[Linha do Tua 14] Microcosmos de profundo isolamento e grande inacessibilidade, o vale parece alhear-nos da realidade. Uma sensação bem diferente da que temos nas cotas mais elevadas, onde o cenário continua a ser dominado pela paisagem do Douro Vinhateiro, pela imponência do seu vale e pela forma como as encostas de xisto foram trabalhadas pelo homem através da construção de socalcos monumentais e de um sistema de acessibilidades por caminhos e escadas que, muitas vezes, se revelam como soluções de desenho elaborado e complexo. A construção da linha do Tua usou este mesmo saber e modo de edificar. O rio Douro abriu o seu curso entre serras e planaltos, em encostas de declive íngreme, num clima local muito próprio, particularmente quente no verão e relativamente ameno no inverno, que, conciliado com a natureza seca do solo de xisto, deu origem a um processo de exploração vinícola que já dura há mais de três séculos, numa luta diária com a natureza agreste. Todo o modo de produção, desde a construção dos socalcos, à plantação das vinhas e aos trabalhos associados à sua manutenção, bem como a vindima, eram feitos de forma manual. As transformações tecnológicas e comerciais da atividade agrícola, que rejeitam a dureza de um ofício intermitente, conduziram ao longo das últimas décadas a uma mecanização dos processos de exploração vinícola, assistindo-se assim a uma progressiva transformação destas paisagens. Nos locais onde as encostas são menos inclinadas a vinha em patamares tem vindo a ser substituída pela «vinha ao alto». No entanto, os socalcos, na sua impressionante dimensão de modelador da paisagem, continuam a dominar o vale. A vinha domina a região, mas a oliveira também está presente, assim como a amendoeira. Um ou outro cipreste marca o lugar de uma quinta, muitas delas de origem no século xviii, as quais constituem uma das expressões mais marcantes da arquitetura da região, onde as povoações, quase sempre, se localizam a cotas mais elevadas. Por vezes vemos pequenos matos entremeados na extensão da vinha. São, quase sempre, solos antigos onde a vinha foi abandonada após o ataque da filoxera, uma das pragas mais difíceis de combater, testemunhos de uma história que não se esqueceu e que continua evidente nesses socalcos abandonados, conhecidos na região por mortórios. Mas a vinha, com as suas cores que se alteram ao longo do ano, domina a paisagem e suplanta qualquer expectativa que se pudesse ter de um lugar imaginado. Este é o mundo duriense, o país do vinho.