domingo, 30 de setembro de 2012

Caminhar nas cumeeiras


Serra do Gerês. 2012
[Gerês 16] Caminhar pelas cumeeiras para uma leitura topológica da serra, da paisagem. A apreensão do território pela fotografia. O caminho pelos pontos mais elevados da serra mostra-nos que tudo é novo, que cada ponto de vista é único, que há um dinamismo assombroso na vivência de um movimento contínuo, na procura continuada de um lugar novo, que no fundo talvez seja apenas a renovação de nós próprios.
Serra do Gerês. 2012

sábado, 29 de setembro de 2012

Fojo do lobo

Fojo de Alcântara. Serra do Gerês. 2012
[Gerês 15] O fojo do lobo é uma das mais impressionantes construções do mundo rural, em Portugal. Se excluirmos paisagens construídas ao longo de séculos, como os vinhedos do Douro, o fojo do lobo é uma das maiores construções. Como conceito, trata-se de uma armadilha para a captura do lobo e o seu princípio construtivo é simples. Dois extensos e altos muros de pedra solta convergem para um poço com a profundidade suficiente para impedir a fuga dos animais. Estes eram conduzidos ao início do "funil" pela batida de um conjunto de homens, relativamente afastados entre si, que batiam uma extensa área da montanha. Os lobos eram depois encurralados e conduzidos ao seu destino final. Eram abatidos dentro do poço.
Fojo de Alcântara. Serra do Gerês. 2012

Fojo de Alcântara. Serra do Gerês. 2012

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Abrigo

Abrigo de Pastor. Serra do Gerês. 2012
[Gerês 14] Os abrigos de pastor e os recintos para gado, os currais, são o mais desenvolvido traço de povoamento da serra. Uma economia agrária que marca de forma acentuada o espaço, o desenho das paisagens. Muitos desses abrigos já se encontram hoje abandonados, mas permanecem alguns de utilização regular. A sua construção é quase sempre feita em falsa-cúpula: círculos concêntricos de pedras vão sendo sobrepostos com um raio cada vez mais reduzido. O conjunto é depois rematado com uma pedra de fecho e muitas vezes coberto por terra. Estas construções são das mais primitivas que hoje podemos observar em Portugal, e o seu princípio arquitetónico não seria muito diferente daquele que era utilizado nos povoados castrejos, das idades dos metais. Estas construções permanecem como uma memória viva de um tempo muito arcaico, falam-nos de um processo de apropriação do espaço e das primeiras formas de uma economia rural sedentária.
Abrigo de Pastor. Serra do Gerês. 2012

Currais. Serra do Gerês. 2012

Abrigo de Pastor, interior. Serra do Gerês. 2012

Desenhar caminhos

Serra do Gerês. 2012

[Gerês 13] Aqui não é descrito um diário de viagem, mas apenas alguns apontamentos sobre o habitar a montanha. Quando começamos a caminhar na serra, a partir de uma das suas aldeias, localizadas no sopé da montanha, há uma evidência que não tardaremos a encontrar. São as mariolas: uma ou várias pedras sobrepostas verticalmente, que indicam um caminho de pé-posto, que são os únicos que existem na serra. Estamos no último reduto de todo o Portugal, onde não se encontram estradões a varrer a montanha por heróicos condutores de todo-o-terreno, ou pelas insuportavelmente ensurdecedoras moto-quatro. As mariolas atingem por vezes mais de um metro de altura. Se em dias claros podemos, muitas vezes dispensar o seu auxílio, em situações de clima instável, com neve ou nevoeiro, elas revelam-se como um indicador absolutamente precioso, para o bom termo e a segurança de um percurso. O mais curioso nestas construções precárias e arcaicas é a eficiência do seu código, como que a simplicidade mais rudimentar de intervir na paisagem de uma forma clara, quase impercetível, como que o primeiro passo num território que se quer atravessar.
Serra do Gerês. 2012

Serra do Gerês. 2012

Serra do Gerês. 2012

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Fonte Fria

Fonte Fria. Serra do Gerês. 2012
[Gerês 12] Com 1458 metros de altitude, o pico da Fonte Fria é o segundo mais elevado da serra do Gerês. É atravessado pela linha de fronteira com Espanha e, no seu sopé, na vertente Este, uma fonte de água gelada brota do chão e nunca seca no verão. Não será pela sua altitude que os pontos rochosos criam referências de orientação para pastores e caminheiros. Muitas vezes é a forma dos afloramentos magmáticos que cria singularidades no planalto montanhoso. A Fraga do Paúl, ou a Fraga de Brazalite, são outros geomonumentos que definem relações topológicas para quem, pontualmente, habita a montanha.
Fraga do Paúl. Serra do Gerês. 2012

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Lobo

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 11] Até ao século XVII existiram ursos no Gerês. A montanha era o último reduto de uma espécie que representava os tempos arcaicos em que os humanos ainda não dominavam todo o espaço europeu. Havia ainda feras poderosas com territórios próprios onde apenas com enorme ousadia se podia penetrar. Extinto o urso permaneceu o lobo e sobre ele foram sendo construídas histórias, como se de uma terrífica fera se tratasse. Há uma mitologia popular que ainda hoje aponta o lobo como algo de nocivo que põe em risco a vida das populações e dos seus animais domésticos, sustentáculo da economia rural. Quando se pernoita na solidão densa da montanha, não podemos deixar de pensar que estamos à mercê do ataque de uma alcateia esfomeada. No entanto não há registo de ataques de lobos a seres humanos, na região, há muitas décadas. O lobo está lá, geralmente organizado em pequenas alcateias, é extremamente difícil de observar, pois quando pressente humanos por perto de imediato se põe em fuga.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Cosmos

Serra do Greês. 2012
[Gerês 10] O Sol desaparece no horizonte. Estendo um pequeno colchão insuflável num caminho entre a vegetação rasa, depois dois sacos-cama, um dentro do outro. Não estou longe da Fraga do Paúl, muito próximo da linha de fronteira com Espanha. Cai a noite e a temperatura desce progressivamente. Estou longe da civilização sem a possibilidade de nela me abrigar da escuridão. A paisagem agreste, diurna, dá lugar a uma imensidão de estrelas. Repouso horizontal num solo interminável. Resumo em pensamento o dia passado e alguns fragmentos dispersos e aleatórios de uma existência mais recuada, de uma condição de ser humano. Juntos na solidão do Cosmos.

domingo, 23 de setembro de 2012

São João

Acesso à capela de São João. Pitões das Júnias. 2012
[Gerês 9] A capela de São João é construída no topo de um enorme afloramento granítico de uma notável homogeneidade, particularmente quando observado de norte. É, talvez, das mais isoladas capelas de Portugal, por estar já implantada no mar da penedia agreste do Gerês. É aqui que encontramos um dos seus aspetos mais interessantes. A capela parece querer ser uma afirmação de humanidade num território hostil, marcado por uma paisagem que torna quase impossível a fixação de comunidades humanas. Pitões das Júnias não está longe, mas está a uma cota um pouco mais baixa e rodeada de campos agrícolas e de pastagens. A aldeia parece estar situada no limite da terra habitável. São João é aqui uma tímida conquista onde a população se dirige anualmente em dia de romaria.
Capela de São João. Pitões das Júnias. 2012
Capela de São João, ao fundo, no contexto da serra. Pitões das Júnias. 2012

sábado, 22 de setembro de 2012

A sala dos penedos

Ribeira do Campesinho. Pitões das Júnias. 2012
[Gerês 8] Não tanto pelo aspeto da queda d'água, que no verão não é mais do que um reduzido fio de água, mas por um conjunto de penedos que se encontram na sua base, a cascata de Pitões marcou, há mais de vinte anos, a minha forma de olhar a paisagem. É a continuidade ininterrupta de um caminhar que vai descobrindo o espanto sempre renovado dos lugares.  Esta diversidade, de alguma forma oculta, é a maior singularidade do espaço hoje Portugal. O acesso a este lugar é feito subindo o ribeiro do Campesinho, numa sucessão de patamares ladeados por uma densa floresta de carvalhos. Depois chegamos a esse "depósito" de pedregulhos, como uma sala, que encerra ambiguamente qualquer coisa de misterioso, qualquer coisa de destruição como que provocada uma batalha passada, imemorial, entre elementos poderosos e inomináveis. É a luta de espaço e tempo, da sucessiva transformação da matéria, a síntese da génese de um planeta que é moldado por um diálogo de erosão.
Ribeira do Campesinho. Pitões das Júnias. 2012
Penedos da Cascata de Pitões. Pitões das Júnias. 2012

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Leiranco

Serra do Leiranco. 2012
[Gerês 7] Vai longa a aproximação à serra do Gerês, mas antes de iniciar o percurso em Pitões das Júnias, faço um breve desvio na estrada que liga Chaves a Montalegre, para subir à serra do Leiranco. Trata-se de uma elevação sem uma estrutura montanhosa complexa, que tem o seu ponto mais elevado a de altitude 1155 metros. É um miradouro bastante impressivo sobre a Veiga de Chaves, para Este e a serra do Larouco, para Norte.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Chaves

Placa giratória. Estação de Chaves. Linha do Corgo. 2012
[Gerês 6] Abandono a Linha do Corgo na sua estação terminal, em Chaves. Os edifícios mais significativos da antiga estação foram preservados, mas quem ali chegar vindo de uma cultura distante, talvez tenha dificuldade em identificar a memória ferroviária. Tudo foi profundamente alterado como que a limpar a face de um tempo antigo, de uma velocidade lenta.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Tâmega, na Linha do Corgo

Estação de Tâmega. Linha do Corgo. 2012
[Gerês 5] Deverá haver outras situações, mas nunca me tinha confrontado com algo semelhante. Na aproximação da Linha do Corgo à estação de Tâmega, deparo-me com um portão de ferro e um aviso para ter cuidado com o cão. A estação era propriedade particular. Um itinerário de quase 100 quilómetros, muitos dos quais já convertidos, ou em vias de conversão, em ciclovia, era ali interrompido. Na altura conheci um familiar do dono da estação que me convidou a entrar para conhecer o espaço. Era de uma extrema simpatia. O proprietário da antiga estação era um empresário português, já com alguma idade, a viver nos Estados Unidos da América há várias décadas.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Castelo de Aguiar

Castelo de Aguiar. 2012
[Gerês 4] Uma pausa, um curto desvio no percurso ferroviário, para visitar, revistar, o Castelo de Aguiar, onde podemos observar uma das implantações mais singulares de todos os castelos portugueses. O acesso era, no passado, desde a edificação da fortaleza, feito de forma apertada entre penedos ciclópicos, caminho entretanto desvirtuado pela construção de passadiços metálicos, destinados a permitir uma acessibilidade facilitada ao topo do castelo. A leitura que se tinha dos panos de muralha e da forma como estes se articulavam com os enormes rochedos, foi sacrificada ao acesso facilitado. Não o defenderia para todas as situações, mas há espaços que ficam claramente a perder com algumas intervenções que querem tornar acessível aquilo que nunca foi, e melhor seria que se mantivesse na qualidade raríssima e singular do seu desenho original. Uma das mais impressionantes características de vários espaços intervencionados em diferentes paisagens de Portugal, ao longo de milénios, é, justamente, a forma engenhosa como a obra humana se enquadra no espaço natural, no lugar primordial. Existem soluções espaciais de uma extrema qualidade, tanto de natureza popular como de feição erudita, um pouco por todo o território português.
Castelo de Aguiar. 2012

Castelo de Aguiar. 2012

Castelo de Aguiar.1990

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Linha do Corgo

Linha do Corgo. Ponte sobre o rio Tenha. 2012
[Gerês 3] A Linha do Corgo, com uma extensão de 96,35 quilómetros, enquadrava-se na rede de acessibilidades ferroviárias ao norte de Portugal, particularmente ao Nordeste Transmontano, como sejam as linhas do Tua e do Sabor, todas atualmente desativadas. Esta linha, cuja construção decorreu entre 1903 e 1921, tinha início na estacão da Régua, na Linha do Douro, avançava para nascente até ao atravessamento da ponte metálica sobre o rio Corgo, para depois entrar nesse vale e acompanhá-lo ao longo de varias dezenas de quilómetros. Depois de Vila Pouca de Aguiar o traçado ferroviário passa para a bacia hidrográfica do Tâmega e irá acompanhar as margens deste rio na aproximação a Chaves, estação terminal.
Linha do Corgo. Vila Real. 2012



Linha do Corgo. Loivos, prox.. 2012


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Movimento em dois tempos

Cabeço de Calcedónia. Serra do Gerês 2012
[Gerês 2] Este conjunto de viagens ao Gerês, quatro na sua totalidade, foram realizadas em dois tempos. No primeiro tempo, iniciado no dia 5 de agosto de 2012, foram efectuadas três viagens independentes e terminaram no dia 11 do mesmo mês. A primeira deslocação foi feita na área de Pitões das Júnias e Fonte Fria; a segunda entre a aldeia de Xertelo e o Alto da Nevosa e a última deslocação teve como ponto de partida Covide e como destino o Cabeço de Calcedónia. Foram realizadas em regime solitário. O segundo tempo, de uma única viagem, foi feito na companhia do meu filho mais velho, teve inicio no dia 21 e terminou quatro dias depois, no dia 24 de agosto, em torno da área mais central da serra, Alto do Borrageiro, Rocalva, Prados da Messe. Mas O começo da viagem teve como ponto de partida um percurso pela linha do Corgo, uma linha ferroviária desativada há 22 anos, que ligava Peso da Régua, no Douro, a Chaves, já perto da fronteira com Espanha.

domingo, 2 de setembro de 2012

Depois do Côa, caminho do norte

Serra do Gerês. Agosto 2012

[Gerês 1] Na sequência da viagem ao Côa, e dos apontamentos que aqui fui deixando, fiz, posteriormente, um conjunto de vários itinerários pela serra do Gerês. Em breve iniciarei a publicação de textos e fotografias sobre essas viagens realizadas em diversos tempos. Estes movimentos acabam por ser um regresso a vários locais onde já tinha estado há mais de vinte anos. Agora percorri algumas paisagens com muito maior minúcia e o resultado foi surpreendente. No Gerês estamos nos mais isolados, e talvez desconhecidos, lugares de Portugal. Esse facto suscita algumas reflexões.