quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Arte, poesia

[Fogo 39] A arte e a poesia são modo de viver. Nos tempos atuais, e provavelmente num futuro longo, não o vamos poder afirmar em voz alta. O pensamento dominante, de cariz fortemente economicista, não o permite. Mantenhamos secreta a intuição de que a arte e a poesia nos transportam à sabedoria da vida, a um modo particular de entender tudo o que não faz sentido, mas que traz consigo uma enorme sedução. Caminhar. Caminhar. (Este é o último apontamento relativo ao vulcão do Fogo)


segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Não encontrar, encontrar

[Fogo 38] A felicidade, tão difícil de definir, e a liberdade, liberdade, também, de poder explorar as intuições fundas. São estes, talvez, os aspetos mais fundamentais de um trabalho criativo, ou documental, em fotografia (não pode aqui ser feita uma distinção entre fotografia documental e criativa, pois ambas integram uma mesma cosmogonia do ser). Não partir à procura do que se quer encontrar, não procurar o que conhecemos, mas viajar em liberdade, disponível para o encontro com a diversidade significante dos seres e das coisas. A essência dos trabalhos em fotografia de paisagem é a disponibilidade para encontrar coisas novas, misturar vivências com a realidade que se vai observando, imaginar, depois, objetos criativos, objetos de comunicação. Ainda que, por vezes, se parta com um objetivo determinado, a realidade quase sempre nos inflete os passos em direções antes não imaginadas. Vamos estar disponíveis para aquilo que não contamos encontrar.


domingo, 25 de janeiro de 2015

Imagem continuada

[Fogo 37] Procurar, não a imagem fixa, a obra de arte, mas a imagem continuada, uma sucessão de imagens, aparentemente infinita, que nos transporte para uma outra condição de vivência da realidade. Este é. aqui, o principal fascínio do trabalho de campo, do diálogo com o mundo visível, e, mais tarde, com os objetos de comunicação, livros, exposições, participações na internet, em vários formatos.


sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Tudo fotografável

[Fogo 36] Há um momento em que tudo parece ser fotografável e é-o, de facto. Infinito fratal fotografável. Quando tudo, aparentemente pode ser fotografável com qualidade significante. Entramos então numa vertigem de perda, de um certo descontrolo, com a bem presente incapacidade de chegar a todos os pontos, de fazer todas as fotografias. Ao assumir leituras intuitivas, muito específicas, pessoais, entramos numa dimensão de enorme relatividade, como que perante a bifurcação de caminhos, em que alguma das opções nos leva à ausência de sentido, à perda de referencial fixo, ao movimento cósmico.


quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Invenções de lugar

[Fogo 35] As fotografias podem não ser quadros para pôr na parede, nem retratos de memória, mas invenções de lugar. Motor de movimento, energia transformada, compreensão do espaço e do olhar humanos. Intensidade.


quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Portugal no Fogo

[Fogo 34] As viagens em Portugal são o poder partir a qualquer momento, necessitando apenas de pouco, do material de campo e alguns alimentos. Não preciso de passaporte, de vistos, de aviões, de complexas logísticas de hotéis, de comunicar numa língua estranha. Nada. Apenas partir em silêncio.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

De fora

[Fogo 33] Fora dos circuitos do turismo vivia um imenso sentido de liberdade. De alguma forma a viagem era essa liberdade e independência. Era o depender de pouco e mover-se no sentido do espaço e do tempo, na interpretação de um modo de ser humano, na possibilidade de ir ao encontro de uma qualquer essência da vida, não temendo o enorme vazio envolvente.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Partilhar o tudo e o nada

[Fogo 32] O que procuramos? Não há nada definido, seguimos fascínios, intuições individuais, ansiamos por comunicar, partilhar o assombro de raros encontros, com pessoas, objetos, situações, lugares, ou a ausência de tudo ao mesmo tempo.



sábado, 17 de janeiro de 2015

Rede de lugares

[Fogo 31] Na ilha do Fogo existe uma quantidade muito grande de lugares que não está minimamente divulgada. Como quase sempre em Portugal, não há uma rede para o conhecimento e divulgação das paisagens e dos lugares mais notáveis, por forma a que quem os visite divulgue uma mensagem e queira voltar. Ligar os locais em rede, uma rede quase inesgotável de possibilidades que estimule o regresso, mas também a própria curiosidade individual.



sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Fotografias-palavra

[Fogo 30] As fotografias desagoam, aqui, na palavra, não deixando, no entanto de elas próprias estarem em permanente evolução enquanto linguagem. Mas é a palavra que nos transporta ao conceito que melhor exprime o pensamento.


quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Puzzle

[Fogo 29] O que pode definir um conjunto vasto de fotografias, que não seja apenas a linguagem do seu criador? Há um puzzle indeterminado que se vai construindo mas que não sabemos se algum dia dará uma imagem una e coerente. A imagem procurada. Uma síntese qualquer para a pacificação da consciência, que será sempre um diálogo com a morte. Definimos, com as fotografias, um lugar e um tempo humanos.


quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Território de fotografias

[Fogo 28] Na sua tentativa de apreensão do tempo e da memória, as fotografias criam um território de conhecimento vasto. Um trabalho continuado em fotografia mostra-nos isso: caminhos divergentes de pensamento e a transformação da mensagem ao longo do tempo. As palavras e as coisas adquirem a dimensão, quase, de seres biológicos, pois apresentam características evolutivas. Palavras e coisas, face ao pensamento humano, são forças dinâmicas que confirmam a perene mudança, alteração de tudo ao longo do tempo.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Barreira

[Fogo 27] Parece haver uma barreira à expressão do pensamento, algo que nos impede de ir mais longe no conhecimento das coisas e dos seres. Onde nos poderá levar esse conhecimento? A que utopia nos transportará? Estas fotografias, o seu processo, é, um pouco, o retrato desse caminhar. Talvez se pretenda, em ultima instância, apenas expor o percurso, não o que dele resulta.




domingo, 11 de janeiro de 2015

Um pouco cansado

[Fogo 26] “Já estou um pouco cansado. Tenho feito uma média de dez a doze horas de caminhada com subidas bastante íngremes, como foi a 'conquista' do grande vulcão. Já tenho o trabalho concluído, em termos de recolha fotográfica. Acho que já trepei a quase todos os vulcões. Passo os dias sozinho, a caminhar, caminhar. De vez em quando vejo turistas, sempre com um guia local. Confesso que não me sinto mesmo turista, enfim, conheces-me bem... Acho que estou a conseguir chegar a todo lado que quero. Ontem estive no interior da última cratera a ser formada aqui na ilha, em 1995. Foi muito interessante, tudo ainda muito 'fresco'. Isto é um mundo fabuloso.” (fragmentos de mensagens 11/11)




sábado, 10 de janeiro de 2015

Subir e descer, voltar a subir

[Fogo 25] “O Pico do Fogo, com 2829 metros de altitude, é o ponto mais alto da África Ocidental, ao qual trepei, sozinho, na segunda-feira. Hoje, quando olho para o grande vulcão, penso que a minha subida foi um ato de loucura. Não em termos de segurança, sempre achei tudo perfeitamente seguro, mas pelo local onde subi que, percebi mais tarde, era a descida. Tratava-se de uma pendente de cinzas. Foi como subir uma duna com 500 metros de altura e uma inclinação de cerca de 45º. Cada passo que dava parecia ficar no mesmo sítio, e não conseguia dar mais de trinta passos seguidos, tendo que parar para descansar. Acabei a subida a ‘quatro patas’ já todo a tremer pelo esforço, mas recuperei muito depressa. Foi um esforço brutal mas muito compensador. Depois de mim chegaram dois casais com os respetivos guias. Acho que os guias não gostam muito de ver pessoas a subirem sem eles. Os guias levam as pessoas para um local que nem sequer é o mais interessante. Ficam ali sem se 'poderem' mexer. Depois os guias querem ter um look de montanhistas, com os característicos óculos de sol, um barrete na cabeça e umas roupagens a condizer. O clima é bastante quente. Eu, não só fui para o ponto mais interessante, seguro e acessível, como depois desci ao interior da cratera, coisa que os guias não fazem, creio eu, pois é mais um esforço suplementar e um nível de insegurança acrescido. A cratera tem uma profundidade de 200 metros abaixo do ponto onde se chega e é uma paisagem lunar absolutamente fabulosa.” (fragmentos de mensagens 10/11)





sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

O caminho e o vento

[Fogo 24] “É, isto tem sido uma viagem bastante disruptiva e muito gratificante. Subir aos vulcões é irresistível, mas bastante cansativo. Dos topos colhem-se vistas muito boas. De qualquer forma só o Pico do Fogo é que é um desafio mais duro, os outros, bem mais pequenos, são acessíveis. Apenas precisamos de ver bem onde pomos os pés e ter cuidado com o vento, que por vezes sopra forte, por causa do equilíbrio. A evitar de todo é mesmo o atravessamento de escoadas de lava solidificada, as rochas são quase sempre extremamente pontiagudas. Mas não arrisco praticamente nada, penso sempre que é bem mais arriscado atravessar uma rua em Lisboa de que andar por estes sítios.” (fragmentos de mensagens 9/11)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Escoada

[Fogo 23] “Hoje, mais uma vez, tive em sítios verdadeiramente incríveis. Um deles foi uma enorme escoada de lava, como o leito de um rio seco com uma acentuada pendente. Paredes de pedra, lavas solidificadas relativamente recentes. Subi a dois vulcões que me faltavam; vistas muito grandiosas, mas a requerem cuidados de equilíbrio, pois o vento estava forte.” (fragmentos de mensagens 8/11)



quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O fim da memória

[Fogo 22] “Mais um dia passou. Hoje estou mesmo exausto. Ainda não são 17h e estou a descansar um pouco. Parei mais cedo porque já quase não tenho espaço de memória para fotografias. Estou a usar o último, que tirei do telemóvel, onde tinha músicas. Vou deixar cerca de 120 para o dia de amanhã, para a volta pela ilha com o Sebastião Cabral, amigo do José Luís Tavares.” (fragmentos de mensagens 7/11)




terça-feira, 6 de janeiro de 2015

24 horas depois

[Cesariny 08] Agora deparava-me com uma outra dimensão. Decorridas vinte e quatro horas sobre a minha primeira visita, tudo, naquele espaço, paracia ter sido modificado. Alterações provocadas apenas pelo trabalho diário e continuado de Mário Cesariny, num ofício que era a sua própria vida. Num reduzidíssimo hiato temporal, no espaço inexistente, deparava-me com a irredutibilidadede do tempo ou com aquilo que encontrara aos pés de uma figura, alta, plana, transformada, junto à porta de entrada de casa, de que agora me afastava ao descer as escadas de regresso à cidade: ‘impossível parar’. (Este é o último apontamento relativo à casa de Mário Cesariny)




segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Homilia

[Fogo 21] “A casa onde eu estou é muito modesta, mas a senhora é uma simpatia. Ficou muito feliz por eu ser português, de Lisboa, cidade que já visitou uma vez e de que gosta muito. O resto dos hóspedes são alemães, para quem eu sou o ‘young man’. Hoje dei um passeio noturno pelas ruas do lugar, em boa verdade só existe uma. Não há iluminação pública. As pessoas andam de lanterna na mão, ou sem nada, como eu. Ouvem-se alguns geradores. Assisti a um pouco de uma missa ao ar livre, dita por um brasileiro, entre o português e o crioulo, a homilia era sobre a morte.” (fragmentos de mensagens 6/11)