[Lugares livres 53] 154 sessões/dias de campo em território do município de Viseu, entre os dias 21 de fevereiro de 1996 e 8 de julho de 2023. Foram feitas mais de 116.044 fotografias (num arquivo com 2.049.976 de fotografias este é o espaço com uma maior extensão de fotografias feitas de um único local, representando 5,66% do total das fotografias em arquivo). A listagem que a seguir se dispõe representa as 154 sessões, dias de campo, que constituiu a base deste trabalho. Cada unidade contém cinco indicadores: número de ordem, data (com ano, mês e dia), os números das fotografias/ficheiros em arquivo, o número de fotografias realizadas e o lugar, ou lugares, fotografados. [Esta é a última publicação da série Lugares Livres, relativa ao livro com o mesmo título editado pelo Museu da Paisagem].
Fotografar um território vasto. Procurar em Portugal as raízes de uma identidade coletiva que se perde num tempo longo. Construir um arquivo fotográfico. Reinventar uma paisagem humana, uma ideia de arquitetura, uma cidade nova.
sábado, 21 de dezembro de 2024
quinta-feira, 19 de dezembro de 2024
Urbe fictícia
[Lugares livres 52] Como se na simulação de uma urbe fictícia encontrasse a terra, perfeita, que toda a vida procurara. Como se no fim, depois da última viagem por mínimos lugares ao redor, dentro de casa, encontrasse apenas um rosto, sereno. Nessa face, o desenho de um mapa, a decifração do Universo. No fim de todas as lutas do quotidiano, descobrir, no inexistente reflexo de um espelho, todo o sentido da ausência, enfim, a integração num fluxo cósmico. A ordem plena antes da mais indizível explosão.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2024
Hesitantes caminhos
[Lugares livres 51] Encontrar tudo o que não foi expresso por desenhos, palavras ou fotografias, a dimensão não revelada de passos hesitantes, caminhos falhados, erros transformados em arquitetura de possibilidades. A vida em imparável movimento.
quinta-feira, 5 de dezembro de 2024
Não atravessado
[Lugares livres 50] Em Liliana Velho há um movimento primordial, como se viesse de um tempo muito antigo, de uma origem, e não tivesse sido corrompido por milénios de lutas sem tréguas. Como se não tivesse atravessado o território da maior cidade. Há aqui uma alegria revigorante que nos contamina, que nos transporta. No caminho, deixar registado o espaço e o tempo da duração de uma vida inteira. Foi, é, o permanente desenho de uma casa.
Os Cardos do Meu Verão (2023), escultura de Liliana Velho, Viseu, 2023
segunda-feira, 2 de dezembro de 2024
Luta biológica intemporal
[Lugares livres 49] A arte é um lugar onde podemos chegar na interminável caminhada que herdámos dos nossos antepassados, de toda a humanidade, em fragmentos descontínuos. O belo é uma forma de inquietação gerada pela sua estranheza. Representações de uma luta, biológica, intemporal. O enigmático sentido da violência disfuncional e, simultaneamente, convite, sedução. Uma síntese do entendimento da vida, na sua indizível sofisticação, na evidência de estarmos em confronto com situações, interpretações, contraditórias, insanáveis. Procuramos um possível significado da palavra habitar. Encontramos a arte como racionalização de um combate e de uma impermanência, proposta de entendimento do Universo. Profunda utilidade, existência em ensaio de si própria. A arte é desenvolvimento e evolução antropológica. É a procura de soluções sobreviventes. A continuidade no espaço-tempo, o deixar raízes, criar memória, propor formas diferentes, tentativas de observação do futuro. É estarmos perante a construção da ordem, arquitetura, face ao imparável avanço da entropia. Talvez o caos não exista, mas apenas a incapacidade de lidar com o excesso de informação gerada pela própria vida no seu irredutível desejo de imortalidade.
Espuma dos Dias (2018), detalhe de escultura de Liliana Velho, Viseu, 2023
domingo, 1 de dezembro de 2024
Seres que emergem da terra (Escultura em cerâmica de Liliana Velho)
[Lugares livres 48] No trabalho de Liliana Velho há seres que emergem da terra, do barro moldado pelas suas mãos, como se nos revelasse do que somos feitos. Como se uma natureza misteriosa atuasse sobre si própria e nos mostrasse o reflexo límpido do que somos. Com cinco séculos depois de Vasco Fernandes, encontramos estas paisagens manuais, fabricadas, tão fascinantes quanto reais. Olhares mediados, ensaios de futuro. Aqui chegamos a um porto, de abrigo e encontro, no decurso do longo caminhar humano. Encontro entre estes dois olhares, uma cidade profundamente diferente, com todo o tempo de afastamento entre si. Arte e humanidade para ler a terra, a fuga a convenções e salto de fronteiras. Espaços livres, o equilíbrio pontual de um interminável trilho que resume todos os lugares por onde passámos, todos os rostos que fazem parte de nós. Uma nova condição de pacificação.
quinta-feira, 28 de novembro de 2024
Viagem
[Lugares livres 47] Como no início desta viagem, evocamos Grão Vasco, que nos transporta para a contemporaneidade, para a possibilidade de outros fazeres sensíveis. A sua pintura, a sua escola, é de uma extraordinária atenção aos detalhes. Um ofício desenvolvido num tempo que hoje nos é difícil de imaginar. O mundo era, no século XVI, profundamente diferente.
Detalhe de retábulo de Grão Vasco, Museu Nacional Grão Vasco, Viseu, 2021
terça-feira, 26 de novembro de 2024
Camadas de realidade
[Lugares livres 46] Partimos numa viagem breve ao redor de Viseu. Visitamos paisagens e arquiteturas singulares na constatação da diversidade de lugares próximos que podemos encontrar. Pelo desenho, pela fotografia, pela palavra, mapeamos esse espaço e encontramos algumas dimensões do tempo. Na organização da memória das viagens da vida, edificamos, paulatinamente, novas camadas de realidade. Construímos artefactos de comunicação para o conhecimento e compreensão do espaço-tempo que habitamos.
Exposição Viseu território natureza, Quinta da Cruz - Centro de Arte Contemporânea, Viseu, 2023
segunda-feira, 25 de novembro de 2024
Círculo vicioso interminável
[Lugares livres 45] Na vertigem da representação do belo, contribuir para o caos criando novas camadas de realidade. Ao produzirmos conteúdos para a interpretação do mundo, mais não fazemos do que aumentar a entropia. É um círculo vicioso interminável, como fotografar um país ao longo de décadas. Centenas de milhares de quilómetros percorridos. A representação sistemática e continuada de um espaço pela fotografia dá origem a um mapa que se afasta progressivamente do território que representa. Uma realidade espetral parece emergir de um complexo arquivo de fotografias, desenhos e palavras que edificam uma arquitetura singular. Aí percorremos as ruas de uma cidade imaginária cujos contornos configuram um lugar que conquista a sua própria verdade.
domingo, 24 de novembro de 2024
Grafia e tradução
[Lugares livres 44] As fotografias conduzem-nos a um processo de aprendizagem do olhar, da observação. Somos transportados ao conhecimento do mundo, à possibilidade de cruzarmos múltiplos saberes. Ensaiamos formas gráficas de tradução da memória e linguagem que se erguem do caminhar, das fontes, reais e ficcionadas, onde fazemos pausas na permanente viagem da vida. Mapas, quadros, diagramas. Desenhos dinâmicos a que somos levados pelo pensamento. Desejo de uma síntese clara da condição de habitar a terra, ancorada na contemporaneidade onde flui a liberdade.
sexta-feira, 22 de novembro de 2024
O que fica, depois da terra?
[Lugares livres 43] O que fica, depois da terra? Desenhamos uma exposição com as fotografias dos lugares. Imaginário volátil, o mapa possível de uma cidade nova. Este é o exercício de um território humano, liberto de convenções opressoras. Procuramos sínteses que estabeleçam uma ordem para as imagens, reais e metafóricas. Deparamo-nos com as palavras, com a dimensão poética da sua capacidade de transporte, movimento cósmico. Continuamos a abrir linhas de complexidade.
quinta-feira, 21 de novembro de 2024
Lugares antagónicos
[Lugares livres 42] Transportamos uma enorme quantidade de informação, um mundo pessoal e transmissível. Experiências de habitar lugares antagónicos, em tempos longos, décadas de errância. Deambulamos por realidades muito diferentes, entre uma natureza intacta e a mais densa cidade.
quarta-feira, 20 de novembro de 2024
Simulacro
[Lugares livres 41] A cidade, os sítios que encontro, já não são os mesmos. Há um sedutor lugar humano constituído por fragmentos, pela exploração da linguagem e pela procura de paisagens distantes. Já não podemos voltar atrás, a uma qualquer idade mítica de uma indizível dureza a que hoje já não temos acesso, mas que continua a povoar o imaginário de alguém que, da terra, não percebe o desprendimento humano e a invenção das cidades como um produto biológico, enquadrado na longa linha evolutiva da vida.
terça-feira, 19 de novembro de 2024
Cadernos-método
[Lugares livres 40] Os cadernos são a principal ferramenta metodológica deste trabalho. A mão que escreve sintonizada com o pensamento. Notações, textos, projetos, desenhos, aritmética, apontamentos para trabalhos futuros. Fixação da celeridade de uma ideia esquiva. São também a recusa de um mundo apenas digital. É a mão que escreve, que toca a textura do papel, que seleciona riscadores, canetas, pigmentos. Ensaio de desenhos, caligrafias, relação de pensamentos dispersos, sínteses de tempo e de posição face ao entendimento dos processos criativos, da arquitetura como conceito de habitar, da vida que se ergue da matéria e energia. Retrato possível de uma árvore no Universo.
segunda-feira, 18 de novembro de 2024
Exposição
[Lugares livres 39] Viseu Território Natureza foi uma exposição sobre o mapeamento fotográfico de lugares menos marcados pelo povoamento humano na área geográfica do município de Viseu. São espaços simultaneamente próximos e distantes. Próximos por lhes chegamos numa viagem breve, a partir do centro da cidade. Distantes porque parecem revelar-nos dimensões de uma Natureza intacta, primordial, cada vez mais difícil de encontrar. Nos lugares menos marcados pelo Antropoceno estabelecemos pontes com um mundo arcaico que parece guardar a sedução de um espaço de origem. Uma infância coletiva reencontrada.
Exposição Viseu território natureza, Quinta da Cruz - Centro de Arte Contemporânea, Viseu, 2023
domingo, 17 de novembro de 2024
Contradição
[Lugares livres 38] Permanecem as reminiscências de uma certa condição animal. A pobreza, a escravatura da terra, a consciência de uma imensa contradição, enclausuramento em relação a um mundo, tão diferente, que nos entra pelos olhos dentro, através, sobretudo, da televisão, novelas, noticiários que semeiam o medo, os jovens que se isolam na Internet, como que a negar o tempo e o espaço em que vivem, a cortarem as amarras com o mundo dos seus pais e mais ainda dos seus avós, é a desintegração das comunidades que os viram nascer. Este é um retrato, de algum modo, cru, mas há outras faces desta realidade. Há uma sedutora dimensão poética em tudo isto, nostálgica, poderosa, entrópica.
sábado, 16 de novembro de 2024
O futuro continua
[Lugares livres 37] O turismo é uma realidade evidente e os lugares que não são por si objeto de interesse, assumem-se na continuidade de um lento processo de constante mudança. Há uma derrota que representa a mudança de sistema económico. O futuro continuará a ser rigorosamente imprevisível, mas a geração, da pobreza e da subsistência remediada, está a desaparecer. Altera-se o valor económico da posse e do trabalho na terra. Os campos abandonados são uma imagem dessa realidade.
sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Perversidade
[Lugares livres 36] A agricultura era um polo agregador de toda uma dinâmica social para a qual olhamos, muitas vezes com saudade, mas que não deixava de conter no seu seio perversidades e jogos de poder muito desiguais. Todos os tempos têm as suas contradições e estas tendem a agudizar-se com a complexificação das sociedades e dos espaços que elas desenvolvem. Com o declínio agrícola, observamos o fim do sentido de uma arquitetura popular, imagem de pobreza e fome, mas que, contraditoriamente, deu origem a paisagens humanas equilibradas. Foi como se tivéssemos atingido um ponto de equilíbrio, antes de nos precipitarmos na desordem.
quinta-feira, 14 de novembro de 2024
Desarranjo
[Lugares livres 35] Mas talvez o facto da cidade de Viseu ser bem estruturada faça acentuar o contraste em relação às aldeias envolventes onde, em muitos casos reina um certo desarranjo, ou a desfragmentação espacial. Creio que nunca foi tão evidente um progressivo abandono das terras, dos campos, ao mesmo tempo que a cidade não pára de crescer, mesmo que esse crescimento tenha desacelerado, em tempos recentes, devido à crise económica duradoura que continuamos a viver.
quarta-feira, 13 de novembro de 2024
Ordem urbana
[Lugares livres 34] Na tentativa de uma síntese sobre o que pode ser esta cidade e o seu território, deparamo-nos com uma singularidade fundamental: a cidade de Viseu é das mais bem estruturadas, em termos da sua malha urbana e sistema viário, de todo o país. Para este facto, contribui uma topografia sem declives muito acentuados e a ausência de um grande rio que, inevitavelmente, cria uma descontinuidade na malha urbana, presente nas maiores cidades portuguesas. Mas há outras cidades com condições semelhantes a Viseu que não conseguiram, ao longo do tempo, manter um urbanismo qualificado. Também poderíamos apontar fatores como uma relativamente fraca pressão demográfica para um desenvolvimento urbano 'ordeiro', mas, mais uma vez, outras cidades há com as mesmas condições.
terça-feira, 12 de novembro de 2024
Figurações
[Lugares livres 33] As pessoas, figurações humanas, pouco aparecem nestas imagens. As marcas deixadas na terra, ao longo de muitas gerações, são a expressão profunda do seu, nosso, mundo. As populações são quem edifica as paisagens, quem constrói o mundo em que vivemos. Quando visitamos e fotografamos uma aldeia somos, por vezes, recebidos com desconfiança, mais raramente, com alguma agressividade. Há a suspeita pontual de que uma recolha fotográfica pode não ser feita pelos melhores motivos. Há a noção de intrusão num quotidiano rural onde poucas descontinuidades acontecem ao longo do ano. É muito provável que nunca ninguém tenha fotografado o espaço de muitas aldeias, pelo menos alguém vindo de fora, sem aviso prévio, sozinho. Para quem fotografa não pode deixar de, também, pressentir uma certa devassa. É certo que o espaço é público e de livre acesso, mas não deixa de ser verdade que em pequenas comunidades, uma certa intimidade não fica apenas dentro de casa e estende-se pelo espaço circundante à habitação, muitas vezes pelos campos fora. As fotografias ganham essa dimensão de proximidade a algo que vulgarmente não vemos. É o sentido do humano no seu despojamento.
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
A caixa
[Lugares livres 32] Ficou a noção de que muito mais haveria para fotografar mas também que se fotografou muito mais do que, em cada momento, estava inicialmente previsto. A terra tem este fascínio de que quanto mais nos detivermos na sua contemplação, mais detalhes se vão revelando. Abrimos uma Caixa de Pandora. O entendimento dos gestos dos povoadores primevos, o conhecimento da geologia, das ciências da vida, por básico que seja, abre-nos as portas do sobressalto, da inquietação, das pontas de um universo interminável cujo apelo é difícil resistir. Difícil é, também, tomar certas decisões, optar por um trilho em detrimento de outro. Em cada bifurcação há a inevitabilidade de perdas.
domingo, 10 de novembro de 2024
Memória (Arquivo)
[Lugares livres 31] Este trabalho não partiu de uma análise histórica ou geográfica de Viseu, não partiu do desejo de fotografar os principais elementos patrimoniais da cidade e do concelho. Não se quis, de alguma forma, repetir abordagens mais convencionais. Não se procurou o belo-óbvio. Foram sinalizadas todas as povoações do concelho em cartografia. Havia um conhecimento prévio do território de Viseu, decorrente de anteriores trabalhos, mas não se quis partir para o terreno com uma lista de edifícios a fotografar. Sem dúvida alguma que é fundamental o conhecimento de uma bibliografia base sobre o concelho, mas há um entendimento que é quase sempre esquecido. É a perceção de que a terra é uma fonte “documental” de uma riqueza ilimitada. Há hoje uma tendência para procurar o conhecimento nos livros e em documentos, sobretudo escritos. O contacto com a terra é desconfortável, é muitas vezes duro, moroso, exige disponibilidade, esforço físico. Mas é também uma forma de nos construir, de nos “prender”, agarrar, a um tempo arcaico que vamos pressentindo ser o sentido da nossa existência como espécie, como comunidade evolutiva. Na terra está desenhado todo o nosso passado nos seus traços mais essenciais. Há muitos dados que não nos são acessíveis apenas pela leitura das paisagens, outros que apenas se tornam visíveis pelo demorado olhar que sobre eles repousamos.
sábado, 9 de novembro de 2024
Início de caminho
[Lugares livres 30] No Caramulo, estava a conhecer, a percorrer pela primeira vez, um país imenso. Em Montemuro cruzara-me com um rebanho transumante, que viera da serra da Estrela três meses antes, numa viagem em busca dos pastos de altitude, onde a humidade permanece, resiste aos mais quentes estios. O Douro é um rio imenso feito de água e vinho, de tragédias e intermináveis lutas, a expressão de uma geografia dura que pontualmente se manifesta num caudal avassalador e destrutivo, a fúria a caminho do imenso oceano, no fim da terra, ou o apontar para mais longínquas viagens. Na Estrela, numa viagem ocasional com amigos de uma juventude vital, encontrei o frio imenso, ou os limites claros das possibilidades de habitação dos lugares. Mas foi também o fascínio do branco que desce dos céus, povoa a terra, que vislumbrei o enunciar da arte como diferença de humanidade na interpretação de possibilidades de sobrevivência. Desta montanha nevada descemos o rio Mondego. Passamos por Coimbra, uma cidade de memórias, prosseguimos para esse mesmo mar que encontráramos na foz do Douro, ou do Vouga, em Aveiro, que passa tão perto, a norte da cidade que agarra todos estes lugares. Viseu é uma paisagem convergente que liga geografias distantes.
sexta-feira, 8 de novembro de 2024
Mondego
[Lugares livres 29] Mas o rio Mondego é também a evocação de Coimbra, uma cidade com a qual Viseu estabeleceu sempre uma relação cúmplice, de ligação a serviços que nos remetem já, de uma forma muito evidente, para a urbanidade, para o sentimento de pertença a uma entidade nacional vasta. Uma cultura antropológica que se foi construindo ao longo de séculos que, sem se desprender, se foi progressivamente libertando da terra, no desenho muito próprio de uma afirmação de humanidade.
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
Para sul
[Lugares livres 28] Para sul, para territórios meridionais, caminhamos em direção à luz, à maior claridade das terras mais quentes. O vale do rio Mondego, que tem origem na serra da Estrela, define uma linha oblíqua e também a presença de outras serras que desenham linhas de céu bem visíveis da cidade de Viseu. O Açôr e a Lousã, juntamente com a serra da Estrela, constituem um eixo montanhoso que separa o Portugal de influência climatérica atlântica, da presença mediterrânica, a sul. Foi o geógrafo Orlando Ribeiro quem, de forma luminosa, descodificou estas duas áreas geográficas distintas, a que podemos somar um terceiro grande espaço climático, continental, que tem já as características do interior da Península Ibérica onde a presença oceânica é muito mais ténue.
quarta-feira, 6 de novembro de 2024
Perímetro montanhoso
[Lugares livres 27] Viseu ocupa uma área geográfica, relativamente plana, rodeada de montanhas. A norte ergue-se, para lá de Castro Daire, depois de atravessarmos o vale do rio Paiva, a serra de Montemuro. A partir do seu topo, a 1383 metros de altitude, pressentimos o poderoso rasgo telúrico rio Douro, que marca, que estrutura uma parte muito significativa da paisagem portuguesa. São como novos mundos que aqui, para lá destas fronteiras, têm início.
segunda-feira, 4 de novembro de 2024
Estrela
[Lugares livres 25] A serra da Estrela ocupa um lugar de destaque numa geografia simbólica de Portugal. É o ponto mais elevado de todas as serras continentais. Os seus quase 2000 metros de altitude passam uma parte do inverno cobertos de neve, como uma paisagem antiga a lembrar as últimas glaciações que assolaram estas paisagens e que nelas deixaram impressas mas marcas de rios de gelo, que nos ajudam, agora, a perceber a fisionomia da orografia contemporânea, o motivo das suas formas, dos seus rios, a estrutura do território.
domingo, 3 de novembro de 2024
Partir para
[Lugares livres 24] Estes são lugares de partida para outras viagens, para o interminável conhecimento da terra, a contínua reprodução das mais antigas migrações quando, há seis, sete dezenas de milhares de anos, a partir de África, nos expandimos pelo planeta inteiro. Terão sido vários os motivos de tão arriscado movimento. Certamente que a procura de recursos foi um dos mais relevantes, mas também a enorme curiosidade pelo conhecimento da terra incógnita.
sexta-feira, 1 de novembro de 2024
Horizonte (Paisagens distantes)
[Lugares livres 23] As paisagens distantes, com as quais estabelecemos uma relação visual ou que, de algum modo, pressentimos, que fazem parte de uma geografia íntima, mesmo que não sintamos as águas do Douro ou do Mondego. São rios distantes, fronteiras aquáticas, tal como é essa maior fronteira, o grande mar Atlântico, visível do alto da serra do Caramulo, aqui tão visível da cidade.
quinta-feira, 31 de outubro de 2024
Território inacabado
[Lugares livres 22] Como um território inacabado. Uma procura urgente de um espaço de origem, em perda, como se irremediavelmente fosse desaparecer na voragem humana pelo consumo de todos os recursos. Lugar de pacificação, encontro do que resta de uma natureza intacta, a saudade do que não vivemos, que permanecerá em nós como uma memória arcaica. Um diálogo com sítios esquecidos, uma ponte monumental para um desejado futuro em que se preservem as formas livres da natureza evolutiva que nos ergueu como espécie biológica.
quarta-feira, 30 de outubro de 2024
Metáfora urbana
[Lugares livres 21] Este é, assim, o regresso a uma outra cidade, depois de percorrido o território imenso entre o coração pétreo da urbe medieval e os lugares de natureza esquecida. O mundo metafórico, urbano, do Fontelo, uma floresta inventada, um espaço muito próximo do coração da cidade e de uma grande biodiversidade.
terça-feira, 29 de outubro de 2024
Cidade (Fontelo)
[Lugares livres 20] A Mata do Fontelo não é uma cidade com edifícios de pedra, betão, ferro, tijolo e vidro. É hoje um lugar vegetal. Foi a mata de recreio do antigo Paço Episcopal, cuja origem remonta ao ano 1149, quando o Bispo de Viseu, Dom Onório, adquire a propriedade. Dom Miguel da Silva, regressado de Roma em 1525, e depois de assumir o bispado da cidade, vai introduzir profundas reformas no jardim e na mata, conferindo-lhe o desenho que ainda hoje é reconhecível, apesar das alterações feitas naquela área com a construção de várias infra-estruturas desportivas, como o estádio municipal, as piscinas e um ginásio.
segunda-feira, 28 de outubro de 2024
Mergulho na terra
[Lugares livres 19] Um mergulho no fundo da terra, na génese deste trabalho. A fotografia como transporte. Há uma câmara que nos prende à realidade, que justifica um motivo e uma posição em cada sítio, como se fosse o próprio motor deste percurso, deste sentido de vida, a procura de um lugar que nunca se alcança. O tempo todo, a vida em jogo.
sábado, 26 de outubro de 2024
8 de julho de 2023. Paraduça, Calde
[Lugares livres 17] Há uma primeira fotografia tirada às 06h16m01s. A última imagem foi feita às 12h50m09s. Um total de 2911 fotografias. 6h34m8s de trabalho fotográfico. 394m8s. 394,133m (2911/394,133=7,39 fotografias por minuto. 23648s. 23648/2911= 8,124s entre cada fotografia. Os números são relevantes sobre a metodologia de trabalho e o entendimento de um certo modo de usar a fotografia. Muito mais do que imagens soltas, procura-se a representação do espaço e do tempo para a compreensão da vida.
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
Natureza ("Viseu território natureza")
[Lugares livres 16] Na sequência do trabalho de 2015, anteriormente referido, cujo foco tinha sido, sobretudo, o povoamento humano no concelho de Viseu, avançava agora para um olhar complementar. O objetivo era agora o de procurar de lugares pouco povoados, onde estivessem pouco presentes marcas de humanização. Já havia mapeado alguns lugares durante a pandemia de Covid, nos anos 2020 e 2021. No ano seguinte, em 2022, com o apoio de imagens de satélite e da cartografia militar na escala 1/25.000, assinalei vários pontos que poderiam ser relevantes no quadro dos objetivos a que me propunha, o registo fotográfico do que restasse de uma paisagem de natureza intacta. Tendemos a considerar a presença humana como algo estranho à paisagem. A evolução das espécies, e a evolução humana especificamente, dizem-nos que tudo é um processo ininterrupto em que as mais variadas espécies, vegetais e animais, estão em contínua adaptação a um meio ambiente em que nada é absolutamente estável. Na procura de recursos há espécies que se destacam, muitas vezes devido a fenómenos aleatórios que podem partir de uma simples mutação genética num indivíduo, que posteriormente a passa à descendência. Tudo quanto é vivo, na Terra, tem uma origem biológica e responde às leis da Física e da Química. Estas paisagens menos povoadas são como reservas de um tempo antigo em que podemos observar os elementos da natureza atuar sem uma direta interferência humana. Na voracidade do Antropoceno, são como territórios em espera.
quinta-feira, 24 de outubro de 2024
Urbanidade ("Viseu: Identificação e reconhecimento", 2015)
[Lugares livres 15] Viseu: Identificação e Reconhecimento, foi uma exposição, que se subdividiu em dois espaços distintos: o Museu Almeida Moreira e a Casa das Memórias, atualmente Museu da Cidade. São dois núcleos distintos de fotografias, de 1996 e de 2010-2016, que constituiu uma proposta de reflexão, pela imagem fotográfica, sobre a terra, sobre as construções humanas, sobre uma região que aqui tem o seu coração, sobre o tempo, sobre Portugal, também. Ao fim de 33 dias de trabalho de campo na área geográfica do município de Viseu, que decorreram entre inverno e o início do verão de 2015, foram percorridos 1.800 quilómetros, visitadas 240 povoações, 160 outros lugares isolados, todas as ruas da cidade, feitas mais de 55.000 fotografias.
Exposição "Viseu: Identificação e reconhecimento", Casa das Memórias, Viseu, 2016