terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Dispersão. O Núcleo da Claridade #11

Fotografias feitas para Ruy Belo, Coisas de Silêncio. 1994-2000

Disperso-me na obstinação das fotografias, sobretudo fotografias de lugares, na tentativa de os captar, naquele que é para mim, agora, um evidente descontrolo dessa impossibilidade. Num número de fotografias que não pára de aumentar, encontro uma das faces mais sedutoras desta tarefa. Caminho no limiar de uma ruptura que é atenuada na escuridão, na ausência da luz. Talvez encontre aqui a palavra, e na palavra, o mais belo meio de comunicar, pela ilusão de o pensar capaz de expressar de uma forma concreta, uma sequência encadeada e lógica de pensamentos. É na materialização, na objectivação do pensamento, que a humanidade procura a sua possibilidade e a justificação de um sentido para a vida. Vou habitando esta realidade que se expressa de uma forma sempre inquietante quando, ao passar por um lugar anteriormente fotografado, o encontro de uma forma que me parece diferente da que vira no passado. Nesta diferença há uma dimensão fractal. Mais uma vez me confronto com os limites da possibilidade de um documentalismo de rigor, pois peca por excesso de informação. Mas aqui entro num jogo irresistível. Como ludibriar esta vertigem obsessiva, objectivada em milhares e milhares de fotografias de lugares? Procuro, de uma forma absolutamente racional, metodologias para dominar este fluxo de informação. É através destes processos de fazer, que depois procuro dominar e definir limites para o uso das fotografias e construir objectos de comunicação, livros.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Permanência. O Núcleo da Claridade #10

Poemas manuscritos de Ruy Belo

Só alguns anos após a morte de meu pai me iniciava no desafio de tentar registar os lugares, a transformação que o tempo opera no espaço. Tentar, com uma câmara fotográfica, registar o tempo que passa. A permanente mutabilidade de tudo o que olhamos. Talvez aqui resida o sentido deste livro, dez anos depois de Ruy Belo - Coisas de Silêncio. Páginas sobre a tentativa de aproximação a alguém que agora permanece na palavra poética, em vestígios dispersos em torno do núcleo da claridade. Seduzem-me estes passos, um percurso cada vez mais dentro das palavras, de um seu significado profundo.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Fragmentos. O Núcleo da Claridade #9

Detalhe do poema manuscrito Meditação Anciã.

Este era o mundo analógico de Ruy Belo em que viveu toda a sua vida. Tudo ficou registado num suporte de papel. Não havia, então, os computadores e os discos rígidos, onde sucessivas versões de poemas se apagam, são reescritas, sobre as anteriores, no registo do processo criativo que se perde, cada vez que se guarda uma nova versão do poema. Com o advento das tecnologias de informação, que se começaram a generalizar no final da década de 80 do século passado, há todo um mundo que se começou a alterar profundamente. Ruy Belo não viria a conhecer esse mundo e esse facto terá sido decisivo e determinante para os indícios por si deixados, para o rasto de fragmentos do seu próprio processo criativo e da sua vida.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Acesso. O Núcleo da Claridade #8

Bilhetes de Ruy Belo

Talvez pela necessidade de ter o seu próprio tempo passado arrumado, devidamente estruturado no exterior de uma memória que pode falhar, Ruy Belo guardava tudo, desde os mais importantes documentos, até aos pequenos bilhetes de deslocações, em transportes públicos, que efectuava. Há todo o registo dos aspectos de uma vida funcional, as contas que foram pagas, as compras a fazer, as pequenas notas de tarefas quotidianas, as listas de contactos de amigos, com moradas e telefones, as datas de aniversários, e muitos outros documentos. Depois, sem que consigamos definir uma clara linha de separação, há os documentos relacionados com a escrita poética e com todo o processo criativo. Num olhar atento percebemos que há uma contaminação, que se espalha, que se dissolve, que ressurge noutros papeis. No meio de documentos de natureza diversa, encontramos palavras isoladas, que nada têm de relação com esse mesmo documento. Podemos encontrar um verso num bilhete de autocarro, ou um poema nas costas de uma factura. Este é um mundo que se vai abrindo de uma forma perturbadora, na consciência de quem neles fixa o olhar. A procura de um poema, a comunicação pela palavra, estava omnipresente em todos os aspectos da vida de Ruy Belo. As mais improváveis situações de vivência diária, poderiam fazer surgir, ocasionalmente, o começo de um verso, a continuidade de um outro, a estrutura de um conjunto de poemas, o nome de um livro. O que fascina nos inúmeros papeis que deixou, das mais diversas formas e origens, é que podemos delinear um caminho, tentar seguir um trilho criativo, a origem de um poema e a forma como se construiu, ao encontrarmos palavras dispersas em vários suportes. Mas esta é também a imagem de um mundo fragmentado, pois se por um lado se podem ver várias versões de um mesmo poema, por outro lado, estes papeis tornam eventualmente impossível seguir o trilho desses versos, pois à medida que neles detemos a nossa atenção, deparamo-nos com um mundo que progressivamente se ramifica e que se diluiu noutros versos e noutros poemas. Aparentemente poderíamos traçar o mapa do seu processo criativo, a génese de um poema, mas a ilusão dessa tarefa iria esvanecer-se nos próprios poemas que se ligam uns aos outros, numa teia complexa e multidimensional. Habitamos, nestas superfícies, uma viagem inquietante em que aparentemente estamos a regressar ao ponto de partida, mas  nesse movimento, o começo de um poema já não está no mesmo lugar. Há, então, um chão que nos foge, um ponto de referência que se perde.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Distanciar. O Núcleo da Claridade #7

Diabo. Figura de barro adquirida por Ruy Belo.

Com o passar do tempo, mas também com as memórias e com a relação que estabelecem entre si e com o tempo presente, tudo parece tornar-se progressivamente mais complexo. Olho para essas fotografias, editadas há dez anos, e questiono tudo o que na altura não fotografei e que agora já não me é acessível. Fotografava vários elementos, de diferente natureza sob diversos ângulos, na procura de uma imagem que melhor comunicasse aquilo que pretendia transmitir e que nem sempre me é muito claro no momento da captura da fotografia, pois esta, no momento imediato ao seu disparo, afasta-se do fotografado e cria ela própria, pelo nosso olhar, uma linguagem e uma condição próprias. Este é um dos aspectos mais sedutores de uma fotografia documental: se, por um lado, é convocado o momento do que ficou registado, por outro, esse próprio registo vai condicionar a imagem que tínhamos do passado e criar uma memória mais complexa do que a simples vivência de um facto.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Reconhecer. O Núcleo da Claridade #6

Fotografias em cartões de identificação de Ruy Belo.

Fotografias dos cartões de identidade de Ruy Belo, desde a sua juventude até perto da sua morte. Se, por um lado, estas são fotografias que nos ajudam a traçar um percurso por diversas instituições, a síntese de vários passos que o prendiam a um quotidiano com que por vezes tinha relutância em partilhar, por outro lado, são o traçado de um rosto ao longo da vida. As marcas do tempo na face de um homem. Este é o ponto de partida para o livro que agora se apresenta. Foram as últimas fotografias de Coisas de Silêncio que terão deixado enunciada a possibilidade de continuidade de um percurso, não já um regresso a esse universo fotografado anteriormente, mas antes à exposição de numerosos documentos em que Ruy Belo deixou a sua assinatura. Esta é a arquitectura de uma teia construída de poemas.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Mergulhar. O Núcleo da Claridade #5

Óculos de Murgulho de Ruy Belo.

Algumas fotografias eram de objectos directamente ligados à vivência quotidiana de meu pai, sejam eles relacionados com a escrita, como as máquinas de escrever ou alguns manuscritos, ou apenas objectos por ele adquiridos e, muitas vezes, colocados numa estante junto à imensidão de livros que comprava com regularidade. Uma mala de viagem, um casaco ou uma gravata, remetiam-nos de uma forma eventualmente mais crua, para uma ausência, para alguém que nos deixara demasiado cedo, como que à procura de um mundo singular como aquele que talvez visse no fundo do mar, quando demoradamente nadava nos verões das praias de Vila do Conde ou da Consolação.

Aproximação. O Núcleo da Claridade #4

Duarte, Diogo e Ruy Belo. Praia da Senhora da Guia, Vila do Conde. Início da década de 1970.

Este não foi um trabalho exaustivo sobre Ruy Belo, sobre a sua memória ou sobre o seu espólio literário. Nem tão pouco é uma fotobiografia, embora se reunam aqui algumas fotografias significativas daquelas que são conhecidas. É uma aproximação, com carácter fragmentário, para mim possível, a meu pai. Este é um livro sobre a vida e sobre o que permanece após a construção de um desígnio, um percurso sem um destino aparente, a vaga viagem da procura de um território nosso, unicamente humano.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Biografia. O Núcleo da Claridade #3

Duarte e Ruy Belo. Vila do Conde. 1970
Ruy Belo nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1933, em S. João da Ribeira, Rio Maior. Num percurso longo e simultaneamente breve, viria a concluir o liceu em Santarém e prosseguir os estudos em Coimbra. Em Lisboa, em 1956, termina a licenciatura em Direito, ano em que, em Roma, inicia o doutoramento em Direito Canónico. Defende tese em 1958 e, nesse mesmo ano regressa a Lisboa. Em 1961 é aluno do primeiro ano do curso de Filologia Românica, na Faculdade de Letras de Lisboa e publica Aquele Grande Rio Eufrates, primeiro livro de poemas. Até 1977 publica 9 livros de poesia. O último título é Despeço-me da Terra da Alegria. Em meses de Verão passava os dias longos na praia da Senhora da Guia, em Vila do Conde ou na praia da Consolação, perto de Peniche. Ao longo da sua vida, Ruy Belo persegue uma ideia de liberdade maior e um desejo de comunicar, de que a sua poesia é hoje uma imagem viva. Num aparente relato de uma vivência quotidiana, cedo nos apercebemos que a sua escrita, marcada por uma ideia de ‘transporte’, toca profundamente alguns dos problemas mais profundos vividos pelas sociedades contemporâneas do mundo ocidental, como o amor, a morte, a relação com o outro ou o tempo e o espaço das nossas vidas. Numa procura constante da própria ideia de poesia, Ruy Belo parece querer habitar um tempo que congrega todas as idades e um lugar que representa todos os lugares.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Dois tempos. O Núcleo da Claridade #2

Retratos de bilhetes de identificação de Ruy Belo

O movimento que aqui se propõe divide-se em dois tempos. Num primeiro tempo, volto às fotografias feitas para Ruy Belo - Coisas de Silêncio, as mesmas que me fizeram recuar e me apontariam outros caminhos. São as fotografias da edição do ano de 2000 e muitas outras, dando conta do que tinha sido esse processo de aproximação e afastamento a Ruy Belo.
O segundo tempo, define o corpus principal e a razão de ser deste livro. São os fragmentos da poesia de Ruy Belo. São os poemas autógrafos, os dactiloscritos, as provas de edições, a correspondência, os documentos dispersos, alguns objectos, e as fotografias de época, que contextualizam uma vivência. É o levantar de um pano sobre a matéria literária produzida, os indícios de um processo criativo, o tempo da feitura da poesia.

detalhe do poema autógrafo VAT 69, do livro Homem de Palavra[s], de 1970

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Voltar. O Núcleo da Claridade #1

Vista da janela da casa de Ruy Belo. Queluz. Sintra. 1994. 2010

Numa manhã de Março de 2010 voltei à casa de Queluz, onde Ruy Belo vivera. Aí se encontram actualmente os versos escritos por sua mão e muitos outros papéis, livros, documentos, objectos, ou as fotografias em que se encontra retratado. Elementos em que fora deixada a sua marca indelével. Tencionava voltar a fotografar a casa, na continuidade de Ruy Belo - Coisas de Silêncio, agora dez anos volvidos sobre a publicação desse livro. A casa mantém-se nos seus aspectos essenciais, tal como eu a encontrara dez anos antes, mas tomava agora consciência que não fazia para mim sentido voltar a fotografar esse espaço. A sua escrita, os seus poemas, abriam-me outras linhas de pensamento.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O Núcleo da Claridade


Agora regressei a alguns aspetos desse tempo inicial, de Coisas de Silêncio. Já não me foi possível voltar às fotografias, mas mergulhei mais fundo num rasto de matéria que foi deixado por meu pai. O Núcleo da Claridade é uma viagem pelos fragmentos de um trilho deixado por quem dedicou a sua vida à escrita da poesia, à pura expressão pela palavra. Tentar seguir os rasto de alguém, pelo que fica nas margens de um caminho, é um desafio fascinante, que nos leva a uma floresta que se torna cada vez mais densa e inextricável, a ponto de perdermos quase o sentido do nosso próprio caminhar.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

regressar a Ruy Belo

Jardim das Portas do Sol. Santarém. 1994

No ano 2000 publiquei Ruy Belo - Coisas de Silêncio, uma primeira abordagem ao mundo da escrita de meu pai, feito quase exclusivamente pela fotografia. Era a materialização de algumas ideias que vinham comigo desde os primeiros tempos em que comecei a fotografar. A fotografar os lugares da minha infância, que partilhei com os meus pais e os meus irmãos. Lugares e objetos de um quotidiano próximo no tempo e no espaço.