[depois da estrada 05] Atravessar um papel em branco e deixar nele um traço que define, também, uma linha de tempo. É uma forma de voltar a viver a passagem por espaços deixados vagos, de fazer uma nova viagem. Tinha tomado apontamentos em folhas de papel onde desenhei todo o itinerário, bem como os pontos onde parei para fazer fotografias. Agora, ao olhar para esses planos, que me auxiliaram no alinhamento das palavras, via uma nova viagem. Tudo recomeçava e num conjunto de outras partidas e caminhos que imaginava, outras fontes, outras leituras, a possibilidade da construção de outros objetos. Um processo interminável de divagação progressivamente abstrata.
Fotografar um território vasto. Procurar em Portugal as raízes de uma identidade coletiva que se perde num tempo longo. Construir um arquivo fotográfico. Reinventar uma paisagem humana, uma ideia de arquitetura, uma cidade nova.
quarta-feira, 11 de novembro de 2020
quarta-feira, 4 de novembro de 2020
Antes da partida
[depois da estrada 04] Esta viagem foi motivada pela reflexão sobre a enorme extensão de território a que se convenciona chamar “Interior”. As soluções para a inversão do processo de desertificação do país não têm sido satisfatórias, embora vários modelos, tenham sido testados por sucessivos governos ou, pontualmente, por executivos municipais. O que parece cada vez mais evidente é que o “conhecimento”, entendido em sentido lato, pode trazer contributos adicionais e pode proporcionar o envolvimento de pessoas que ajudem a refletir sobre com as questões da terra, que podem trazer novas propostas para enfrentar esta realidade. Ao invés, o desconhecimento da terra, das paisagens nada pode trazer de positivo que não seja o espanto perante catástrofes ocasionais, sejam elas incêndios de grandes proporções, cheias, ou, esses sempre imprevisíveis, abalos sísmicos, devastando arquiteturas que não estavam preparadas para os receber.
Padornelos, Montalegre. 20/07/2018
segunda-feira, 2 de novembro de 2020
Três linhas
[depois da estrada 03] Esta viagem enquadra-se numa trilogia: um conjunto de três linhas desenhadas no mapa que visa estimular a reflexão sobre a terra, sobre quem nela caminha, sobre os lugares, sobre o nosso habitar, sobre o futuro. Não pode deixar de existir aqui uma dimensão pessoal de leitura do espaço e do tempo que se reflete na construção de objetos de comunicação: fotografias, palavras, desenhos, mapas, livros, exposições. Embora a criação de todos estes elementos esteja alicerçada em modelos já conhecidos, pretendo que na sua forma reflitam uma construção não-linear. Este é o espelho da nossa relação com a temporalidade concreta do espaço, de toda a ordem de referências, que continuamente transportamos connosco.
Trilogia Portugal 15-5-20: itinerários de viagem |
sábado, 31 de outubro de 2020
Um país numa linha
[depois da estrada 02] Ao movimento sobre o espaço, junta-se o desejo de vivenciar a terra e de ler a evolução a que foi sujeita. Continuo a tentar comunicar o valor da paisagem, a nossa integração, como espécie biológica, a refletir sobre o que é um país, que cultura encerramos, o que nos transmite a diversidade dos lugares, como se materializam as construções humanas, como se “agarram” ao solo. Que país é este que, entre Espanha e o oceano, cabe numa linha?
sexta-feira, 30 de outubro de 2020
Partir em viagem
[depois da estrada 01] Esta viagem foi feita de carro com meios reduzidos ao mínimo essencial, durante cinco dias contínuos, de sol a sol, sem qualquer desvio para abastecimento alimentar. As noites foram passadas no campo, junto à estrada.
Os pressupostos da partida são claros: juntar duas linhas de simplicidade e coerência. Uma viagem de baixo custo e um país interior, generalizadamente pobre, em processo de desertificação humana. Irei encontrar campos agrícolas agora ao abandono, ou florestados com a monotonia de um verde seco “industrial”. Sabemos que é impossível, nem seria desejável, voltar atrás, ao tempo das mãos na enxada em jornadas duras e intermináveis. Temos saudades da imagem de um país trabalhado pelas mãos calejadas dos agricultores, mas não temos saudades desses ofícios. A transformação do espaço é uma inevitabilidade. Foi sempre assim. A paisagem nunca foi estável, tal como nunca foi estável o clima. As transformações são agora muito mais céleres. No período de uma vida humana percebemos uma mudança que não seria tão evidente para os nossos antepassados.
Plano de estudo para o livro, divisão da viagem em capítulos e sub-capítulos.
segunda-feira, 12 de outubro de 2020
Casa
[Maia 11] Um lugar de todas as tensões polarizadas por uma casa de brasileiro. A casa ostenta uma monumentalidade que passa despercebida a um olhar apressado, acentuado, talvez, pelo estado de abandono em que se encontra. Por trás foi construído um supermercado. Há uma via férrea, há uma autoestrada, há ruas movimentadas. Como podemos intervir neste espaço? Que cidade para o futuro? Como se transmite o conhecimento da arquitetura e do urbanismo? De que ferramentas dispomos para o mapeamento do território, para o conhecimento da terra? Como poderemos traçar itinerários? Que economia emana deste presente? Que sociedade podemos edificar a partir de um tabuleiro de imensa complexidade? Que ordem procuramos? Que pólis? Que vida?
Corim, Maia. 16 de fevereiro de 2020 Corim, Maia. 16 de fevereiro de 2020 Corim, Maia. 16 de fevereiro de 2020 Corim, Maia. 16 de fevereiro de 2020
sábado, 10 de outubro de 2020
Lotes
[Maia 10] Um terreno urbanizado e lotes para moradias. Algumas das frações já estão construídas. Ao redor há floresta, sobretudo eucaliptos e mato. Estes blocos de habitação esperam, talvez, a chegada da cidade, o serem integrados na urbanidade que se expande. A Maia é uma cidade descentrada, polarizada por outra cidade maior. Ninguém conhece o futuro. Procura-se a coerência do planeamento e da arquitetura mas é muito grande a complexidade dos agentes em conflito. Se possível, tudo desenhar, mas o tempo atual é o tempo da aceleração da História, num quotidiano de vertigem e labirinto. Os dados do jogo muda a cada movimento. Tudo é efémero, instável.
Camposa, Maia. 16 de fevereiro de 2020 Camposa, Maia. 16 de fevereiro de 2020
Camposa, Maia. 16 de fevereiro de 2020 |
Camposa, Maia. 16 de fevereiro de 2020 |
sexta-feira, 9 de outubro de 2020
Topografia
[Maia 09] O espaço percorrido é todo ele diferente, mas parece haver uma constância. Arquiteturas contemporâneas entretecem relações de proximidade com terrenos agrícolas e construções antigas. O território da Maia é estimulante em muitos aspetos. É evidente um sentido de planeamento, de qualificação do espaço público e da arquitetura. Qualquer intervenção responde a uma situação específica. Há um compromisso com o existente, mas a urbanidade vai ocupando, aparentemente, todos os espaços que pode ocupar.
Barroso/Vilar, Maia. 16 de fevereiro de 2020 Barroso/Vilar, Maia. 16 de fevereiro de 2020 Barroso/Vilar, Maia. 16 de fevereiro de 2020
quinta-feira, 8 de outubro de 2020
Centro
[Maia 08] Regresso ao centro da Maia. O tempo está nublado, sombrio. A imagem que colho do lugar é substancialmente diferente daquela que havia feito semanas antes. A luz altera a visualidade com que me deparo. Tudo parece estar diferente, suavizado. Há um silêncio que se adiciona a um tempo que parece correr mais lento. O mapeamento fotográfico de uma cidade é condicionado pela alterações de luminosidade, há aspetos que se tornam mais evidentes, enquanto outros se desvanecem. Este é um jogo de diálogo com o espaço, com o desejo de percorrer todos os lugares. Que nada falhe na caracterização visual do espaço, na fixação da memória, na eventual construção de objetos de comunicação.
Maia. 16 de fevereiro de 2020 |
Maia. 16 de fevereiro de 2020 |
Maia. 16 de fevereiro de 2020 |
Maia. 16 de fevereiro de 2020 |
terça-feira, 6 de outubro de 2020
Comércio
[Maia 07] Um segurança de uma superfície comercial aproxima-se de mim em pose agressiva. Diz-me que não posso fotografar ali. Respondo que estou em espaço público. Pergunta-me o que estava a fotografar. Aponto para umas marcas de pintura branca no pavimento. Eram os negativos de algo que tinha sido ali pintado, a céu aberto. Desenhavam estranhas retas, em negativo, talvez o desenho incoerente de uma qualquer cidade. O segurança aliviou a tensão e virou-me as costas. Um trabalho de mapeamento fotográfico dos lugares depara-se por vezes com estas atitudes expressivas de incompreensão. Nem sempre é fácil explicar que um exercício de liberdade é apenas isso mesmo.
Maia. 15 de fevereiro de 2020 Maia. 15 de fevereiro de 2020 Maia. 15 de fevereiro de 2020 Maia. 15 de fevereiro de 2020 Maia. 15 de fevereiro de 2020
segunda-feira, 5 de outubro de 2020
Estrada
[Maia 06] Um lugar ao longo de uma estrada, urbanidades incompletas em afastamento ao aeroporto, em aproximação ao centro urbano, vias rápidas. Um rio esquecido em torno do qual a vegetação procura a densidade do seu sentido, a ocupação lenta de uma ordem própria e divergente. A reconquista dos lugares esquecidos por quem, num movimento célere, não repara em mundos paralelos, vigorosos. As espécies vegetais procuram a fixação e o alargamento dos seus territórios. Fazem-no quando nos esquecemos delas. Lenta mas com a determinação da mais abstrata força da vida. Criam a diversidade, alimentam, secretamente, a nossa própria viabilidade como espécie biológica. Que a natureza não sejam apenas jardins urbanos mas lugares de espanto e perplexidade para quem os visita.
Maia. 15 de fevereiro de 2020 Maia. 15 de fevereiro de 2020 Maia. 15 de fevereiro de 2020 Maia. 15 de fevereiro de 2020
domingo, 4 de outubro de 2020
Aeroporto
[Maia 05] O aeroporto desenhou um pedaço de cidade. Parques de estacionamento automóvel, vias de acesso, uma antiga aldeia, um campo de feira, uma cintura de campos agrícolas que permanece alheia ao avanço da urbanidade. É uma cidade de fragmentos e de extremos, de viagens, partidas e chegadas, de permanências na terra. Tudo é instável e o tempo tudo altera. Imaginamos o regresso de uma longa viagem, a aproximação à pista, o sobrevoo do solo próximo do aeroporto. Há uma cidade em expansão, mas permanecem, retalhados, os campos verdes. Talvez seja esta a maior evidência observada em imagens de satélite, a relação de uma Natureza em perda com a cidade que vai ocupando todos os lugares.
Pedras Rubras, Maia. 15 de fevereiro de 2020 Pedras Rubras, Maia. 15 de fevereiro de 2020 Pedras Rubras, Maia. 15 de fevereiro de 2020 Pedras Rubras, Maia. 15 de fevereiro de 2020
sábado, 3 de outubro de 2020
Avioso
[Maia 04] Há um núcleo primitivo, próximo da igreja de São Pedro, onde se sente a dimensão lenta da ruralidade. Quando nos afastamos um pouco, observamos unidades de habitação, com um limite de dois três pisos, a ocuparem terrenos onde não é clara uma ordem urbana. Os campos agrícolas, em parcelas de variadas dimensões, continuam em uso pela comunidade local. São poucos os terrenos que não têm nenhuma ocupação. Numa observação de imagens de satélite, é percetível, não longe da igreja, a existência de algumas pedreiras de pequena dimensão. Entrar numa destas crateras como mergulhar no interior da terra por breves momento. A vegetação cresce entregue ao seu próprio ritmo. Há vestígios de presença humana. O que mais se destaca é, no entanto, a dimensão de silêncio do lugar.
Avioso, Maia. 3 de fevereiro de 2020 Avioso, Maia. 3 de fevereiro de 2020 Avioso, Maia. 3 de fevereiro de 2020 Avioso, Maia. 3 de fevereiro de 2020
sexta-feira, 2 de outubro de 2020
Origem
[Maia 03] Um pequena elevação topográfica estará na origem da sacralização do lugar, pela construção da capela de Santo Ovídeo, em torno do qual se viria a desenvolver um pequeno núcleo urbano que, no entanto, nunca assumiu uma dimensão relevante. Castêlo da Maia é o mais primitivo lugar do concelho. A decisão da deslocalização para sul, de uma nova centralidade para o município, viria a acontecer em tempos muito mais recentes. Há uma noção de tempo e espaço que aqui é particularmente evidente. Em torno da capela vemos quase toda a gramática de tipos de ocupação do espaço que se vão replicar pelo território do concelho.
Castêlo da Maia. 3 de fevereiro de 2020 Castêlo da Maia. 3 de fevereiro de 2020 Castêlo da Maia. 3 de fevereiro de 2020
quarta-feira, 30 de setembro de 2020
Regresso
[Maia 02] À procura da densidade da passagem do tempo, percorro algumas imagens de arquivo que eu próprio fizera, em 1996, na Maia. Estava então em construção a Torre do Lidador. Mais tarde, em 2003, regresso aos mesmos lugares e vou ainda a outras freguesias do concelho. Desisto de fazer alguma comparação. Numa primeira abordagem ao mapeamento fotográfico do território, desloco-me livremente a partir do centro da cidade. Quase todos os edifícios são relativamente recentes, de duas, três décadas, outros há que estão em construção. Mas a cidade apresenta-se compacta, de algum modo consolidada. Mas há descontinuidades. Estas ocupações ou vazios que se inscrevem numa lógica urbana, ou rural, diferente, não deixam de nos chamar a atenção. São janelas de estranheza que se abrem na cidade. É claramente percetível a inversão de uma ideia de intrusão. Os edifícios altos, de vários pisos, sobretudo de habitação, dominam a malha urbana. O que resta de tempos antigos constitui-se, hoje, como descontinuidade.
Maia. 3 de fevereiro de 2020 Maia. 3 de fevereiro de 2020 Maia. 3 de fevereiro de 2020
terça-feira, 29 de setembro de 2020
Trinta e Cinco Anos de Ordenamento Territorial da Maia
[Maia 01] Entre os dias 2 e 16 de fevereiro do corrente ano, fiz um conjunto de fotografias no concelho da Maia. O objetivo foi a recolha de imagens para a caracterização do território a partir de uma ideia de planeamento urbano que está a ser desenvolvida no município desde 1984. Essas fotografias viriam a integrar uma exposição e um livro apresentado no passado dia 23, na Biblioteca Municipal da Maia. A coordenação do trabalho foi de José Carlos Portugal, que, por curiosidade, foi meu professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto no ano 1987/88, a equipa editorial foi composta pela Ana Resende, que assina o design gráfico do livro e por Daniel Duarte Pereira, que assegurou, nas várias frentes, o desfecho muito bem conseguido desta iniciativa.
Biblioteca Municipal da Maia. 23 de setembro de 2020 |
Biblioteca Municipal da Maia. 23 de setembro de 2020 |
Biblioteca Municipal da Maia. 23 de setembro de 2020 |
Biblioteca Municipal da Maia. 23 de setembro de 2020 |
segunda-feira, 28 de setembro de 2020
Centro Português de Serigrafia
No passado dia 25 de setembro foi aberta a exposição O Tempo das Imagens III - 35 anos do Centro Português de Serigrafia, na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa. Há uns meses tinha sido desafiado a fotografar o espaço de impressão do Centro Português de Serigrafia. A essa seleção de imagens “oficinais”, recentes, juntei um outro conjunto de fotografias do meu arquivo pessoal. São imagens das gravuras rupestres do vale do Côa. Para estabelecer a ponte entre os dois núcleos de fotografias escrevi um pequeno texto:
Memória e futuro
As gravuras rupestres de Foz Côa são singulares representações de vida e de tempo. Nelas estará a essência da imagem como forma primeva do que atualmente chamamos Arte. O desejo de aquisição do representado, o sublime da linguagem que se desprende da consciência quando nos apercebemos da finitude da vida.
No espaço oficinal do Centro Português de Serigrafia encontramos, dezenas de milhar de anos depois de Foz Côa, a mesma procura da imagem, em processos que, de algum modo, são já arcaicos. Hoje tudo parece poder ser feito num computador. Mas aqui permanecem os rastos e os restos da tinta, a matéria, os objetos de um labor que nos falam da demora, do tempo da construção das imagens. É a expressão do significado, simultaneamente aberto e difuso, do interminável desenho da memória e do futuro.
Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa. 25 de setembro de 2020 |
Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa. 25 de setembro de 2020 |
Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa. 25 de setembro de 2020 |
Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa. 25 de setembro de 2020 |