relatos e leituras de outras situações que, essas sim, dependiam claramente de uma interpretação pessoal.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Três semanas depois

Viseu. 2010
[Momento-infância 8] Comparecemos à consulta de Desenvolvimento passadas três semanas. Nesta consulta já não foi confirmado o autismo do Afonso, mas também não foi rejeitado esse diagnóstico. Sem que tivesse alta, também não foi marcada nova consulta, sendo-nos recomendado que fizéssemos uma reavaliação da situação em setembro. Não voltamos ao Hospital Pediátrico de Coimbra. O Afonso seria observado por outros médicos; sendo-nos reiteradamente negada qualquer possibilidade do Afonso ser autista.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Na informalidade

Viseu. 2010
[Momento-infância 7] Médicos havia que, no Hospital Pediátrico, observavam o Afonso num quadro de informalidade e nada notavam de fora do comum, mas, por não estarem a acompanhar o caso, não contestavam o diagnóstico dos colegas. As enfermeiras e os enfermeiros que quotidianamente nos acompanharam revelaram sempre uma invulgar atenção e preocupação com a situação que, em meu entender, muito excedia o expectável. Depois da alta médica do Afonso uma enfermeira, que teria mais de trinta anos de experiência, dizia-nos que, do que vira ao longo da vida, não lhe parecia de todo que o Afonso fosse autista.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Ignorância

Viseu. 2010
[Momento-infância 6] A nossa voz foi liminarmente recusada no confronto de outras possibilidades de diagnóstico. Todo o processo feito em Viseu foi ostensivamente ignorado, tal como o foi a história familiar dos pais, tal como o foram todos os factos por nós relatados. O Afonso era autista e um "contador" tinha de ser posto a zero. Um diagnóstico desta gravidade era dado como sendo algo de inquestionável, nos corredores de um hospital, sem o mínimo de preocupação com a sensibilidade da situação, nem tão pouco houve o querer adiar esse diagnóstico para uma observação mais cuidada, numa futura consulta. Um princípio que nos diz que não se fazem diagnósticos de comportamento a uma criança com fome, com dor, cansaço ou sonolência, era ignorado.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Dois aspetos

Viseu. 2010
[Momento-infância 5] Estas palavras não são uma critica aos médicos do Hospital Pediátrico de Coimbra, nem tão pouco a essa instituição, é o relato de um equívoco que assumiu proporções extremamente nefastas numa família. O caso não é generalizável, mas aconteceu. Não deixa de ser curioso, sem qualquer laivo de ironia - não questiono a qualidade do trabalho desenvolvido pelos pediatras de Coimbra - mas nunca foi assumido um erro, nunca nos foi dito taxativamente que o Afonso não era autista, sempre nos foi deixada essa porta aberta. O mundo é pequeno, as pessoas conhecem-se e falam, este quadro começou a ter alguma divulgação junto de algumas pessoas que num quadro inicial de recusa da doença, começaram posteriormente a pôr isso em causa. Havia uma contaminação que se espalhava, era a especulação que tomava a ordem. Talvez pudesse sintetizar tudo isto em duas criticas objetivas. Uma primeira foi um diagnostico que confere um erro grosseiro reiterado; uma segunda foi o facto desse mesmo diagnóstico nos ter sido comunicado nos movimentados corredores do hospital por uma médica interna.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Recusa

Viseu. 2010

[Momento-infância 4] Fomos acusados de estarmos em 'período de recusa', face a um diagnóstico que para quase todos os médicos era óbvio. Por vezes parecia vislumbrarmos nas suas faces o orgulho de ter sido feito um diagnóstico de uma situação difícil, era quase como um troféu de caça. Mas o sentimento mais bizarro por mim sentido, que ainda hoje me acompanha, é que o diagnóstico não era bem uma avaliação rigorosa num quadro de ciência médica, era um veredito emitido por um juiz, era uma condenação, enquadrada no conjunto de outras bizarrias que entretanto se passavam. Ninguém notava que o Afonso se acalmava com medicamentos para as dores, como o Brufen (analgésico e antipirético) e nunca com calmantes como o Diazepan (ansiolítico, anticonvulsivante, relaxante muscular e sedativo).
Viseu. 2010

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Diagnóstico

Afonso e Pedro. Lisboa, 2010

[Momento-infância 3] Por volta das nove da manhã, uma médica cirurgiã observa o Afonso, então com dois anos, manifestando incontida irritação pelo facto de ele não colaborar na auscultação. Pouco depois, ainda antes das dez horas, aconteceria o momento-chave que ditaria a progressiva perplexidade que nós, pais do Afonso, estávamos a assistir. A mesma médica que fizera o filme de madrugada pedira-me o telemóvel, para partilhar com colegas aquele momento e tentarem chegar a um diagnóstico. Terão passado sensivelmente 30 a 40 minutos quando o telemóvel me foi devolvido. Pela primeira vez somos confrontados com a possibilidade de a situação porque estava a passar o Afonso se dever a um quadro comportamental e não de dor. Pouco depois ouvíamos a palavra autismo associada ao comportamento do Afonso, sendo-nos mesmo afirmado tratar-se de um caso clássico de autismo. Doravante o Afonso passou a ser considerado autista e todo o comportamento dos médicos se alterou. Questões, para nós elementares, com que apenas queríamos confrontar os médicos para outras possibilidades de diagnóstico, era-nos liminarmente recusada outra hipótese que não a de autismo. A médica interna, que no dia anterior fizera a história clínica, disse-nos, taxativamente, que todo o processo clínico anteriormente redigido, nomeadamente toda a bateria de exames feita em Viseu, tinha que ser esquecida, pois agora apenas interessava actuar sobre o autismo do Afonso. Na sequência destes acontecimentos o Afonso é observado por uma médica especialista em autismo. É levantada uma ou outra pequena reticência como, por exemplo, o Afonso ter uma boa fixação do olhar, mas é confirmado o diagnóstico. O Afonso não foi, mais uma vez, colaborante na consulta. Na sequência desta primeira observação é marcada outra consulta, três semanas depois, para começar a acompanhar o Afonso no quadro do diagnóstico então confirmado.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Viseu-Coimbra

Viseu. 2010
[Momento-infância 2] Foram dez dias de uma rotina quebrada, na transição de maio para junho do ano de 2010. Depois de uma noite de grande instabilidade, em que o Afonso praticamente não dormiu, algo que nunca antes tinha acontecido, de madrugada, fomos ao hospital de Viseu. Nove dias de internamento e foi transferido para o Hospital Pediátrico de Coimbra, tendo-lhe sido, na altura, diagnosticada uma linfadenite mesentérica com quadros sucessivos de invaginação e desinvaginação, ou, por outras palavras, o intestino entra dentro si próprio, numa espécie de dobra que provoca um bloqueio de duração variável, dando origem a dores mais ou menos intensas. A linfadenite ter-se-à manifestado de uma forma invulgarmente exuberante. Chegado a Coimbra, ao Hospital Pediátrico, o Afonso foi reavaliado. Os exames não revelaram a necessidade de uma intervenção cirúrgica. Ficou internado em observação, com raros momentos de acalmia. Depois de mais uma noite praticamente em claro, o Afonso, é observado por uma médica que, ao assistir ao seu comportamento a contorcer-se, numa postura invulgar, perguntou-me se seria possível, com o meu telemóvel, filmar a situação. Eram cerca das 6h30 quando foi feito o filme com uma duração de 1'45''. Pouco mais tarde começam a dar-se uma sucessão de acontecimentos na margem, creio, da ciência médica.
Viseu. 2010

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Sobre o princípio

Afonso e Duarte. Viseu. 2009
[Momento-infância_1] Há uma face humana não revelada no meu trabalho com a fotografia. As imagens que se seguem vão acompanhar textos de relato de uma situação que se passou com o meu filho mais novo, o Afonso, hoje não longe dos cinco anos. As fotografias que acompanham as palavras não se relacionam diretamente com a situação vivida, são momentos de fixação do tempo de infância, perante o incontido fascínio de quem assiste a essa exuberante manifestação de vida que emerge de uma condição animal e se torna humana num tempo fugaz e quase impossível de captar. Estas palavras, e fotografias, são sobre quanto os filhos nos ensinam sobre nós próprios, sobre todas as impossibilidades genéticas, sobre o tempo e sobre a vida, sobre a humanidade e a sua condição mamífera primordial, sobre a contenção, sobre uma existência social, sobre a enorme singularidade que é cada criança, sobre o futuro. É o relato de uma vivência e a história breve de uma tempestade.
Afonso e Duarte. Viseu. 2008

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O vazio significante

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 57] Não há procura de transcendência neste mundo distante, mas próximo. Talvez se procure apenas um vazio significante e desvinculado, ou o entendimento de uma posição no Universo. (Aqui terminam os textos relativos a uma viagem ao Gerês, realizada em agosto de 2012).

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Arquitetura maior

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 56] Este é o retrato de uma arquitetura maior, a margem impossível de objetivar de uma montanha, os caminhos em que a fotografia quer ser labirinto, espaço virtualmente real por representar lugares palpáveis e por os recrear em objetos de leitura, interpretações. Arquiteturas vagas, sítios imaginários como os que encontramos nas páginas de um livro, de uma qualquer publicação ou num arquivo fotográfico onde esteja plasmado o desejo de fixação dos lugares humanos.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A câmara e a terra

Serra do Gerês. 2012

[Gerês 55] Estas viagens têm uma dimensão interior, uma vivência exacerbada, excedida, uma incontida relação de fascínio pela natureza dos lugares, uma relação animal com a terra, arcaica, incontrolada. Tudo mediado por uma câmara fotográfica, um elemento de contemporaneidade que agarra uma realidade imediata. A câmara é um objeto determinante do viajar. Quando se procura o sentido deste movimento não pode deixar de ser questionada a presença da câmara, como elemento constituinte da essência de tudo isto, do documentalismo procurado.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Código de vida

Serra do Gerês. 2012

[Gerês 54] Há nestas fotografias uma busca continuada e persistente que já conta mais de vinte e cinco anos. Há como que um permanente regresso à condição de fugitivo. Há momentos em que parece atingirmos um ponto de equilíbrio, uma luz fugaz e breve num oceano distante. Mas o espaço contínuo, o território que pisamos, é sobretudo um mar de esforço e de luta para não parar, para enfrentar todas as adversidades de um caminho tortuoso e íngreme que se sobe, que se desce. Mas há uma pulsão vital em tudo isto que se prende, talvez, a um movimento evolutivo inscrito, seguramente, numa genética que muito transcende a própria natureza humana, mas que estará presente no código da vida de todos os seres vivos, terrenos.
Serra do Gerês.1991

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O paraíso não

Serra do Gerês. 2012

[Gerês 53] Há espaços que procuramos, há lugares que, não sabendo se existem, são como que a persecução de um sonho, um pouco como a ideia de paraíso, ou de uma terra prometida, a construção ao longo de gerações de um imaginário, talvez de uma eterna inexistência. Essa procura tem aqui duas frentes: uma é no terreno, no exercício da captura fotográfica; outra é na construção de um enorme arquivo fotográfico. São as teias quase intermináveis e complexas que se estabelecem entre as fotografias, entre os lugares representados, uma realidade imaginária.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Ondas reflexas

Serra do Gerês. 2012

[Gerês 52] Este, como afirmado no texto "desenhar caminhos" (Gerês 13 - 27 de setembro de 2012), não foi o relato de uma viagem ou a descrição de um itinerário percorrido, foram as ondas reflexas de pensamento, na ambiguidade entre o visível e um universo imaginário. Há um mundo material sobre o qual repousa o nosso olhar, objeto de descodificação humana, e há uma estranha virtualidade, ou um infindável deambular pelos pensamentos que geram pensamentos que, em momentos breves, emergem à superfície de um caos de alietoriedade, momento em que podem ser fixados em palavra. É a procura da lucidez, a clareza de um conceito espacio-temporal, a verdade talvez, uma vivência interior e a tentativa de descodificação dos lugares atravessados. A fotografia é a expressão mais pura e intuitiva de uma relação com a paisagem e esta escrita tenta perceber as imagens depois do tempo da sua captura, num mergulhar cada vez mais fundo nos passos que se deram, num passado colado a este presente, mas com uma duração por vezes de várias décadas. A fotografia é uma forma de expressão de pensamento, mas estas palavras querem com ela estabelecer uma relação de complexidade, um novelo operativo que condiciona os dois fazeres no decurso do tempo.
Serra do Gerês. 2012

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Virtual, abstrato

Serra do Gerês. 1991

[Gerês 51] As fotografias são aqui como pensamento, como algo que se estimula a si próprio para a criação de um discurso que por um lado é lúdico, mas por outro, tenta criar lugar e espaço de habitar de singular virtualidade. Um jogo interminável, continuo, num espaço-tempo inventado, de momentos de elevada complexidade e abstração.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Lealdade

Serra do Gerês. 2012

[Gerês 50] Um pacto de lealdade com a montanha, a montanha que nos mostra a força extraordinária da Natureza. Estamos num lugar limite da condição de habitar, um lugar onde os invernos são de uma dureza extrema, e mesmo no verão por vezes somos surpreendidos por uma violenta oscilação térmica, por uma chuva pesada inesperada ou por um nevoeiro denso que nos isola da paisagem envolvente. Nas noites temos o imenso cosmos em frente dos nossos olhos. No alto das montanhas estamos mais próximos desse cosmos longínquo, de todos os mundos misteriosos, de uma imaginária vida diversa, tremenda e invariavelmente diferente. Há, na montanha, qualquer coisa que nos chama para uma essencialidade despojada, há um clima e um isolamento que não permitem os passos levianos de ambientes urbanos.
Serra do Gerês. 1991

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Montanha espelho

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 49] O Gerês revela como que a dimensão interminável do espaço português é um lugar quase desconhecido, de uma enorme grandiosidade. Com as suas reduzidas dimensões, quando comparadas com outros países, Portugal revela uma extraordinária diversidade paisagística e, consequentemente, de povoamento humano. Este é um dos seus principais caracteres distintivos no contexto do que poderia ser uma oferta turística em que os visitantes, incluindo os nacionais, não precisariam de se deslocar grandes distâncias, para se confrontarem com o espanto da diversidade de um território, que ao longo de séculos revelou formas únicas de como as populações se adaptaram e construíram uma identidade vincada na relação e no compromisso com a terra.
Serra do Gerês. 2012

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Um país enorme

Serra do Gerês. 2012

[Gerês 48] Talvez mais do que qualquer outra coisa quer-se aqui mostrar que Portugal é uma país imenso, que uma investigação cuidada sobre as suas paisagens se depara, creio que invariavelmente, com uma sensação de infinitude. Então nascem aí novas viagens, novos itinerários construídos sobre a impossibilidade de tudo percorrer quando se está num movimento como este aqui descrito. Este caminhar é uma saída da estrada. Se aproximarmos o olhar da terra, encontramos micro-paisagens, que são a saída dos caminhos e quase como penetrar numa realidade completamente nova que nega a possibilidade de um documentalismo fotográfico exaustivo. A fotografia abeira-se de um mundo quântico, onde as leis conhecidas, um tradicional mundo sensorial, deixa de fazer sentido. É perdida a nossa capacidade de entendimento de um universo fratal.
Serra do Gerês. 2012

Serra do Gerês. 2012

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A face da Terra

Serra do Gerês. 2012

[Gerês 47] Como nenhum outro espaço em Portugal, a serra do Gerês, pelo seu isolamento e inacessibilidade, mostra-nos a pele de um planeta que nos precedeu como espécie, a força da Natureza, próxima, onde podemos imaginar uma condição intocada.

sábado, 3 de novembro de 2012

A batalha abandonada

Minas do Borrageiro. Serra do Gerês. 2012
[Gerês 46] Não há, não pode haver, o anular de todo o espaço-tempo que ficou para trás, mas o Gerês revela-nos uma dimensão nacional, talvez planetária, singular. Mostra-nos as marcas precárias de um processo civilizacional, com séculos de existência, que não desenvolveu uma estratégia humana evolutiva. Pelo contrário, pelo seu isolamento e por um ambiente económico, humano, que lhe é completamente estranho, prepara-se para a devolução à Natureza, de uma batalha perdida.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O significado do Gerês

Serrado Gerês. 2012

[Gerês 45] No Gerês não estamos a falar de territórios insulares não povoados ou de dimensão reduzida, como as Formigas, nos Açores, ou as Desertas, na Madeira. Trata-se de uma área continental suficientemente extensa para nos questionarmos sobre algumas leituras generalistas que por vezes se fazem do espaço português, que querem tomar a parte pelo todo. Se algo há de comum nos espaços urbanos, ou numa franja de solo próxima do Atlântico, entre Setúbal e Braga, há também uma quantidade de terra que foge a qualquer tentativa de classificação. Há paisagens significantes que não são visíveis da estrada. A área da serra do Gerês é, talvez, o dobro da área ocupada pela cidade de Lisboa. A serra não é habitada por milhões de pessoas e está muito longe de ser um interminável labirinto urbano, mas a sua extensão terá de ser tida em conta quando se faz uma análise do espaço português, da sua enorme complexidade. Acaba por ser uma paisagem completamente marginal que não é aquilo a que se convencionou chamar Minho, ou Trás-os-Montes, é uma montanha de uma grande singularidade e autonomia simbólica.
Serrado Gerês. 2012

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Mais, menos ciência

Serra do Gerês. 2012

[Gerês 44] Mais do que estudos científicos sobre aspetos particulares da geomorfologia da serra do Gerês, da sua geografia física ou humana, antropologia ou etnografia, biologia ou outros ramos da ciência, qual é o significado desta montanha no espaço português, ou numa determinada condição de habitar a terra, em que a inacessibilidade parece ser uma das marcas mais evidentes?

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A margem do turismo

Cascata de Pitões das Júnias. Serra do Gerês. 2012
[Gerês 43] Há um Gerês turístico e há um alto da serra profundamente desconhecido. Quando alguém diz visitar o Gerês, ou passar férias no Gerês, refere-se quase invariavelmente às terras baixas, às albufeiras das barragens do rio Cávado, zonas balneares fluviais, ou a aldeias como Tourém ou Pitões das Júnias. De vários pontos das serras vizinhas podemos observar o penedia imensa e assombrosa do Gerês, a imponente montanha. Mas esta será vista como algo inacessível, território de feras e de atmosfera agreste e inabitável. É nestes topos, e nalguns vales de difícil acesso, que reside a maior singularidade desta montanha no contexto de todo o espaço português.
Serra do Gerês. 1991

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Nevoeiro

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 42] Em dias de verão não é, na atualidade, vulgar assistirmos a súbitas mudanças atmosféricas, mas elas podem acontecer. Num passado relativamente recente, o clima era mais frio e, talvez há 150 anos, ainda havia no Gerês neves perenes, que não derretiam durante o verão. As mudanças atmosféricas podem acontecer e é este um dos maiores perigos de uma montanha isolada. Pode-se abater sobre as terras altas um nevoeiro denso, ou chuva, que perturba de forma acentuada a caminhada. É aqui que é necessária alguma experiência para lidar com a adversidade, talvez mesmo alguma intuição numa orientação difícil, em que as opções podem ter os custos de um esforço acrescido e desnecessário, com a consequente desmoralização para atingir um determinado objetivo, que nestas situações é tão só o de chegar a um porto seguro. O nevoeiro evidencia a importância de alguma experiência na relação com a terra, com a orientação, com algumas normas básicas de segurança, cuja principal talvez seja o manter sempre a calma e serenidade.
Serra do Gerês. 2012

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A vida continuada

Pedro Belo e Duarte Belo. Serra do Gerês. 2012
[Gerês 41] Viajar com o meu filho mais velho: um entendimento do viajar que se passa para uma geração mais nova, tal como havia sido feito comigo, com o Álvaro Duarte de Almeida, anteriormente referido em texto sobre o Côa. Esta forma de viajar encerra alguma singularidade, requer uma mínima aprendizagem, que mais não é que vivenciar uma liberdade que, eventualmente, não imaginaríamos, emersos num mundo completamente urbano, presos a dependências tão simples como o conforto de um teto, uma porta fechada, o acesso à eletricidade ou à água corrente.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Ainda ser tecnológico

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 40] Esta é uma viagem deliberada feita com muito poucos recursos, como estar dentro de uma cápsula de uma economia pobre. Mas este é o gesto determinado de alguém que se quer afastar. Há contradições nesta atitude de fuga, além do vestuário ou do equipamento de campo, não deixo de transportar uma câmara fotográfica de valor relativamente elevado. São elementos que me prendem a uma civilização de conforto e de elevado desenvolvimento tecnológico. Não deixa de ser importante o despojamento dos gestos, a solidão, o movimento sem rede numa paisagem agreste, onde, durante dias, não nos cruzamos com ninguém, onde passamos serenos a escuridão da noite.

Milhares de fotografias

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 39] Organizar de um arquivo fotográfico onde, posteriormente, podem ser feitas múltiplas leituras e interpretações. Esta é uma das maiores singularidades desta fotografia documental: um observador das imagens pode escolher o seu caminho de leitura de um arquivo, escolhe a própria celeridade de observação das imagens. Neste sentido a tecnologia digital oferece algo como antes não pudera ser observado, no entanto terá de haver um trabalho prévio de organização desse mesmo arquivo. Este é um dos desafios mais estimulantes e criativos numa fase de pós-produção das fotografias. É aqui que, muitas vezes, tem origem novos caminhos que se bifurcam, que dão origem a diversas leituras e trabalhos singulares. Há um momento em que as fotografias não são ornamento, não são para pôr numa parede da casa de alguém ou numa galeria, não é esse o seu objetivo. Estas fotografias são um discurso, talvez mais próximo da escrita de relação com a terra, do relato de um habitar o movimento. Há a descodificação da terra como se aí existisse a chave do entendimento da postura humana, no quadro da evolução da vida no planeta Terra.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O equilíbrio instável

Serra do Gerês. 1991

[Gerês 38] Aqui, na fotografia digital, temos uma representação mais próxima do que fora uma vivência da viagem, muito superior ao que tendencialmente era permitido pela fotografia analógica. Talvez nesta última fosse mais procurada uma fotografia cuidadosamente equilibrada, composta, do que um documento que regista uma passagem, que quer fixar um tempo e um espaço que passam à frente dos nossos olhos com a voracidade célere de um relâmpago.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Conceptualizar

Serra do Gerês. 2012 (dg332448)
[Gerês 37] Um número elevado de fotografias revela outras faces. Revela a dimensão física de uma fotografia de relação próxima com a terra; revela como que uma aproximação a uma ideia de cinema, sem no entanto se confundir com essa prática, pois as fotografias continuam a ser ínfimos fragmentos de uma realidade visível, de laços com a leitura do tempo completamente diferentes daqueles que encontramos na imagem em movimento.
Serra do Gerês. 2012 (dg332449)