sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Tejo infinito berço

Terreiro do Paço. Lisboa. 2012
[Lisbon Ground 2] O Tejo é como um infinito berço, espaço líquido atemporal que sempre terá exercido um misto de fascínio, pelo que pode dar, e medo, pela sua indeterminada força, acentuada aqui pela presença próxima do mar, elementos que terão condicionado, definitivamente, a fixação de comunidades humanas no lugar, primeiro vindas, talvez, de uma viagem de gerações com início na Europa central. Toda a frente oceânica era uma finisterra. Uma face a partir da qual não era possível ir mais além. Até ao século XV a frente de rio era lugar de várias atividades funcionais ligadas à pesca, mas foi daqui em diante que iriam partir as primeiras naus que transportavam a civilização europeia para lugares antes não visitados por ninguém vindo de longe, por via marítima. Hoje, escavações que se façam neste solo quase invariavelmente se deparam com embarcadouros ou com as fundações de estaleiros navais. Com o passar dos anos já em tempos recentes, desde o advento da revolução industrial, a frente ribeirinha, dada a sua posição a bordejar a cidade, vai assumir-se como um privilegiado eixo viário, seja pela rodovia, seja pela ferrovia. Uma relação lúdica com o rio, em quase toda a sua extensão, é cortada durante mais de cem anos. É algo deste espaço que se pretende agora recuperar, e afirmá-lo também como um notável miradouro sobre Lisboa.
Terreiro do Paço. Lisboa. 2012

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

2012

Castelo de São Jorge. Lisboa. Abril de 2012
Num momento em que Portugal parece estar à beira de um prolongado colapso que fará tremer a sua própria existência num prazo não muito longo, olho em volta, para o chão que pisamos, e encontro as marcas de uma cultura milenar, cuja raiz se encontra bem mais recuada que a fundação da nacionalidade. Não creio que a culpa da situação que se vive atualmente seja do sistema económico, ou dos mercados financeiros. Vivemos, creio, um dos mais desafortunados momentos da história europeia. Há a reunião de uma invulgar constelação de governantes e dirigentes incompetentes que tomou posse nos mais elevados cargos de países e instituições europeias. Portugal é disso um bom exemplo. A alienação e falta de sentido de Estado de quem neste momento está no poder, em quase todas as oposições e mesmo noutras instituições, apresenta-nos um horizonte de fome para um elevado número de cidadãos.

Os Portugueses não são maus, não são preguiçosos, não são estúpidos, são, na sua enorme maioria, trabalhadores briosos que querem desenvolver as suas atividades, continuar a viver e a construir a Nação das gerações que nos antecederam. Nem creio que precisemos de um pai, de uma moral ideológica mesquinha, ignorante e gananciosa. D. Sebastião não vai voltar. Mas também não precisamos de governantes, dirigentes políticos, que, sem o mínimo de pudor, nos mostram a sua mais fina incompetência e arrogância, sem que delas tenham a mínima noção e que nos prometem o colapso eventual de uma democracia, ou um impensável recuo civilizacional. Continuamos dentro de uma Europa que conquistara o mais elevado desenvolvimento humano do planeta.

Gostava de, em 2013, continuar a fotografar e a trabalhar sobre o espaço português, sobre este tão grandioso lugar de diversidade e afirmação tenaz de uma cultura e de uma língua. Continuar a procura da palavra, a partilha da expressão de um sentir e de um universo de vivências. Continuar os passos encetados com algumas pessoas que conheci neste ano corrente, ou que reencontrei. Trabalhar as memórias, pessoais e coletivas, e a continuada construção do passado.

Nunca fiz balanços de anos passados, mas sobre este ano 2012 avanço algumas linhas. Antes de mais talvez seja aquele em que definitivamente se dissiparam todas as dúvidas sobre a negação do autismo do meu filho Afonso, a quem esse espectro de comportamento fora diagnosticado no Hospital Pediátrico de Coimbra, história de que dei conta recentemente aqui, na Cidade Infinita. História que a meus olhos é como uma metáfora do tempo presente ou a afirmação descontrolada do erro. Mesmo tendo uma tremenda confiança no meu filho, há dúvidas que nos assaltam pontualmente. As crianças dizem-nos, já mo dissera o meu filho mais velho, Pedro, que a vida é um "pontapé para a frente", é a impossibilidade de nos opormos à seta do tempo, à evolução contínua dos seres vivos, de todas as coisas, do pensamento humano. A vida é uma dança, um imponderável equilíbrio, um grande salto. É também, em mim, o acreditar de um enorme vazio que nos rodeia, no qual erguemos uma ilha de racionalidade, um monumento à descodificação progressiva dos mais densos mistérios, à expressão do pensamento aleatório e descontínuo, ao mundo do risco, do traçado numa folha branca, o enunciar de uma arquitetura renovada ou um habitar singular e único. Admirar quem corre sem um fim aparentemente objetivo, quem salta e voa uma fracção se segundo.
Praia do Castelejo. Agosto 2012

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Lisbon Ground

Lisboa. 2012
[Lisbon Ground 1] Uma cidade desenhada por um rio, foi o título de um texto que escrevi para o catálogo/livro da participação portuguesa na 13ª Bienal de Arquitetura de Veneza. A exposição foi comissariada por Inês Lobo, e o conceito foi desenvolvido em torno de uma série de intervenções recentes na cidade de Lisboa, tendo como referência a recuperação do Chiado após o grande incêndio de 1989. Direta ou indiretamente estiveram envolvidos neste debate e reflexão sobre Lisboa contemporânea Álvaro Siza Vieira, Bárbara Rangel, Catarina Mourão, Eduardo Souto de Moura, Francisco Aires Mateus, Gonçalo Byrne, Joana Vilhena, João Gomes da Silva, João Luís Carrilho da Graça, João Nunes, João Pedro Falcão de Campos, João Simões, José Adrião, Manuel Aires Mateus, Manuel Graça Dias, Manuel Salgado, Paulo Mendes da Rocha, Pedro Domingos, Ricardo Bak Gordon, Ricardo Carvalho, Rui Furtado e Rui Mendes. A conceção gráfica do catálogo/livro foi de Pedro Falcão. As fotografias foram da minha autoria. Toda a iniciativa partiu da Direção Geral da Artes.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Passagem

Lisboa. 2011

[Momento-infância 12] Tenho largos milhares de fotografias dos meus filhos, desde 1996, antes do advento digital, até à atualidade. Estas que aqui mostro são contemporâneas da história que acompanham. Foram feitas, sensivelmente, entre o segundo e terceiro ano de vida do Afonso. Estes textos e fotografias são uma homenagem àquilo que de mais humano tem um ser que enuncia um desejo de liberdade, de respeito por uma condição singular, pela inevitável indeterminação do futuro. Estas são então fotografias de uma dança da vida, da vontade exuberante. Aqui termina o relato desta experiência, sobre um momento da infância do Afonso.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Situar em lugar

Viseu. 2011
[Momento-infância 11] Qual é o significado deste relato neste espaço cidade infinita? Volto ao texto inicial deste bloco, publicado no passado dia 4, a cidade infinita é sobre a vida, as fotografias, palavra, fazeres, e as suas contaminações no universo específico do meu trabalho. Não fiz fotografias desta situação concreta durante os dez dias em que decorreu este episódio (fiz um desenho), mas este é o meu mundo, é uma situação que marca quem a vive, marca os meus fazeres, o entendimento do mundo, enriquece uma leitura do humano e reafirma a ânsia de comunicar, de partilhar estas fotografias e palavras num quadro despojado do entendimento de uma certa forma de ser humano, de me aproximar de um sentir, de tentar levar mais longe aqueles que são os meus limites, limitações, do uso das fotografias e da palavra. Esta é também a forma de recusar a ideia de que algo não se consegue dizer, não se consegue transmitir, está para além da nossa capacidade de comunicar. Não, a comunicação humana, a expressão, é ela própria uma luta e uma conquista. Quando não conseguimos dizer algo por palavras, ou por qualquer outra forma, temos um desafio e um apelo, temos a construção de um sentido de vida humana, teremos eventualmente um mundo desvinculado e precário, mas também o mais sedutor e significante horizonte de liberdade.

sábado, 15 de dezembro de 2012

A leitura da normalidade

Viseu. 2011
[Momento-infância 10] O Afonso esquiva-se a uma desejada "normalidade". As leituras interpretativas do seu comportamento prolongaram-se pelas instituições de ensino, de pré-escola em que, não raras vezes lá vinha um diagnóstico proferido por alguém sem a mínima capacidade ou formação para o emitir. Mas há gosto por 'sangue', pelo mal dos outros, como se isso elevasse a autoestima de quem profere diagnósticos incompetentes. A incompetência, aliás, e a mediocridade parecem, por vezes, ser assumidas de forma crua, aparentemente absurda, de quem mais fala de si próprio do que quem observa. Todos vivemos num limbo de lucidez em que esta é por vezes perdida, mas uma reserva de contenção, quando se observa uma criança, deveria ser um valor mais ponderado.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Ficha técnica

Viseu. 2011
[Momento-infância 9] A ausência de nomes concretos, que não seja o da instituição onde tudo se passou, não é aqui revelada por não os considerar importantes. Não se quer aqui fazer qualquer acusação personalizada, até por houve um diagnóstico que nunca foi assumido de forma clara e inequívoca, houve sempre algo de vago a pairar no ar no que diz respeito à "autoria" do diagnóstico. Na procura de uma certa objectividade escusei-me a fazer relatos e leituras de outras situações que, essas sim, dependiam claramente de uma interpretação pessoal.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Três semanas depois

Viseu. 2010
[Momento-infância 8] Comparecemos à consulta de Desenvolvimento passadas três semanas. Nesta consulta já não foi confirmado o autismo do Afonso, mas também não foi rejeitado esse diagnóstico. Sem que tivesse alta, também não foi marcada nova consulta, sendo-nos recomendado que fizéssemos uma reavaliação da situação em setembro. Não voltamos ao Hospital Pediátrico de Coimbra. O Afonso seria observado por outros médicos; sendo-nos reiteradamente negada qualquer possibilidade do Afonso ser autista.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Na informalidade

Viseu. 2010
[Momento-infância 7] Médicos havia que, no Hospital Pediátrico, observavam o Afonso num quadro de informalidade e nada notavam de fora do comum, mas, por não estarem a acompanhar o caso, não contestavam o diagnóstico dos colegas. As enfermeiras e os enfermeiros que quotidianamente nos acompanharam revelaram sempre uma invulgar atenção e preocupação com a situação que, em meu entender, muito excedia o expectável. Depois da alta médica do Afonso uma enfermeira, que teria mais de trinta anos de experiência, dizia-nos que, do que vira ao longo da vida, não lhe parecia de todo que o Afonso fosse autista.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Ignorância

Viseu. 2010
[Momento-infância 6] A nossa voz foi liminarmente recusada no confronto de outras possibilidades de diagnóstico. Todo o processo feito em Viseu foi ostensivamente ignorado, tal como o foi a história familiar dos pais, tal como o foram todos os factos por nós relatados. O Afonso era autista e um "contador" tinha de ser posto a zero. Um diagnóstico desta gravidade era dado como sendo algo de inquestionável, nos corredores de um hospital, sem o mínimo de preocupação com a sensibilidade da situação, nem tão pouco houve o querer adiar esse diagnóstico para uma observação mais cuidada, numa futura consulta. Um princípio que nos diz que não se fazem diagnósticos de comportamento a uma criança com fome, com dor, cansaço ou sonolência, era ignorado.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Dois aspetos

Viseu. 2010
[Momento-infância 5] Estas palavras não são uma critica aos médicos do Hospital Pediátrico de Coimbra, nem tão pouco a essa instituição, é o relato de um equívoco que assumiu proporções extremamente nefastas numa família. O caso não é generalizável, mas aconteceu. Não deixa de ser curioso, sem qualquer laivo de ironia - não questiono a qualidade do trabalho desenvolvido pelos pediatras de Coimbra - mas nunca foi assumido um erro, nunca nos foi dito taxativamente que o Afonso não era autista, sempre nos foi deixada essa porta aberta. O mundo é pequeno, as pessoas conhecem-se e falam, este quadro começou a ter alguma divulgação junto de algumas pessoas que num quadro inicial de recusa da doença, começaram posteriormente a pôr isso em causa. Havia uma contaminação que se espalhava, era a especulação que tomava a ordem. Talvez pudesse sintetizar tudo isto em duas criticas objetivas. Uma primeira foi um diagnostico que confere um erro grosseiro reiterado; uma segunda foi o facto desse mesmo diagnóstico nos ter sido comunicado nos movimentados corredores do hospital por uma médica interna.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Recusa

Viseu. 2010

[Momento-infância 4] Fomos acusados de estarmos em 'período de recusa', face a um diagnóstico que para quase todos os médicos era óbvio. Por vezes parecia vislumbrarmos nas suas faces o orgulho de ter sido feito um diagnóstico de uma situação difícil, era quase como um troféu de caça. Mas o sentimento mais bizarro por mim sentido, que ainda hoje me acompanha, é que o diagnóstico não era bem uma avaliação rigorosa num quadro de ciência médica, era um veredito emitido por um juiz, era uma condenação, enquadrada no conjunto de outras bizarrias que entretanto se passavam. Ninguém notava que o Afonso se acalmava com medicamentos para as dores, como o Brufen (analgésico e antipirético) e nunca com calmantes como o Diazepan (ansiolítico, anticonvulsivante, relaxante muscular e sedativo).
Viseu. 2010

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Diagnóstico

Afonso e Pedro. Lisboa, 2010

[Momento-infância 3] Por volta das nove da manhã, uma médica cirurgiã observa o Afonso, então com dois anos, manifestando incontida irritação pelo facto de ele não colaborar na auscultação. Pouco depois, ainda antes das dez horas, aconteceria o momento-chave que ditaria a progressiva perplexidade que nós, pais do Afonso, estávamos a assistir. A mesma médica que fizera o filme de madrugada pedira-me o telemóvel, para partilhar com colegas aquele momento e tentarem chegar a um diagnóstico. Terão passado sensivelmente 30 a 40 minutos quando o telemóvel me foi devolvido. Pela primeira vez somos confrontados com a possibilidade de a situação porque estava a passar o Afonso se dever a um quadro comportamental e não de dor. Pouco depois ouvíamos a palavra autismo associada ao comportamento do Afonso, sendo-nos mesmo afirmado tratar-se de um caso clássico de autismo. Doravante o Afonso passou a ser considerado autista e todo o comportamento dos médicos se alterou. Questões, para nós elementares, com que apenas queríamos confrontar os médicos para outras possibilidades de diagnóstico, era-nos liminarmente recusada outra hipótese que não a de autismo. A médica interna, que no dia anterior fizera a história clínica, disse-nos, taxativamente, que todo o processo clínico anteriormente redigido, nomeadamente toda a bateria de exames feita em Viseu, tinha que ser esquecida, pois agora apenas interessava actuar sobre o autismo do Afonso. Na sequência destes acontecimentos o Afonso é observado por uma médica especialista em autismo. É levantada uma ou outra pequena reticência como, por exemplo, o Afonso ter uma boa fixação do olhar, mas é confirmado o diagnóstico. O Afonso não foi, mais uma vez, colaborante na consulta. Na sequência desta primeira observação é marcada outra consulta, três semanas depois, para começar a acompanhar o Afonso no quadro do diagnóstico então confirmado.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Viseu-Coimbra

Viseu. 2010
[Momento-infância 2] Foram dez dias de uma rotina quebrada, na transição de maio para junho do ano de 2010. Depois de uma noite de grande instabilidade, em que o Afonso praticamente não dormiu, algo que nunca antes tinha acontecido, de madrugada, fomos ao hospital de Viseu. Nove dias de internamento e foi transferido para o Hospital Pediátrico de Coimbra, tendo-lhe sido, na altura, diagnosticada uma linfadenite mesentérica com quadros sucessivos de invaginação e desinvaginação, ou, por outras palavras, o intestino entra dentro si próprio, numa espécie de dobra que provoca um bloqueio de duração variável, dando origem a dores mais ou menos intensas. A linfadenite ter-se-à manifestado de uma forma invulgarmente exuberante. Chegado a Coimbra, ao Hospital Pediátrico, o Afonso foi reavaliado. Os exames não revelaram a necessidade de uma intervenção cirúrgica. Ficou internado em observação, com raros momentos de acalmia. Depois de mais uma noite praticamente em claro, o Afonso, é observado por uma médica que, ao assistir ao seu comportamento a contorcer-se, numa postura invulgar, perguntou-me se seria possível, com o meu telemóvel, filmar a situação. Eram cerca das 6h30 quando foi feito o filme com uma duração de 1'45''. Pouco mais tarde começam a dar-se uma sucessão de acontecimentos na margem, creio, da ciência médica.
Viseu. 2010

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Sobre o princípio

Afonso e Duarte. Viseu. 2009
[Momento-infância_1] Há uma face humana não revelada no meu trabalho com a fotografia. As imagens que se seguem vão acompanhar textos de relato de uma situação que se passou com o meu filho mais novo, o Afonso, hoje não longe dos cinco anos. As fotografias que acompanham as palavras não se relacionam diretamente com a situação vivida, são momentos de fixação do tempo de infância, perante o incontido fascínio de quem assiste a essa exuberante manifestação de vida que emerge de uma condição animal e se torna humana num tempo fugaz e quase impossível de captar. Estas palavras, e fotografias, são sobre quanto os filhos nos ensinam sobre nós próprios, sobre todas as impossibilidades genéticas, sobre o tempo e sobre a vida, sobre a humanidade e a sua condição mamífera primordial, sobre a contenção, sobre uma existência social, sobre a enorme singularidade que é cada criança, sobre o futuro. É o relato de uma vivência e a história breve de uma tempestade.
Afonso e Duarte. Viseu. 2008