domingo, 31 de janeiro de 2016

[tinta e pó_10] Partia para Arez no dia 28 de agosto de 2014. Aí encontrava colossais penedos de granito, como que as ruínas de uma poderosa civilização perdida. Em vários momentos procurara estes lugares, como se nos pudessem transportar para o sentido corrupto dos tempos presentes. Seguia para Arneiro, para um solo povoado por calhaus rolados de média dimensão, que se estendiam por uma vasta extensão de terreno, até ao Tejo, à primitiva lagoa das Portas de Ródão. Caía a noite entre aquelas oliveiras que agora tomavam a paisagem mineira antiga. Seguimos, na manhã seguinte, para as Portas de Almourão, no rio Ocreza. O leito fluvial exibe, lado a lado, penedos que se soltaram, há não muito tempo, das encostas escarpadas, com outros, cujo polimento revela um tempo longo de exposição às fortes correntes do rio. Depois o miradouro das Corgas, um ponto elevado para a leitura da paisagem. Novamente um rio, uma queda de água, de Água de Alto. Rumamos à serra da Gardunha. Na manhã seguinte percorremos a área do Castelo Velho. Enormes rochedos ciclópicos que se amontuam caoticamente num solo de declives acentuados. Paisagem impressiva onde não nos demoramos para atravessarmos a extensa planície da Beira Baixa. Paramos em Salvaterra do Extremo. As Furdas são a cidade dos porcos. Lugar único e irrepetível. As minas de Segura são um dos últimos pontos de paragem. Noite na paisagem semi-árida daqueles territórios para seguir para Monforte da Beira. A viagem termina nas minas da Tinta e do Pó, como se nesses dois topónimos pudéssemos sintetizar os dias passados, a nossa vida. A ânsia da palavra e do registo, imagens. Tudo o que um dia será pó, átomos, planetas. [Último texto relativo a Tinta e Pó]
Segura (prox.). Idanha-a-Nova. 2014

sábado, 30 de janeiro de 2016

Fisgas do Ermelo

[pst 117] O território minhoto é atravessado por uma série de rios, sensivelmente paralelos, que nascem nas serranias localizadas a este. É nesta área menos conhecida da paisagem minhota, que se registam os maiores índices de pluviosidade do país. É a origem da água abundante e do verde vivo e perene da Região.

Fisgas do Ermelo. Mondim de Basto. 29 de agosto de 1990

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Santuário da Senhora da Peneda

[pst 116] Situado no coração da serra da Peneda, o santuário da Senhora da Peneda concretiza a ideia do monte sagrado. "O fenómeno do Sacro Monte, conheceu grande divulgação no Portugal barroco, sobretudo no Norte, e visa conciliar reminiscências pagãs de provável origem pré-histórica com a representação do Monte do Calvário, local da agonia de Cristo. A escolha de locais acidentados permitia ao peregrino um processo de empatia, reviver as agruras de Cristo depois compensadas pela ressurreição libertadora — Sua e da Humanidade. Deste modo se legitimava a apropriação do mundo selvagem, cristianizado e integrado na lógica da Igreja e se constituía um foco dinamizador da realidade campesina". (José Fernandes Pereira — Arquitetura barroca em Portugal).

Santuário da Senhora da Peneda. Arcos de Valdevez. 22 de agosto de 1996

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Barreira

[tinta e pó_09] Ocasionalmente chegamos a um ponto, breve, em que tudo parece ter significado, todas as fotografias. Há um fascínio pela construção do belo, como se fosse esse um desígnio evolutivo, a procura de uma forma equilibrada, uma grande síntese, de todas as possibilidades. Parece ser este, no entanto, o ponto da perda da consciência, no mergulho na ausência de qualquer verdade, de qualquer juízo sobre as coisas. Estamos defronte da barreira da comunicação, um jogo vital em que talvez se jogue a vida e a morte, o diálogo derradeiro antes de enfrentarmos outra qualquer dimensão, talvez apenas mais um passo na construção de um mundo único, que não deixará, em certa medida, de ser apenas nosso. Há aqui um equilíbrio frágil. As fotografias são o diálogo com o mundo visível, com a indefinida teia entre espaço e tempo, pensamento, tinta e pó.
Antigas minas da Tinta e do Pó. Monforte da Beira. Castelo Branco. 2014

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Caminho calcetado — Serra da Peneda

[pst 115] A serra da Peneda é atravessada por diversos caminhos calcetados. Muitas vezes transpõem os ribeiros, nas terras baixas, por pontes em arco de volta perfeita, denotando um grande rigor construtivo da via. É uma forma invulgar de povoamento da montanha. As mitologias populares da região atribuem a sua construção à Senhora da Peneda, santuário para onde alguns deles se dirigem.

Caminho calcetado — Serra da Peneda. Melgaço. 30 de agosto de 1994

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Açureira

[pst 114] Nas serras, em lugares mais isolados, as edificações revelam a extrema dureza das condições de vida. As paredes das casas são erguidas com blocos irregulares de pedra, em que muitas vezes é usada terra vegetal, em vez de argamassa, para colmatar as juntas. Avança assim sobre as paredes um fino coberto vegetal. São os espaços habitados da montanha.

Açureira. Mondim de Basto. 22 de março de 1989

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Despir

[tinta e pó_08] Há, num arquivo extenso, uma vertigem, a sensação de que há algo oculto de que nos vamos aproximando. As fotografias, quando despidas de uma certa plasticidade inebriante, de um belo-fácil, quando de dispõem em conjuntos alargados, estabelecem teias de conexões múltiplas com o leitor/observador. Há a consciência progressiva de uma extensão enorme, particularmente quando o arquivo é vivo, quando é regularmente alimentado de novas imagens, que em certa medida, tentam completar lacunas. É o mesmo 'ilimitado' que experienciamos com o movimento sobre a Terra, que, em boa verdade, é infinito e indefinido, pois está associado à dimensão tempo, que faz com que os lugares estejam diferentes no segundo momento em que os visitamos. À medida que as recolhas de imagem se vão estendendo a um território mais vasto, maior a sensação do seu sentido de ‘sem-limite’, como se estivéssemos a desfocar a nossa própria capacidade de compreensão, num movimento, aparentemente, auto-destrutivo, por tender para um aumento exponencial de entropia. Há um limiar difuso entre a lucidez e o colapso, entre o discernimento e o bloqueio, que é tão sedutor, quanto arriscado. Poderá haver um sentido de perda, mas também a noção da dureza e do fascínio da vida, da ausência de consciência numa integração cósmica, fim de algumas das principais angústias humanas, o esplendor da vida em toda a sua ausência de sentido, como que o reflexo absurdo da guerra, da sobrevivência extrema.
Antigas minas. Segura. Idanha-a-Nova. 2014

domingo, 24 de janeiro de 2016

Santuário de São João de Arga

[pst 113] A meia encosta da serra de Arga, com um depuramento arquitetónico extremo, acontece um dos mais extraordinários espaços de romaria das terras de Portugal. Em 1970, é feito um filme sobre a romaria pelo Instituto do Filme Científico de Gottingen e Centro de Estudos de Etnologia Peninsular. Benjamim Pereira, envolvido no projeto afirma: "A romaria de São João de Arga constituía um caso singular. A despeito de todo o policiamento que a Igreja mantinha, no cenário das festividades das nossas aldeias, São João de Arga resistiu de uma forma extraordinária. Era um dos últimos casos em que a dança era permitida no adro do santuário. Isto importava reter. A capela inscreve-se num espaço um pouco neutro porque não há freguesias perto. As aldeias da Serra de Arga ficam um pouco distantes e, portanto, aí era permitida uma forma de expressão de comportamentos que escapam a certos policiamentos, mais fáceis de estabelecer nos terrenos controlados por uma determinada localidade.
Em consequência, a romaria de S. João de Arga assumia plenamente uma vertente de sensualidade e erotismo".
Santuário de São João de Arga. Caminha. 5 de março de 1996

sábado, 23 de janeiro de 2016

A casa mínima

[tinta e pó_07] O espaço pode ser uma coerência fictícia plasmada num imaginário de milhares de fotografias. Há uma certa ânsia de comunicar essa construção que se vai fazendo. Há um arquiteto que edifica, que se aproxima de uma síntese de todos os sítios por si visitados, uma casa mínima contendo todos os lugares, um espaço que não é utópico por ser espetral. A pacificação inquieta de lutas arcaicas, talvez inauguradas no misterioso passo lento da consciência de uma espécie que, ao mesmo tempo que rejeitava a imposição de uma natureza hostil, definia o ilimitado, o indeterminado como condição de habitar a terra. Resumir nos passos de uma caminhada milenar, toda a vida de todas as gerações humanas, do passado e do presente, todos os tempos petrificados nas mais arcaicas criaturas, desenhadas nas rochas engolidas pela terra, devolvidas, informes, por vulcões, fogo que tudo apaga. A memória apenas transporta em si, por breves segundos, toda a perplexidade de um espaço que se transforma em tempo. Tempo que não nos vai dizer o que ele próprio é. Não podemos fixar o olhar no rosto de Medeia, sob a condição de ficarmos petrificados. Talvez não possamos encontrar o pensamento sobre a natureza do espaço quando o procuramos frontalmente. Quando procuramos nas margens vamos vislumbrando fragmentos, as peças de um puzzle imenso do qual , não sabemos à partida se todas as peças existem, nem tão pouco se o seu desenho fará sentido.
Furdas. Salvaterra do Extremo. Idanha-a-Nova. 2014

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Lanhoso — Póvoa de Lanhoso

[pst 112] Póvoa de Lanhoso está situada numa área plana rodeada de montes, onde convergem diversos ribeiros. O seu castelo, de fundação anterior à nacionalidade portuguesa, localiza-se no alto de uma proeminência rochosa. Foi parcialmente demolido em 1680 para, com as suas pedras, levantar o santuário da Senhora do Pilar. Numa das vertentes, o acesso ao topo, é feito por uma escada escavada na rocha granítica.

Lanhoso — Póvoa de Lanhoso. 7 de março de 1996

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Sepulturas antropomórficas — Longos Vales

[pst 111] Quando a igreja de São João de Longos Vales passa para as mãos da Companhia de Jesus, foram eliminadas uma série de esculturas consideradas obscenas. Na primeira metade do século XVII, o edifício sofre uma remodelação em que apenas foi poupada a ábside semicircular, contemporânea de S. Fins de Friestas. No exterior da igreja há um conjunto de sepulturas, um terreiro, um cruzeiro e uma eira, em volta da qual se dispõem três grandes espigueiros. Num pequeno espaço convivem, assim, os testemunhos de um intenso povoamento que atravessa os milénios. Marcou para sempre a compassada ascensão dos peregrinos aos lugares altos, para aí obterem para as suas vidas a necessária proteção divina.

Sepulturas antropomórficas — Longos Vales. Monção.  7 de março de 1996

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Significado evolutivo

[tinta e pó_06] As imagens vão adquirindo, ao longo dos anos, diferentes significados, o que também acontece com o próprio ato de fotografar. Torna-se claro que a tarefa de captura fotográfica do espaço não tem fim, um limite possível, como que explode por sendas antes não imaginadas. As paisagens, o olhar, as tecnologias de registo da realidade, tudo se transforma, sem nunca sabermos, previamente, a sua direção. O desejo de captar o universo visível, as faces da matéria, das coisas e dos seres, desaparece, por fugir a qualquer objetivação, por se esconder quando sobre essa imprecisão repousamos o nosso olhar. Há um diálogo, intrincado e dinâmico, entre espaço, tempo e ser. Entre centenas de milhar de fotografias, vamos alinhavando palavras para tentar descodificar o sentido de todo o caminhar, do que observámos em diferentes tempos agora confluentes no presente. Depois, a sensação de esmagamento, de impossibilidade de processar uma crescente quantidade de informação. Ocasionalmente parece formar-se, vaga, uma ideia coerente, mas que logo se esvanece, antes de a conseguirmos fixar. Aparentemente a compreensão dos nossos próprios fazeres requer uma exteriorização, olhar em redor. No fundo vamos procurando nas margens o sentido, o simbólico do rio que que nos transporta, que tece o pensamento fluido associado aos nossos fazeres.
Serra da Gardunha. Fundão. 2014

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Mosteiro de Sanfins de Friestas

[pst 110] O acesso a S. Fins de Friestas, é feito por um caminho a partir da povoação de Eiras. Para entrarmos no recinto do mosteiro, atravessamos um arco de volta perfeita, aberto num muro alto, que mais tarde percebemos ser um aqueduto. Estamos num terreiro com algumas árvores. À direita temos o núcleo construído de que, intacta, resta apenas a igreja. Em seu redor ruínas e uma vegetação densa que, lentamente, vai tomando o conjunto arquitectónico. Os cronistas monásticos atribuiram a fundação ao recuado tempo dos Suevos, mas só foi fundado no século XI ou no XII. Em 1172 D. Afonso Henriques concede-lhe amplo couto. A comunidade beneditina teve, no século XVI, de ceder lugar aos administradores da Companhia de Jesus que aplicaram as rendas à sustentação dos seus colégios urbanos.

Mosteiro de Sanfins de Friestas. Valença. 6 de março de 1996

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Inacessível

[tinta e pó_05] Quando chegamos de viagem e olhamos para as fotografias, para o resultado do trabalho. Podemos fazer milhares de imagens, mas deparamo-nos com uma realidade incontornável: o que vimos, a realidade que vivenciámos, era muito mais rica e complexa do que as imagens agora mostram. Mas, nas fotografias de espaço, de um pretenso mundo envolvente, há um fascínio. Não estamos apenas a fotografar os lugares, o território por nós habitado, estamos a registar algo a que já não temos acesso. Fixámos o passado que agora já não volta. As fotografias captam o tempo, talvez mais do que o próprio espaço.

Cascatas da Fraga da Água d'Alta. Oleiros. 2014



domingo, 17 de janeiro de 2016

Mosteiro de Santa Maria de Bouro

[pst 109] De um eremitério da serra, mais tarde santuário de Nossa Senhora da Abadia, teriam vindo os primeiros monges para fundar o mosteiro de Santa Maria de Bouro. O facto de este se situar num local próximo da raia, que era necessário povoar e defender, terá motivado D. Afonso Henriques a conceder várias terras ao recolhido mosteiro beneditino, que depois se tornou cistercience. D. João reconhece os abades de Bouro como fronteiros e, em 1514, concede foral à povoação que, entretanto, se formara em redor do mosteiro.

Mosteiro de Santa Maria de Bouro. Amares. 5 de junho de 1996

sábado, 16 de janeiro de 2016

Capela de Santo Abdão — Correlhã

[pst 108] Alexandre Alves Costa na sua Introdução ao Estudo da História da Arquitectura Portuguesa refere, ao escrever sobre a arquitectura românica, "são estas modestas construções, que à primeira vista poucas diferenças manifestam entre si, que exercem sobre nós um poderoso fascínio. Talvez porque o que nos importe é sabermos, e todos o sabemos, que o estilo românico se apresenta triunfante na época em que se forma a nacionalidade, se fixa a língua, se estrutura o habitat. Símbolo construído de uma fundação, é nele que vamos encontrar alguns dos valores que, eventualmente, fundamentem uma identidade ou até um destino histórico".

Capela de Santo Abdão — Correlhã. Ponte de Lima. 7 de outubro de 1996

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Pontos de inflexão

[tinta e pó_04] À medida que caminhamos e descrevemos a terra pelas fotografias, há uma margem de fazeres, aparentemente informe, que vai ganhando significado. São as pontas de um novelo que nos vai conduzindo por lugares desconhecidos que se bifurcam, ramificam. Parece que nos deslocamos como quem constrói uma fuga, não a fuga de um crime, medo, alguma cobardia, mas a fuga inconformada por uma condição que não se aceita, um movimento para a palavra, a liberdade. Talvez sejam apenas os passos constantemente repetidos na procura do paraíso, de uma terra prometida. Espaço refletido no tempo, lugar de uma pacificação que nunca, sabe-mo-lo entretanto, nunca vai acontecer. Mas há momentos em que tudo muda. Há pontos de inflexão, caminhos, fotografias, textos, objetos, possibilidade de novos diálogos, uma luz diferente derramada sobre uma mesma paisagem conhecida, agora diferente. Ao mesmo tempo damos um passo evolutivo. O espaço é uma procura constante, como se quiséssemos moldar o nosso corpo a uma realidade que permanentemente muda de forma.
Rio Ocreza, Portas de Almourão. Foz do Cobrão. Vila Velha de Rodão. 2014

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Mínimo infinito

[tinta e pó_03] Partir para o terreno nunca sabendo o que se vai encontrar, mesmo levando um itinerário previamente traçado, mesmo conhecendo imagens dispersas de várias fontes, mesmo repetindo um percurso que se fizera no passado. Caminhar, fotografar, procurar fixar, de forma progressivamente intensa, aspetos das paisagens e das arquiteturas. A impossibilidade de abarcar um espaço vasto, de o registar exaustivamente pelo nosso movimento, pelas fotografias, transporta-nos para áreas geográficas restritas, espaços cada vez mais reduzidos. De horizontes abrangentes, colhidos, aparentemente, numa única imagem, encontramos pormenores que reafirmam o ilimitado do espaço, a dimensão fratal da realidade. Numa micro-paisagem parece sintetizarmos um espaço mais vasto, reparamos que construímos uma enorme abstração. O mínimo espaço transforma-se em infinito. Há um apelo que nos constrói em lugar novo, que ao mesmo tempo é a fabricação de um objeto, eventualmente singular, desvinculado do seu referente. A navegação por um imaginário complexo, traz outras imagens consigo, elaboradas na mente de cada observador. Livros de fotografias, exposições, imagens num ecrã luminoso, elementos de comunicação estritamente humana, invenções do absurdo, do inatingível ou intangível, do inacabado permanente. Uma marca deixada na pele, a memória de uma qualquer proximidade e do lugar onde não chegámos. Contraditoriamente, nesses espaços mais pequenos, de imenso detalhe, encontramos o reflexo de nós próprios, que logo se converte em viagem renovada.
Antigas minas de ouro do Conhal do Arneiro. Santana. Nisa. 2014

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Casa do Crasto — Friestas

[pst 107] "O grande portão heráldico da Casa do Crasto é um dos mais curiosos de todo o Minho. Único vestígio de uma grande propriedade, é bem um desses portões setecentistas que não tinham propriamente funções de defesa mas que se erguiam para marcar a entrada da propriedade e para ostentar o brasão de armas". (Carlos de Azevedo — Solares Portugueses). É bem o símbolo do prestígio familiar cultivado pela da nobreza provinciana do Minho.

Casa do Crasto — Friestas. Valença. 23. de agosto de 1996











terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A noite

[tinta e pó_02] Ao fim do dia procuramos um local para a pernoita. Deitamo-nos sobre o solo. A luz é tomada pela noite. Escuridão que se vai revelando num imenso detalhe, que abre novas portas para outras dimensões de tempo e pensamento. Ouvimos o mar, talvez um avião a passar, corre uma brisa suave, temperada. Não tarda a sentir-se a humidade do ar. Nas horas que se seguem se, pontualmente, abrirmos os olhos, observamos a rotação da Terra na Via Láctea. A 'abóbada' celeste revela um número ilimitado de pontos luminosos. Estrelas ao redor das quais outros mundos podem existir. Fechamos os olhos. Um universo de lugares em expansão está dentro de nós. Desenhamos viagens imaginárias em distâncias indeterminadas. Percorremos lugares de memórias dispersas. Trazemos um espaço imenso dentro de nós. Como se, de novo, atravessássemos a montanha nevada, a floresta densa, quase impenetrável, ruídos de aves dispersos pelo tempo, o grande rio que transporta enormes penedos polidos, as paisagens cársicas a fazerem lembrar a ossatura de um animal gigante, os mares interiores, a extensa planície, uma última colina para observarmos o oceano, claro, luminoso. Durante o caminho, pontualmente, atravessavamos as cidades, povoadas de faces desconhecidas, de uma cultura dispersa, fragmentada, evolutiva, milenar. Há uma realidade de que nos parecemos aproximar, mas que, constantemente nos escapa. Uma intuição. Talvez nada. O Sol nasce. Continuar a caminhar.
 
Arez (prox.). Nisa. 2014
 

sábado, 9 de janeiro de 2016

Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia, nº100

[tinta e pó_01] O nº 100 da Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia, foi lançado no passado dia 7 de janeiro. Esta edição marca igualmente os 50 anos de existência da publicação. Fui convidado a colaborar neste número, com um texto sobre espaço. É esse texto que a seguir transcrevo.
O trabalho a partir do qual se parte para estas palavras é de natureza fotográfica, num limbo entre o documental e o interpretativo, ou artístico. Essa fronteira pode ser, aliás, muito ténue. No entanto há alguns princípios documentais que se prendem com uma certa ânsia de cobrir um extenso território, todo o espaço português. No registo há duas faces, não podendo deixar de fugir a uma estetização do visível - é um apelo irresistível, talvez um convite ontológico. Este texto é uma reflexão sobre a prática da fotografia de paisagem, território, espaço. Cerca de 30 anos de recolhas fotográficas, mais de 1.200.000 de imagens feitas, 500.000 quilómetros percorridos em território português. Um número crescente de imagens dá origem a um arquivo vasto que se transforma numa entidade viva a partir do qual se estabelecem leituras renovadas, de revisitação, dos lugares fotografados no passado. A complexa teia de relações entre a realidade espacial e a sua representação pela fotografia, procura, mais tarde, formas de materialização do pensamento em diversos suportes, em projetos expositivos e editoriais.


sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Casa de Camilo Castelo Branco — São Miguel de Seide

[pst 106] Nos arredores de Vila Nova de Famalicão, em S. Miguel de Seide, a Casa de Camilo Castelo Branco é como que um lugar incontornável da literatura portuguesa. Aí viveu o escritor parte da sua tumultuosa e conturbada vida, e aí viria a morrer às 15 horas do dia 1 de Junho de 1890. A 17 de Maio de 1915, era consumida pelas chamas, tendo sido posteriormente reconstruida e transformada em museu. Teixeira de Pascoaes, em O penitente, escrevia: "O seu primeiro ataque místico fê-lo seminarista, de batina, cruz ao peito, e, debaixo do braço, a Imitação de Cristo. Mas logo abandonou a teologia medieva, onde aparece um Deus pessoal e providencial, um Deus chefe de tribo, elevado a suprema Potestade. Caíu então numa espécie de ateísmo, que o não era essencialmente, por hostil ao seu temperamento de Poeta. A sua maior glória é a luta moral entre o teísta, que pressente a Divindade, e o ateu que a vê negada pelos acontecimentos sublunares".

Casa de Camilo Castelo Branco — São Miguel de Seide. Vila Nova de Famalicão. 4 de março de 1996

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Casa da Loureira — Gondarém

[pst 105] Característico solar minhoto, a Casa da Loureira foi construída, provavelmente, no terceiro quartel do século XVIII. No jardim, a estatuária, e outros elementos decorativos, denunciam o gosto barroco da época.

Casa da Loureira — Gondarém. Vila Nova de Cerveira.  6 de março de 1996

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Saturação

[inquéritos 44] Num mundo humano progressivamente saturado de imagens, de uma facilidade cada vez maior para a sua produção, as imagens querem, aqui, ser ponte para a palavra, para o pensamento. Fotografias, palavras, desenhos, arquiteturas, arquivo. Construção demorada e contínua do habitar possível numa terra estranha, uma montanha, uma cidade, um deserto, o oceano. [Este é o último post relativo aos 'Inquéritos']

Exposição dos "Inquéritos". CIAJG. Guimarães. 2015

Exposição dos "Inquéritos". CIAJG. Guimarães. 2015

Plataforma das Artes. CIAJG. Guimarães. 2015

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

2015. Serra da Estrela

[inquéritos 43] Depois da montagem de uma exposição em Castelo Branco, atravessar a serra da Estrela, num sábado à tarde. Parar na Torre para algumas fotografias com um varão telescópico de altura. O objetivo era o de conseguir um ponto relativamente elevado para a captura das imagens. O ambiente no solo é o de alguns visitantes motorizados que por ali param mas que não se demoram. Esta é outra dimensão do habitar daqueles lugares aos quais se acede da estrada. Longe desta permanece o silêncio. Vinte e cinco anos passaram sobre a primeira viagem.

Serra da Estrela. 2015

Serra da Estrela. 2015

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Marco miliário romano — Rubiães

[pst 104] Rubiães, onde mais tarde fora erguida uma igreja românica, era uma encruzilhada de caminhos antigos. No local, a Ponte Velha, de arco de volta perfeita, sobre o rio Coura, e um marco miliário consagrado ao imperador Marco Aurélio, existente no adro de igreja, comprovam a existência de uma via militar romana. Com a mudança dos tempos, os marcos miliários vão ser muitas vezes reutilizados, com uma nova função. Na face oculta deste marco, na fotografia, foi escavada uma sepultura antropomórfica.

Marco miliário romano — Rubiães. Paredes de Coura.  8 de março de 1996

domingo, 3 de janeiro de 2016

2014. Serra da Estrela

[inquéritos 42] A procura de um clima extremo onde não é possível a sobrevivência demorada, onde nada medra, nada cresce no inverno. Imagens como que da ausência de vida. Uma experiência, também, do caminhar em lugares de extremo desconforto, lugares de medo e de sentimento de fragilidade, de pequenez e de estranheza, de inadaptação. 

Serra da Estrela. 2014

Serra da Estrela. 2014

Serra da Estrela. 2014

Serra da Estrela. 2014

sábado, 2 de janeiro de 2016

2013. Serra da Estrela

[inquéritos 41] Há a ideia de fazer um filme, um projeto já com algum tempo. Ensaia-se a sua preparação. Percorrer Portugal com paragem em poucos pontos, mas muito significantes da sua geografia. Um desses pontos é a serra da Estrela, espaço de articulação entre norte e sul, entre litoral e interior. Ponto cimeiro de um eixo montanhoso de todo o espaço português. 

Serra da Estrela. 2013

Serra da Estrela. 2013

Serra da Estrela. 2013

Serra da Estrela. 2013

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Anta da Barrosa — Vila Praia de Âncora

[pst 103] No interior da anta da Barrosa foram encontrados artefactos datados do 3º milénio a.C.. É um exemplar bem conservado da arquitetura megalítica. "A cultura dolménica implantou-se, densamente, em todos os planaltos e rechãs do seu espaço e, apesar das vultuosas destruições, há ainda numerosos monumentos, dentre os quais se destacam, de há muito, os dolmens de Âncora e do Mezio. Estas construções são polos de explicações míticas e do imaginário das populações e, pelo menos a partir dos romanos, vêm sendo violadas em busca de tesouros ou do desconhecido". (Carlos Alberto Ferreira de Almeida — Alto Minho).

Anta da Barrosa — Vila Praia de Âncora. Caminha. 5 de março de 1996