quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Aparições: A fotografia de Gérard Castello-Lopes 1956-2007


Aparições: A fotografia de Gérard Castllo-Lopes 1956-2007


Gérard Castello-Lopes começou o seu percurso fotográfico submerso, inebriado com o mundo de silêncio do fundo do mar e com a imponderabilidade. Agora, no ano da sua morte, somos convidados a voar sobre o seu universo visual, como se nós próprios adquiríssemos a ausência de peso que muitas vezes o seu trabalho nos sugere. As fotografias feitas a partir de pontos elevados, com uma perspetiva de 'olho de pássaro', são marcantes no seu trabalho, mas o seu olhar de nível, mostra-nos, com surpresa, o deambular de um observador curioso que sempre se deixou surpreender por um inesgotável e renovado sentido do tempo e da geometria.
Um fotógrafo faz, quase sempre, um número muito mais elevado de fotografias do que aquelas que virá a expor ou editar, em diversos suportes. Nesta exposição, ao ser apresentado um conjunto significativo de imagens inéditas, mergulhamos no modo de ver e de trabalhar do fotógrafo, das suas opções, sobre aquilo que em determinados momentos foi excluído. Esta exposição toca essa singularidade da captura e do arquivo da imagem fotográfica. No decurso do tempo, cada vez que nos debruçamos sobre um leque de opções na selecção de imagens, fazemos, invariavelmente, diferentes escolhas. As fotografias são as mesmas, nós é que nos transformamos em processo contínuo. Se a materialidade de uma fotografia representa a fixação de um hiato temporal breve, a sua leitura, ou interpretação, não deixa de estar vinculada à diversidade de olhares contempladores que a tocam num dado momento histórico.
Outra particularidade do mundo da fotografia é a impressão, a partir de uma mesma matriz, de imagens em diversos formatos. Também agora podemos ver, lado a lado, imagens de variadas dimensões, que, por isso, assumem diversas significações. Não é o único na exposição, mas um exemplo notável é a fotografia da 'pedra', feita no Guincho em 1987, em que nos são apresentadas cinco diferentes impressões desta imagem enigmática. Um enorme rochedo parece flutuar sobre as ondas. Esta fotografia é uma síntese do trabalho de Gérard Castello-Lopes, do mundo que procurou e que aqui nos deixou plasmado numa única fotografia. Um enorme penedo como que se eleva do mundo subaquático, onde ele próprio fizera as primeiras fotografias. Uma reflexão sobre a imponderabilidade, sobre a ilusão do olhar que a fotografia tão bem explicita, talvez mesmo uma metáfora sobre o sentido de Portugal, a sua existência como Estado-Nação - a relação com o mar de que, ao mesmo tempo, nos queremos aproximar e fugir.
Aparições: A fotografia de Gérard Castllo-Lopes 1956-2007
Curadoria: Jorge Calado
BES, Arte & Finança, Praça Marquês de Pombal, nº 3 Lisboa

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

ilustrar (curso de fotografia)


As ilustrações destes textos, da abordagem dos conceitos em Fotografia, serão feitas com imagens da minha autoria, muitas vezes sem uma relação directa com o texto, mas que de alguma forma procurarão operar um complemento de sentido em relação à escrita. A palavra, ao abordar conceitos difíceis de definir, esquiva-se a uma ilustração objectiva. Esta é a oportunidade de trabalhar a margem dos conceitos expostos, de levar a fotografia para um território de subjectividade que afronta a ideia da sua expressão concreta. É uma forma de abrir o diálogo a diferentes interpretações e possibilidades de sentido, e uma maneira de desvincular a facilidade da leitura, de proximidade, entre texto e imagem.
Céu sobre a praia da Luz. Lagos. Faro. Agosto de 2011

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Preâmbulo (a curso de fotografia)


Em cursos lectivos regulares, em workshops sobre vários aspectos da fotografia, em palestras e conferências de diversos temas, algumas centradas sobre o meu próprio trabalho, na edição e no levantamento fotográfico do espaço português, fui sistematizando conceitos no âmbito do universo da fotografia, de que aqui irei dar conta. Este é um trabalho que não tem fim, por ser inacabado pelo seu/meu próprio desejo e por não ter um destino. De cada vez que volto ao tema, para cada convite que me é dirigido para falar sobre fotografia, revejo a forma e a base de apresentar estas reflexões, que altero constantemente com o decurso da minha própria experiência profissional. Não se trata aqui apenas de fotografia, mas, principalmente, da continuada procura de soluções criativas, documentais e de comunicação, para a representação de uma realidade humana que observo, da pele 'luminosa' de coisas e objectos, de seres comunicantes que habitam e se movem dentro dessa pele, que é feita da mais diversa natureza.

Margens do rio Ponsul. Idanha-a-Velha. Idanha-a-Nova. Castelo Branco. 2005

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Começar


Quase toda a informação que nos chega pelos meios de comunicação social, pela publicidade, com que somos constantemente bombardeados, nos empurra para um consumo desenfreado do não precisamos. Este mesmo princípio é assumido pelos decisores políticos, que, como agora vemos, levam os Estados à ruína. Por se pensar que obras materiais são desenvolvimento, eleitores votam nos seus próprios coveiros. Não. Não tenho uma solução para esta atitude massificada. Gosto de procurar um olhar distanciado, de me ausentar ocasionalmente por territórios pouco povoados, sonhar a construção de um mundo baseada numa racionalidade e emoção descontaminadas. Aprender a precisar de pouco. Encontrar a dignidade e a sabedoria humanas, num texto, num filme, numa obra de arquitectura, numa canção, numa fotografia. Com menos viver melhor. Não seguir por religiões ou ideologias políticas, mas pela edificação de um caminho próprio sem temer a solidão, sem o arrogar de tentar atrair alguém para um itinerário de risco. Que por criatividade se entenda o fazer de um percurso singular, partilhado.

domingo, 11 de setembro de 2011

Voar sobre a cidade


O dia 11 de Setembro de 2001 haveria de marcar, indelevelmente, a forma como olhamos para um avião a sobrevoar uma cidade. Um acidente causado por um atentado terrorista, alterou e condiciona a nossa percepção sobre um fragmento da realidade. O conjunto dos acontecimentos, as imagens a ele associadas, tornam-se um ícone da contemporaneidade e um momento que perdurará por muitas gerações. Tragédia que fica inscrita na história humana.
Biblioteca Nacional de Portugal. Lisboa. 2 de Março de 2009

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A onda



Portugal tem uma das mais baixas taxas de natalidade do mundo. Se agora assistirmos a uma diminuição da esperança de vida, muito devida a cortes orçamentais cegos, por parte do Governo, então estaremos perante um recuo civilizacional. Já não é a economia que entra em colapso, é a destruição de um país e da sua dignidade enquanto Nação. É a falência de uma sociedade por inteiro e o afundar de um navio em que nenhum dos sobreviventes será português.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Horizonte Portugal - Diário imaginário em dias de Verão (IX)


Sexta-feira, 5 de Agosto
Crepúsculo diário
Mata do Fontelo. Viseu. 2011

Várias vezes termino o meu dia na mata do Fontelo, em Viseu, onde vou com o meu filho mais novo. Se o meu trabalho vive num limbo de solidão, o olhar vivo e desafiador dos meus filhos impede, definitivamente, a possibilidade de me perder. Questiono-me sobre o que sou para eles, o que poderei vir a ser. Regularmente regresso ao universo de meu pai. Na minha atividade profissional não há apenas fotografias, mapas, tarefas técnicas. Ocasionalmente, como agora acontece, regresso à obra poética de meu pai e trabalho no espólio por ele deixado há mais de trinta anos. É um número vasto de documentos, que vai desde poemas autógrafos, datiloscritos, provas revistas, mas também peças de vestuário, ou um fato de mergulho, e ainda um número elevado de bilhetes de ingresso em espetáculos, cinemas, jardins, títulos de transporte para diferentes destinos. É sobre este rasto documental que fixo o olhar e construo o meu próprio ser, que me interrogo sobre o passar do tempo. Sobre um turbilhão aparentemente desconexo de ideias, reflexões e vivências, tento definir um fio condutor e um universo de sentido, sobre o qual elaboro projectos de expressão. São dias contínuos de permanente construção, de aproximação e fuga a conceitos esquivos, que surgem como uma névoa que, num tempo breve, oculta o acessório e expõe o essencial. Este é o registo dos meus passos que se sucedem na amenização de um confronto desideologizado, sem Deus, de fascínio pelo puro caminhar, numa diversão de pensamento e de viagens imaginárias, a par de um desejo de comunicação, de partilha de tão grandes singularidades que encontro nos lugares, nos objectos que posso fotografar ou descrever, que a luz descobre e a escuridão revela.
(Este é o último texto deste diário imaginário em torno do Horizonte Portugal. Estas palavras foram publicadas no Jornal de Letras nº1066, de 10 a 23 de Agosto de 2011)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Horizonte Portugal - Diário imaginário em dias de Verão (VIII)


Sexta-feira, 5 de Agosto

As fotografias que procuro são o rosto desse caminhar, a descodificação humana de uma paisagem em que, muitas vezes, é difícil objectivar o porquê de um registo fotográfico. Gostava de me ir aproximando de uma fotografia cada vez mais despojada, que não seduzisse pelas 'artes da composição' ou pela excentricidade da luz, mas pela olhar contínuo e não fragmentário de uma realidade que nos dá sentido, que nos mergulha na palavra e no pensamento. Como num trabalho que luta contra a entropia, quero que as fotografias transmitam uma ideia de rigor, na escolha de um ângulo de captura da imagem, mas também no despojamento de artifícios visuais. Procuro aproximar-me de um 'frio' documentalismo, aquele que nos poderá dar a máxima informação sobre os lugares e a mínima sobre mim próprio.

domingo, 4 de setembro de 2011

Horizonte Portugal - Diário imaginário em dias de Verão (VII)


Quinta-feira, 4 de Agosto de 2011
Noite em trabalho de campo, para o projecto Território em Espera. 2005

A morosidade e monotonia de algumas tarefas é o ângulo mais agudo deste e de outros trabalhos que desenvolvo e com os quais estabeleço uma luta contínua para não desistir. São tarefas por mim criadas sempre com um objectivo de otimização. São metodologias desenvolvidas não num 'orgulhosamente só', mas, na maior parte dos casos, num 'inevitavelmente só', num jogo que é um ensaio de trabalho, mas também de vida, de autodeterminação com as implicações e o risco de uma liberdade ousada. A 'crise' que vivemos é, porventura, aquela em que quase sempre vivi. Aqui sei não estar sozinho. Nas indústrias culturais e criativas, em Portugal, à margem de discursos políticos de conveniência, habitamos um tempo arcaico em que, constantemente, temos de inventar o que fazer, para que a energia dispensada no trabalho, se traduza numa remuneração justa que permita a sobrevivência quotidiana. Um processo lento e demorado, de futuro permanentemente incerto. Construção contínua, este é um estranho desígnio de vida em que encontro algumas semelhanças com aquele que terá sido o caminhar humano numa altura em que se dá a ocupação de toda a superfície planetária pela espécie Homo Sapiens, há cerca de dez, doze mil anos. O despoletar de uma inteligência humana, associada a um quadro de desenvolvimento complexo, ainda difícil de compreender, terá motivado a expansão de uma espécie como antes não acontecera. Talvez a procura de novas paisagens, novos lugares para habitar, tenha sido um dos motivos para este movimento singular que, mais tarde, irá levar o Homem à criação do seu próprio território e à construção das cidades infinitas.

sábado, 3 de setembro de 2011

Horizonte Portugal - Diário imaginário em dias de Verão (VI)


Quarta-feira, 3 de Agosto de 2011

Mas as tarefas são muitas vezes árduas e morosas. A escolha de uma selecção base de três mil e duzentos lugares, número a que cheguei ao percorrer todo o meu arquivo fotográfico, leva uns meses longos. A redução deste número e o trabalho de uma hierarquização sumária das unidades de património, bem como a forma como estas podem ser expostas na Internet, são outros fazeres absolutamente necessários. A própria implantação dos lugares em cartografia e a determinação da coordenadas geográficas UTM (Universal Transverse Mercator), obriga a horas intermináveis de trabalho. São meses que muitas vezes representam uma viagem pelos mapas, que sugerem novos lugares e novas abordagens a todo o projecto. Habito este dinamismo permanente.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Horizonte Portugal - Diário imaginário em dias de Verão (V)


Terça-feira, 2 de Agosto de 2011
Fim da tarde
Pendilhe (prox.). Vila Nova de Paiva. Viseu. 20 de Maio de 2004

Talvez como antologiar poemas de um poeta maior, a selecção de lugares de um território vasto é uma tarefa fascinante mas inquietante, não tanto pelo que contém, mas pelo que tem de se excluir. Há uma escolha básica que reúne os principais monumentos, espaços urbanos das maiores urbes e os parques e reservas naturais. Mas a realidade é muitas vezes feita do detalhe que pode passar despercebido a um olhar menos atento. Juntar numa mesma abordagem diferentes tipologias de património, sem que aparentemente tenham algo em comum, pode revelar quadros insuspeitos que estimulam o conhecimento e o desenvolvimento de linhas de intervenção de natureza diversa, que antes não seriam imaginadas. O detalhe de uma paisagem ou a rua de uma cidade, podem revelar a singularidade de um gesto inovador, algo de profundo da vida humana, dos sonhos e ambições de alguém. No olhar e nas construções humanas está plasmada uma luta intemporal de procura de um mundo melhor, que reproduz aspectos da própria lógica da vida e dos princípios evolutivos das espécies biológicas. Horizonte Portugal quer trabalhar na ideia de pôr todo um país em relação e que o conhecimento do espaço e dos lugares extrapole a dimensão local e regional e se estenda a todo o território português, para o estímulo de um desenvolvimento social e cultural dos cidadãos e comunidades.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Horizonte Portugal - Diário imaginário em dias de Verão (IV)


Terça-feira, 2 de Agosto de 2011
Manhã
Calvão. Chaves. Vila Real. 30 de Julho de 2001

Seria fastidioso aqui enumerar as tarefas que levam à elaboração de um projecto desta natureza e ao posterior desenvolvimento do trabalho. Finda a primeira fase de Horizonte Portugal, trabalho na segunda de três fases, em que a última será uma tentativa de colocar na página 'todos' os lugares de Portugal, organizados numa base de dados. Todos os espaços de que alguém se lembre de pesquisar uma fotografia que os represente. A segunda fase, em que actualmente laboro, que me toma estes dias quentes de Verão, é talvez o maior desafio desta iniciativa: uma selecção de lugares, que neste momento se encontra aberta, mas que deverá contribuir para uma visão renovada do que é a complexidade das formas de povoamento em Portugal e o modo como se articulam com as paisagens que lhes deram origem.