quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Não atravessado

[Lugares livres 50] Em Liliana Velho há um movimento primordial, como se viesse de um tempo muito antigo, de uma origem, e não tivesse sido corrompido por milénios de lutas sem tréguas. Como se não tivesse atravessado o território da maior cidade. Há aqui uma alegria revigorante que nos contamina, que nos transporta. No caminho, deixar registado o espaço e o tempo da duração de uma vida inteira. Foi, é, o permanente desenho de uma casa.

Os Cardos do Meu Verão (2023), escultura de Liliana Velho, Viseu, 2023


 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Luta biológica intemporal

[Lugares livres 49] A arte é um lugar onde podemos chegar na interminável caminhada que herdámos dos nossos antepassados, de toda a humanidade, em fragmentos descontínuos. O belo é uma forma de inquietação gerada pela sua estranheza. Representações de uma luta, biológica, intemporal. O enigmático sentido da violência disfuncional e, simultaneamente, convite, sedução. Uma síntese do entendimento da vida, na sua indizível sofisticação, na evidência de estarmos em confronto com situações, interpretações, contraditórias, insanáveis. Procuramos um possível significado da palavra habitar. Encontramos a arte como racionalização de um combate e de uma impermanência, proposta de entendimento do Universo. Profunda utilidade, existência em ensaio de si própria. A arte é desenvolvimento e evolução antropológica. É a procura de soluções sobreviventes. A continuidade no espaço-tempo, o deixar raízes, criar memória, propor formas diferentes, tentativas de observação do futuro. É estarmos perante a construção da ordem, arquitetura, face ao imparável avanço da entropia. Talvez o caos não exista, mas apenas a incapacidade de lidar com o excesso de informação gerada pela própria vida no seu irredutível desejo de imortalidade.

Espuma dos Dias (2018), detalhe de escultura de Liliana Velho, Viseu, 2023

 

domingo, 1 de dezembro de 2024

Seres que emergem da terra (Escultura em cerâmica de Liliana Velho)

[Lugares livres 48] No trabalho de Liliana Velho há seres que emergem da terra, do barro moldado pelas suas mãos, como se nos revelasse do que somos feitos. Como se uma natureza misteriosa atuasse sobre si própria e nos mostrasse o reflexo límpido do que somos. Com cinco séculos depois de Vasco Fernandes, encontramos estas paisagens manuais, fabricadas, tão fascinantes quanto reais. Olhares mediados, ensaios de futuro. Aqui chegamos a um porto, de abrigo e encontro, no decurso do longo caminhar humano. Encontro entre estes dois olhares, uma cidade profundamente diferente, com todo o tempo de afastamento entre si. Arte e humanidade para ler a terra, a fuga a convenções e salto de fronteiras. Espaços livres, o equilíbrio pontual de um interminável trilho que resume todos os lugares por onde passámos, todos os rostos que fazem parte de nós. Uma nova condição de pacificação.

A Cabra (2022), escultura de Liliana Velho, Viseu, 2023

 

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Viagem

[Lugares livres 47] Como no início desta viagem, evocamos Grão Vasco, que nos transporta para a contemporaneidade, para a possibilidade de outros fazeres sensíveis. A sua pintura, a sua escola, é de uma extraordinária atenção aos detalhes. Um ofício desenvolvido num tempo que hoje nos é difícil de imaginar. O mundo era, no século XVI, profundamente diferente.

Detalhe de retábulo de Grão Vasco, Museu Nacional Grão Vasco, Viseu, 2021

 

terça-feira, 26 de novembro de 2024

Camadas de realidade

[Lugares livres 46] Partimos numa viagem breve ao redor de Viseu. Visitamos paisagens e arquiteturas singulares na constatação da diversidade de lugares próximos que podemos encontrar. Pelo desenho, pela fotografia, pela palavra, mapeamos esse espaço e encontramos algumas dimensões do tempo. Na organização da memória das viagens da vida, edificamos, paulatinamente, novas camadas de realidade. Construímos artefactos de comunicação para o conhecimento e compreensão do espaço-tempo que habitamos.

Exposição Viseu território natureza, Quinta da Cruz - Centro de Arte Contemporânea, Viseu, 2023

 

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Círculo vicioso interminável

[Lugares livres 45] Na vertigem da representação do belo, contribuir para o caos criando novas camadas de realidade. Ao produzirmos conteúdos para a interpretação do mundo, mais não fazemos do que aumentar a entropia. É um círculo vicioso interminável, como fotografar um país ao longo de décadas. Centenas de milhares de quilómetros percorridos. A representação sistemática e continuada de um espaço pela fotografia dá origem a um mapa que se afasta progressivamente do território que representa. Uma realidade espetral parece emergir de um complexo arquivo de fotografias, desenhos e palavras que edificam uma arquitetura singular. Aí percorremos as ruas de uma cidade imaginária cujos contornos configuram um lugar que conquista a sua própria verdade.

Viseu, 2023


 

domingo, 24 de novembro de 2024

Grafia e tradução

[Lugares livres 44] As fotografias conduzem-nos a um processo de aprendizagem do olhar, da observação. Somos transportados ao conhecimento do mundo, à possibilidade de cruzarmos múltiplos saberes. Ensaiamos formas gráficas de tradução da memória e linguagem que se erguem do caminhar, das fontes, reais e ficcionadas, onde fazemos pausas na permanente viagem da vida. Mapas, quadros, diagramas. Desenhos dinâmicos a que somos levados pelo pensamento. Desejo de uma síntese clara da condição de habitar a terra, ancorada na contemporaneidade onde flui a liberdade.

Viseu, 2023