quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Viagem

[Lugares livres 47] Como no início desta viagem, evocamos Grão Vasco, que nos transporta para a contemporaneidade, para a possibilidade de outros fazeres sensíveis. A sua pintura, a sua escola, é de uma extraordinária atenção aos detalhes. Um ofício desenvolvido num tempo que hoje nos é difícil de imaginar. O mundo era, no século XVI, profundamente diferente.

Detalhe de retábulo de Grão Vasco, Museu Nacional Grão Vasco, Viseu, 2021

 

terça-feira, 26 de novembro de 2024

Camadas de realidade

[Lugares livres 46] Partimos numa viagem breve ao redor de Viseu. Visitamos paisagens e arquiteturas singulares na constatação da diversidade de lugares próximos que podemos encontrar. Pelo desenho, pela fotografia, pela palavra, mapeamos esse espaço e encontramos algumas dimensões do tempo. Na organização da memória das viagens da vida, edificamos, paulatinamente, novas camadas de realidade. Construímos artefactos de comunicação para o conhecimento e compreensão do espaço-tempo que habitamos.

Exposição Viseu território natureza, Quinta da Cruz - Centro de Arte Contemporânea, Viseu, 2023

 

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Círculo vicioso interminável

[Lugares livres 45] Na vertigem da representação do belo, contribuir para o caos criando novas camadas de realidade. Ao produzirmos conteúdos para a interpretação do mundo, mais não fazemos do que aumentar a entropia. É um círculo vicioso interminável, como fotografar um país ao longo de décadas. Centenas de milhares de quilómetros percorridos. A representação sistemática e continuada de um espaço pela fotografia dá origem a um mapa que se afasta progressivamente do território que representa. Uma realidade espetral parece emergir de um complexo arquivo de fotografias, desenhos e palavras que edificam uma arquitetura singular. Aí percorremos as ruas de uma cidade imaginária cujos contornos configuram um lugar que conquista a sua própria verdade.

Viseu, 2023


 

domingo, 24 de novembro de 2024

Grafia e tradução

[Lugares livres 44] As fotografias conduzem-nos a um processo de aprendizagem do olhar, da observação. Somos transportados ao conhecimento do mundo, à possibilidade de cruzarmos múltiplos saberes. Ensaiamos formas gráficas de tradução da memória e linguagem que se erguem do caminhar, das fontes, reais e ficcionadas, onde fazemos pausas na permanente viagem da vida. Mapas, quadros, diagramas. Desenhos dinâmicos a que somos levados pelo pensamento. Desejo de uma síntese clara da condição de habitar a terra, ancorada na contemporaneidade onde flui a liberdade.

Viseu, 2023

 

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O que fica, depois da terra?

[Lugares livres 43] O que fica, depois da terra? Desenhamos uma exposição com as fotografias dos lugares. Imaginário volátil, o mapa possível de uma cidade nova. Este é o exercício de um território humano, liberto de convenções opressoras. Procuramos sínteses que estabeleçam uma ordem para as imagens, reais e metafóricas. Deparamo-nos com as palavras, com a dimensão poética da sua capacidade de transporte, movimento cósmico. Continuamos a abrir linhas de complexidade.

Viseu, 2023

 

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Lugares antagónicos

[Lugares livres 42] Transportamos uma enorme quantidade de informação, um mundo pessoal e transmissível. Experiências de habitar lugares antagónicos, em tempos longos, décadas de errância. Deambulamos por realidades muito diferentes, entre uma natureza intacta e a mais densa cidade.

Viseu, 2023

 

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Simulacro

[Lugares livres 41] A cidade, os sítios que encontro, já não são os mesmos. Há um sedutor lugar humano constituído por fragmentos, pela exploração da linguagem e pela procura de paisagens distantes. Já não podemos voltar atrás, a uma qualquer idade mítica de uma indizível dureza a que hoje já não temos acesso, mas que continua a povoar o imaginário de alguém que, da terra, não percebe o desprendimento humano e a invenção das cidades como um produto biológico, enquadrado na longa linha evolutiva da vida.

Viseu, 2023

 

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Cadernos-método

[Lugares livres 40] Os cadernos são a principal ferramenta metodológica deste trabalho. A mão que escreve sintonizada com o pensamento. Notações, textos, projetos, desenhos, aritmética, apontamentos para trabalhos futuros. Fixação da celeridade de uma ideia esquiva. São também a recusa de um mundo apenas digital. É a mão que escreve, que toca a textura do papel, que seleciona riscadores, canetas, pigmentos. Ensaio de desenhos, caligrafias, relação de pensamentos dispersos, sínteses de tempo e de posição face ao entendimento dos processos criativos, da arquitetura como conceito de habitar, da vida que se ergue da matéria e energia. Retrato possível de uma árvore no Universo.

Dupla página do caderno #49

 

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Exposição

[Lugares livres 39] Viseu Território Natureza foi uma exposição sobre o mapeamento fotográfico de lugares menos marcados pelo povoamento humano na área geográfica do município de Viseu. São espaços simultaneamente próximos e distantes. Próximos por lhes chegamos numa viagem breve, a partir do centro da cidade. Distantes porque parecem revelar-nos dimensões de uma Natureza intacta, primordial, cada vez mais difícil de encontrar. Nos lugares menos marcados pelo Antropoceno estabelecemos pontes com um mundo arcaico que parece guardar a sedução de um espaço de origem. Uma infância coletiva reencontrada.

Exposição Viseu território natureza, Quinta da Cruz - Centro de Arte Contemporânea, Viseu, 2023

 

domingo, 17 de novembro de 2024

Contradição

[Lugares livres 38] Permanecem as reminiscências de uma certa condição animal. A pobreza, a escravatura da terra, a consciência de uma imensa contradição, enclausuramento em relação a um mundo, tão diferente, que nos entra pelos olhos dentro, através, sobretudo, da televisão, novelas, noticiários que semeiam o medo, os jovens que se isolam na Internet, como que a negar o tempo e o espaço em que vivem, a cortarem as amarras com o mundo dos seus pais e mais ainda dos seus avós, é a desintegração das comunidades que os viram nascer. Este é um retrato, de algum modo, cru, mas há outras faces desta realidade. Há uma sedutora dimensão poética em tudo isto, nostálgica, poderosa, entrópica.

Quintãs, Côta, Viseu, 2019

 

sábado, 16 de novembro de 2024

O futuro continua

[Lugares livres 37] O turismo é uma realidade evidente e os lugares que não são por si objeto de interesse, assumem-se na continuidade de um lento processo de constante mudança. Há uma derrota que representa a mudança de sistema económico. O futuro continuará a ser rigorosamente imprevisível, mas a geração, da pobreza e da subsistência remediada, está a desaparecer. Altera-se o valor económico da posse e do trabalho na terra. Os campos abandonados são uma imagem dessa realidade.

A24, Farminhão, 2015

 

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Perversidade

[Lugares livres 36] A agricultura era um polo agregador de toda uma dinâmica social para a qual olhamos, muitas vezes com saudade, mas que não deixava de conter no seu seio perversidades e jogos de poder muito desiguais. Todos os tempos têm as suas contradições e estas tendem a agudizar-se com a complexificação das sociedades e dos espaços que elas desenvolvem. Com o declínio agrícola, observamos o fim do sentido de uma arquitetura popular, imagem de pobreza e fome, mas que, contraditoriamente, deu origem a paisagens humanas equilibradas. Foi como se tivéssemos atingido um ponto de equilíbrio, antes de nos precipitarmos na desordem.

Folgosa, Lordosa, 2015

 

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Desarranjo

[Lugares livres 35] Mas talvez o facto da cidade de Viseu ser bem estruturada faça acentuar o contraste em relação às aldeias envolventes onde, em muitos casos reina um certo desarranjo, ou a desfragmentação espacial. Creio que nunca foi tão evidente um progressivo abandono das terras, dos campos, ao mesmo tempo que a cidade não pára de crescer, mesmo que esse crescimento tenha desacelerado, em tempos recentes, devido à crise económica duradoura que continuamos a viver.

Bigas, Lordosa, Viseu, 2015

 

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Ordem urbana

[Lugares livres 34] Na tentativa de uma síntese sobre o que pode ser esta cidade e o seu território, deparamo-nos com uma singularidade fundamental: a cidade de Viseu é das mais bem estruturadas, em termos da sua malha urbana e sistema viário, de todo o país. Para este facto, contribui uma topografia sem declives muito acentuados e a ausência de um grande rio que, inevitavelmente, cria uma descontinuidade na malha urbana, presente nas maiores cidades portuguesas. Mas há outras cidades com condições semelhantes a Viseu que não conseguiram, ao longo do tempo, manter um urbanismo qualificado. Também poderíamos apontar fatores como uma relativamente fraca pressão demográfica para um desenvolvimento urbano 'ordeiro', mas, mais uma vez, outras cidades há com as mesmas condições.

Praça Carlos Lopes, Viseu, 2015

 

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Figurações

[Lugares livres 33] As pessoas, figurações humanas, pouco aparecem nestas imagens. As marcas deixadas na terra, ao longo de muitas gerações, são a expressão profunda do seu, nosso, mundo. As populações são quem edifica as paisagens, quem constrói o mundo em que vivemos. Quando visitamos e fotografamos uma aldeia somos, por vezes, recebidos com desconfiança, mais raramente, com alguma agressividade. Há a suspeita pontual de que uma recolha fotográfica pode não ser feita pelos melhores motivos. Há a noção de intrusão num quotidiano rural onde poucas descontinuidades acontecem ao longo do ano. É muito provável que nunca ninguém tenha fotografado o espaço de muitas aldeias, pelo menos alguém vindo de fora, sem aviso prévio, sozinho. Para quem fotografa não pode deixar de, também, pressentir uma certa devassa. É certo que o espaço é público e de livre acesso, mas não deixa de ser verdade que em pequenas comunidades, uma certa intimidade não fica apenas dentro de casa e estende-se pelo espaço circundante à habitação, muitas vezes pelos campos fora. As fotografias ganham essa dimensão de proximidade a algo que vulgarmente não vemos. É o sentido do humano no seu despojamento.

Parque de Santiago, Viseu, 2017

 

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

A caixa

[Lugares livres 32] Ficou a noção de que muito mais haveria para fotografar mas também que se fotografou muito mais do que, em cada momento, estava inicialmente previsto. A terra tem este fascínio de que quanto mais nos detivermos na sua contemplação, mais detalhes se vão revelando. Abrimos uma Caixa de Pandora. O entendimento dos gestos dos povoadores primevos, o conhecimento da geologia, das ciências da vida, por básico que seja, abre-nos as portas do sobressalto, da inquietação, das pontas de um universo interminável cujo apelo é difícil resistir. Difícil é, também, tomar certas decisões, optar por um trilho em detrimento de outro. Em cada bifurcação há a inevitabilidade de perdas.

Parque de Santiago, Viseu, 2023

 

domingo, 10 de novembro de 2024

Memória (Arquivo)

[Lugares livres 31] Este trabalho não partiu de uma análise histórica ou geográfica de Viseu, não partiu do desejo de fotografar os principais elementos patrimoniais da cidade e do concelho. Não se quis, de alguma forma, repetir abordagens mais convencionais. Não se procurou o belo-óbvio. Foram sinalizadas todas as povoações do concelho em cartografia. Havia um conhecimento prévio do território de Viseu, decorrente de anteriores trabalhos, mas não se quis partir para o terreno com uma lista de edifícios a fotografar. Sem dúvida alguma que é fundamental o conhecimento de uma bibliografia base sobre o concelho, mas há um entendimento que é quase sempre esquecido. É a perceção de que a terra é uma fonte “documental” de uma riqueza ilimitada. Há hoje uma tendência para procurar o conhecimento nos livros e em documentos, sobretudo escritos. O contacto com a terra é desconfortável, é muitas vezes duro, moroso, exige disponibilidade, esforço físico. Mas é também uma forma de nos construir, de nos “prender”, agarrar, a um tempo arcaico que vamos pressentindo ser o sentido da nossa existência como espécie, como comunidade evolutiva. Na terra está desenhado todo o nosso passado nos seus traços mais essenciais. Há muitos dados que não nos são acessíveis apenas pela leitura das paisagens, outros que apenas se tornam visíveis pelo demorado olhar que sobre eles repousamos.

Lordosa, Viseu, 2002

 

sábado, 9 de novembro de 2024

Início de caminho

[Lugares livres 30] No Caramulo, estava a conhecer, a percorrer pela primeira vez, um país imenso. Em Montemuro cruzara-me com um rebanho transumante, que viera da serra da Estrela três meses antes, numa viagem em busca dos pastos de altitude, onde a humidade permanece, resiste aos mais quentes estios. O Douro é um rio imenso feito de água e vinho, de tragédias e intermináveis lutas, a expressão de uma geografia dura que pontualmente se manifesta num caudal avassalador e destrutivo, a fúria a caminho do imenso oceano, no fim da terra, ou o apontar para mais longínquas viagens. Na Estrela, numa viagem ocasional com amigos de uma juventude vital, encontrei o frio imenso, ou os limites claros das possibilidades de habitação dos lugares. Mas foi também o fascínio do branco que desce dos céus, povoa a terra, que vislumbrei o enunciar da arte como diferença de humanidade na interpretação de possibilidades de sobrevivência. Desta montanha nevada descemos o rio Mondego. Passamos por Coimbra, uma cidade de memórias, prosseguimos para esse mesmo mar que encontráramos na foz do Douro, ou do Vouga, em Aveiro, que passa tão perto, a norte da cidade que agarra todos estes lugares. Viseu é uma paisagem convergente que liga geografias distantes.

Castelo Velho, Vila Chã de Sá, 1996

 

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Mondego

[Lugares livres 29] Mas o rio Mondego é também a evocação de Coimbra, uma cidade com a qual Viseu estabeleceu sempre uma relação cúmplice, de ligação a serviços que nos remetem já, de uma forma muito evidente, para a urbanidade, para o sentimento de pertença a uma entidade nacional vasta. Uma cultura antropológica que se foi construindo ao longo de séculos que, sem se desprender, se foi progressivamente libertando da terra, no desenho muito próprio de uma afirmação de humanidade.

Coimbra, 1996

 

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Para sul

[Lugares livres 28] Para sul, para territórios meridionais, caminhamos em direção à luz, à maior claridade das terras mais quentes. O vale do rio Mondego, que tem origem na serra da Estrela, define uma linha oblíqua e também a presença de outras serras que desenham linhas de céu bem visíveis da cidade de Viseu. O Açôr e a Lousã, juntamente com a serra da Estrela, constituem um eixo montanhoso que separa o Portugal de influência climatérica atlântica, da presença mediterrânica, a sul. Foi o geógrafo Orlando Ribeiro quem, de forma luminosa, descodificou estas duas áreas geográficas distintas, a que podemos somar um terceiro grande espaço climático, continental, que tem já as características do interior da Península Ibérica onde a presença oceânica é muito mais ténue.

Serra da Lousã, 1996

 

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Perímetro montanhoso

[Lugares livres 27] Viseu ocupa uma área geográfica, relativamente plana, rodeada de montanhas. A norte ergue-se, para lá de Castro Daire, depois de atravessarmos o vale do rio Paiva, a serra de Montemuro. A partir do seu topo, a 1383 metros de altitude, pressentimos o poderoso rasgo telúrico rio Douro, que marca, que estrutura uma parte muito significativa da paisagem portuguesa. São como novos mundos que aqui, para lá destas fronteiras, têm início.

Serra de Montemuro, 1988

 

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Estrela

[Lugares livres 25] A serra da Estrela ocupa um lugar de destaque numa geografia simbólica de Portugal. É o ponto mais elevado de todas as serras continentais. Os seus quase 2000 metros de altitude passam uma parte do inverno cobertos de neve, como uma paisagem antiga a lembrar as últimas glaciações que assolaram estas paisagens e que nelas deixaram impressas mas marcas de rios de gelo, que nos ajudam, agora, a perceber a fisionomia da orografia contemporânea, o motivo das suas formas, dos seus rios, a estrutura do território.

Serra da Estrela, 1996

 

domingo, 3 de novembro de 2024

Partir para

[Lugares livres 24] Estes são lugares de partida para outras viagens, para o interminável conhecimento da terra, a contínua reprodução das mais antigas migrações quando, há seis, sete dezenas de milhares de anos, a partir de África, nos expandimos pelo planeta inteiro. Terão sido vários os motivos de tão arriscado movimento. Certamente que a procura de recursos foi um dos mais relevantes, mas também a enorme curiosidade pelo conhecimento da terra incógnita.

Calçada de Coimbrões, Coimbrões, Viseu, 1996


 

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Horizonte (Paisagens distantes)

[Lugares livres 23] As paisagens distantes, com as quais estabelecemos uma relação visual ou que, de algum modo, pressentimos, que fazem parte de uma geografia íntima, mesmo que não sintamos as águas do Douro ou do Mondego. São rios distantes, fronteiras aquáticas, tal como é essa maior fronteira, o grande mar Atlântico, visível do alto da serra do Caramulo, aqui tão visível da cidade.

Rio Douro, 1993