terça-feira, 26 de junho de 2012

Seta do Tempo

Margem do Tejo. Santarém, prox.. 1995

[Negativos arq. #8] A montanha representa aqui a ideia de um fim, ausência, silêncio, morte. O tempo e o espaço permanecem, mas sem uma descodificação racional. Há o regresso a um mundo pré-humano. Há o imaginar de um espaço como ele poderia ser antes de uma leitura humana. É aqui que encontramos o sentido e o fascínio da arquitetura e de uma espécie que atinge um determinado grau de desenvolvimento biológico e se destaca de outras, cria, no decurso de um tempo longo, um universo de razão, dirige, titubeante, os seus destinos, constrói o seu próprio território no afastamento de uma natureza-mãe. Então, com todas as incertezas, chegamos ao momento presente e olhamos para uma paisagem ancestral, como se olhássemos pela primeira vez para uma paisagem que nos estava inscrita nos genes, mas que já não conhecíamos. É essa paisagem que, de forma ambígua, nos fala do futuro, que nos interroga, que nos questiona sem deixar a mínima pista sobre a continuidade da viagem. Estamos perante a misteriosa seta do tempo.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Montanha

Serra do Gerês. 1991

[Negativos arq. #7] Regressar à paisagem antiga que existe no limiar de uma distância infinita, inacessível, e um presente que a resgata, como quem recupera um mundo perdido tão presente como o era décadas atrás. Este mundo, agora de sais de prata, era aquele que habitara como quem começa a grande marcha da vida, espaço de libertação e, simultaneamente, de fim dessa mesma liberdade que se descobria no preciso momento em que deixava de existir. Era a contradição, compreendida mais tarde, de uma existência humana entre o real e o imaginário, entre o espaço físico concreto e aquele representado pelas fotografias, entre uma memória ambígua, misteriosa, e um arquivo em permanente construção. Esta é a paisagem procurada, terreno infinito de pesquisa, de perda inevitável, talvez de encontro com o sentido, ora próximo, ora distante, de um caminhar que tem, inevitavelmente, de se desprender da Natureza, dessa paisagem berço, mas ilusória, onde um dia teremos sido felizes.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Lugar sem espaço

Queluz. Sintra. 2000

[Negativos arq. #6] Os três primeiros momentos, da minha apresentação no colóquio Na Superfície - aqui anteriormente apresentados (Mata, Biblioteca, Hospital) - representam espaço, uma reflexão sobre espaços públicos, ou semi-públicos. O quarto momento, Fuga, é um outro território, um lugar sem espaço, e um regresso a este conceito desenvolvido numa exposição montada por alunos de mestrado do Curso Superior de Fotografia do Instituto Politécnico de Tomar. A construção da fuga é a síntese de um caminhar e o que está oculto durante essa viagem, ou que não é mostrado de uma forma evidente. A partir de um desafio exterior, a proposta de Nuno Faria, construía um atlas de uma fração do meu próprio trabalho, mas que o representava em varias dimensões, numa estrutura com (in)determinada organização. Aqui estava plasmado um trabalho que caminha estre dois sentidos diferenciados: por um lado a representação das paisagens; por outro o registo dos fazeres que estão por trás dessa desejada representação — uma construção entre o real e o imaginário, uma arquitetura que existe num espaço contido, numa escala pessoal.
A construção da fuga é a consciência de um desvio a um itinerário obvio, um percurso alternativo e desvinculado. É a tentativa de entendimento e afirmação contida de uma realidade própria. A fuga é, simultaneamente, um espaço publico e um espaço privado, jogo de imprevisibilidades, de escondidas e de revelações. Inventar o espaço, reinventar o pensamento. Este é o espaço que prolonga as paisagens das viagens, é um espaço cinético que ambiciona ser construído e vivido de forma contínua.
A construção da fuga é a reconstrução de um passado disperso entre milhares de fotografias feitas num tempo que deixou de ser acessível e que agora é a metáfora de todas as perdas e de todos os lugares entretanto encontrados na perplexidade de um mundo cuja razão talvez acabe por ser a mais absoluta ausência de sentido. A fuga é a construção possível de algo que não poderá deixar de ser uma ruína. É o gozo desinteressado do respirar, do habitar, de algumas ansiedades expressas no caminhar, da procura do entendimento da consciência e, antes de tudo o mais, do ruidoso motor da vida.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Hospital

Enfermaria 8, ou Pavilhão de Segurança. Antigo Hospital Miguel Bombarda. Lisboa. 2012

[Negativos arq. #5] O antigo hospital Miguel Bombarda existiu no limite da racionalizada humana, albergou estranhos casos de humanidade, na fronteira da mais desconfortável e misteriosa bestialidade. Casos em que muitas vezes a dimensão humana encontra um indefinível limite. É um lugar cujo próprio posicionamento na cidade parece querer marcar uma dimensão oculta e inacessível. Se por um lado estamos no coração da cidade de Lisboa, por outro lado, uma topografia singular isola este conjunto edificado da malha urbana que o envolve, como que apenas lhe conferindo um único ponto de acesso. No seu interior o panóptico, o pavilhão de segurança ou Enfermaria 8, parece sintetizar o isolamento de todo o conjunto. Esconde mas no meio de um aparente vazio é visível a cidade, lá em baixo, a todo o seu redor. De um ponto esquecido, como que inexistente, é visível toda a cidade; do vazio, da sua impossibilidade, observamos, com estranheza, toda sociedade humana. Hoje cresce no lugar o mundo vegetal e a expectativa de uma mudança que modificará algo que parece nunca ter existido.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Torre

Obras de ampliação da torre de depósitos da Biblioteca Nacional de Portugal. Lisboa. 2010

[Negativos arq. #4] A biblioteca é a construção da cidade, aqui com o acrescido sentido de conter uma parte significativa da produção erudita de toda cultura de Portugal, que em muito transcende os limites da cidade de Lisboa. Há uma modelação da urbe, ou mesmo de um país, imaginada num edifício. Habitar um prometido universo de livros, um lugar de onde poderíamos não sair e aí conhecer todo o mundo. Esse lugar está em construção e é visitado regularmente, na elaboração de um levantamento fotográfico documental. É observado a crescer na revelação de todos os segredos de uma estrutura humana, a matéria do paulatino erguer da cidade. Muitas destas fotografias são a procura de uma origem. As fotografias da obra de ampliação da torre de depósitos da Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, são o acompanhar de um nascimento, do crescimento de um ser. É como fotografar uma criança desde o seu nascimento até ao inicio da idade adulta, no momento em que, definitivamente, a sua consciência se emancipa, se assume com destino próprio, onde se desenvolverão, autonomamente, opções de sentido. As fotografias de uma criança, de um filho, são como que o registo da nossa própria infância, do tempo mágico de um começo que não nos será acessível no futuro, mas que, progressivamente, vamos construindo, como se tratasse de irmos encontrando, fragmentados, os pedaços desmedidos que formaram a coerência da nossa vida. Estas fotografias da Biblioteca são isso: o revelar de uma infância, de um tempo breve a que rapidamente deixaremos de ter acesso, mas que assim fica registado para que possa ser revistado num qualquer momento. Descobriremos mais tarde que, apesar de todo este investimento, num número muito elevado de fotografias, alguns milhares, também aqui o tempo se esvai, fora então impossível agarrar numerosas dimensões significantes de um processo evolutivo que pretendêramos fixar. Este é aqui um dos sentidos pungentes do documentalismo: revelar todas as suas impossibilidades e mostrar o ponto de contacto entre as linguagens da expressão e da interpretação, que, a princípio talvez se quisesse evitar.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Mata

Mata do Fontelo. Viseu. 2011

[Negativos arq. #3] As micro-paisagens são como que a continuidade dos horizontes ilimitados de viagens primordiais, feitas num tempo em que a memória era quase inexistente e o caminhar era tomado de uma energia misteriosa, imparável. Agora era como encontrar as portas de um mundo quântico, a descoberta do infinito vegetal no coração de uma malha urbana densa. Regresso inquietante à vastidão das maiores paisagens. Regresso a um princípio que era o fim dos grandes horizontes. Estas micro-paisagens são o fim de um documentalismo que pensava possível, depois de longas viagens, depois de demorados registos fotográficos por todo um território definido. À medida que baixava a escala do registo, e me aproximava de solo, do labirinto do mundo vegetal e da transparência que ele revela, mais se torna evidente que estas fotografias não podem avançar sobre aquilo que se propunham: a captação tendencialmente completa de um mundo visível. Essa realidade já era desmentida pela passagem do tempo, mas agora tornava-se demasiado claro que havia outras dimensões por onde um trabalho podia avançar sem nunca se aproximar de um limite. Era, contraditoriamente, algo que se perseguia: a irrepitibilidade de tudo, tempo e espaço, e escalas espaciais antes não exploradas. (A estes territórios vastos de espaço e tempo arcaico, voltarei no final destas palavras, no último bloco de imagens destes Negativos arq.).

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Sentido da escuridão

Mata do Fontelo. Viseu. 2011

[Negativos arq. #2] Na Superfície é o nadar em apneia abaixo desse mesmo horizonte, que se imagina líquido. Para o fundo ficará a escuridão, que muitas vezes revela o sentido possível e contigente das coisas e dos seres; para cima pode não ser a luz, essa ilusão, mas a noite, povoada, eventualmente, de pontos luminosos.
Mata, Biblioteca, Hospital, Fuga, Montanha, são singularidades de natureza diversa, aparentemente desconexa, unidas, talvez, na ideia de fuga, conceito já anteriormente explorado e aqui exposto em passado recente. Quase todas são fotografias atuais com a exceção o último grupo, que mostra fotografias feitas na serra do Gerês, em 1991, um ano após o regresso a Lisboa, três anos depois de ter chegado à cidade duriense.

Negativos arq.


[Negativos arq. #1] A propósito de uma participação num seminário, Na Superfície, no dia 14 de Junho de 2012, preparo um conjunto de fotografias, em cinco núcleos, com uma temática vaga, vagamente relacionada entre si, englobada pelo conceito de arquitetura e espaço público. O seminário realiza-se na Faculdade de Arquitetura de Universidade do Porto. Aqui estudei entre 1986 e 1990. As fotografias são quase todas recentes, mas o último grupo, Montanha, é feito não muito tempo depois de regressar a Lisboa. Do Porto, da arquitetura, parti para todas as viagens. Durante os próximos dias aqui deixarei algumas reflexões sobre cinco lugares, lugares expectantes, dimensões crepusculares.
Mata do Fontelo. Viseu. 2011