quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Fotografias

[Torga 18] Este trabalho surge na sequência de uma proposta da direção do Espaço Miguel Torga/Câmara Municipal de Sabrosa, pelo Dr. João Luís Sequeira Rodrigues, para a realização de uma exposição. Acordámos numa leitura do universo geográfico, próximo, de Miguel Torga: São Martinho de Anta e os territórios envolventes. São as paisagens do santuário de Nossa Senhora da Azinheira até ao Douro, de Sabrosa à Serra do Alvão. Há outros lugares que foram muito marcantes na vivência de Torga, particularmente Coimbra. A opção de ficarmos pela região onde nasceu, prende-se com o significado que a mesma assume na génese e no carácter de toda a sua obra literária. Há uma marca nestas terras transmontanas que permanece, há aqui um vinco telúrico de que Torga foi um exímio descodificador e singular voz. As suas palavras refletem paisagens que nenhuma fotografia pode revelar. Não deixámos, no entanto, de ensaiar uma viagem imaginária. Praticamente todas as fotografias foram feitas em 2017, especificamente para esta edição e exposição; há duas exceções, as fotografias do Santuário Rupestre de Panóias, de 2015, e as últimas fotografias, a preto e branco, retiradas de um arquivo que, há mais de 30 anos, constrói aproximações à representação do espaço português. Esta é a última publicação relativa à “magna terra”, sobre Miguel Torga.

Senhora da Azinheira. São Martinho de Anta, Sabrosa. 2017

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Colapso maior

[Torga 17] Ainda que sobre estas terras caia o esquecimento, de uma humanidade que esconde o seu medo da natureza na profundeza frágil das cidades, um dia talvez tenhamos que regressar a estes territórios. É o nosso berço, lugar de origem, é como uma verdade permanente que resiste a todas as tempestades e que na terra permanecerá fóssil até um longínquo colapso maior. 
Serra do Marão. 2017

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Penedos

[Torga 16] As penedias distantes das malhas expansivas das cidades permanecem nos seus lugares. São como seres fantasmáticos que encontramos no decurso das caminhadas solitárias pelas paisagens vazias das marcas humanas. O período de um século não é significativo nos processos erosivos que transformam os penedos em matéria diferente. Poderá haver quem não repare nestes horizontes em processo de desertificação humana. Muitos poderão ficar ocultos por uma vegetação que se adensa, mas um dia serão de novo revelados pelas vagas de fogo cíclico, extensões momentaneamente incandescentes, um inferno tão friamente relatado pelo sofrimento das personagens, tão reais quanto ficcionadas, de Torga, dos seus contos crus.
Vila do Conde. 1994

Serra do Alvão. 2002

Penha Garcia, Idanha-a-Nova. 2005

sábado, 23 de fevereiro de 2019

O fogo de uma noite

[Torga 15] Como que no fim de uma viagem de vida, aqui repousamos um pouco. Estamos entre os seus objetos, alguns livros e outras marcas de habitar. É como se com Torga pudéssemos agora dialogar, aquecidos pelo fogo de uma noite de outono. Território continuado, daqui partimos para outras viagens.
Casa de Miguel Torga, São Martinho de Anta, Sabrosa. 2017

Casa de Miguel Torga, São Martinho de Anta, Sabrosa. 2017

Casa de Miguel Torga, São Martinho de Anta, Sabrosa. 2017

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

A casa

[Torga 14] Estamos na casa onde nasceu Miguel Torga, em 1907. Era, nesse início de século, uma habitação muito pequena. Décadas mais tarde, seriam feitas obras de ampliação do espaço e rebocadas as paredes exteriores, de granito aparente. Uma casa pequena e raízes camponesas muito humildes, não explicarão o facto de Torga ter procurado, a céu aberto, em pontos altos, as vastidão dos horizontes próximos entrecortados por vales profundos. A paisagem não explica as feições do seu rosto, não ilumina a sua escrita, mas poderá dar-nos um indício desse desejo de mundo, da não resignação ou procura da palavra como forma maior da liberdade e revolta, de independência, de justeza, de expressão de uma comunidade.
Casa de Miguel Torga, São Martinho de Anta, Sabrosa. 2017
Serra do Alvão. 2017

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Desaparecer

[Torga 13] Como quem transporta uma câmara fotográfica, em caminhada podemos imaginar as migrações das mais antigas comunidades humanas que, há dezenas de milhares de anos, colonizaram um planeta inteiro. Mas nessa ânsia de registo, de fixação das paisagens, será com espanto que descobrimos o rasto de um vazio. Os milhares de fotografias pouco mostram do território percorrido, menos ainda a experiência vivenciada da integração numa cosmogonia em que tudo, momentaneamente, parece desaparecer, o medo, a morte, o outro, o espaço e o tempo, todas as sedutoras conquistas ilusórias de uma civilização. É o regresso a casa sem caça.
São Martinho de Anta, prox., Sabrosa. 2017

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Armas

[Torga 12] Regressamos a São Martinho de Anta. Entramos na casa em que nasceu Miguel Torga. Um conjunto de armas de coleção está disposto junto da entrada da habitação. Torga era um caçador, muitas vezes solitário. Transportava consigo uma arma e caminhava demoradamente por serranias e vales. Mais do que um desejo de capturar animais, perdizes, coelhos, talvez a arma fosse apenas um motivo para a imersão na natureza, a procura de um espaço de ausência. Ou reencontro com uma primordial condição animal, um ser que se move num planeta fascinante, como se nada soubesse que não o instinto de uma pulsão vital, ou a liberdade imensa de um corpo indistinto dos lugares que percorre. Torga procuraria o isolamento, talvez o afastamento a outros olhares, ou o confronto eventual, o olhar crítico e desconfiado, de quem não compreende o caminhante solitário. A solidão parece ser, em Torga, solo fértil, território de criatividade e da construção poética.
Casa de Miguel Torga, São Martinho de Anta, Sabrosa. 2017

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Verão passado

[Torga 11] A terra muda e tudo acontece na sua superfície, na contínua transformação lenta da biosfera. Com os humanos há um permanente acumular coletivo de conhecimento, há bibliotecas que guardam as memórias de uma sociedade. Mas ninguém algum dia vai ler esses livros ou repousar o olhar nas imagens que congelaram as frações de um verão passado. Como nessa mais completa biblioteca, na natureza permanecerão as marcas para a leitura da evolução das matérias da terra. Vão ser registos ténues, muito erodidos pelo tempo, alternado por estios tórridos e invernos extremos.
Pinhão, prox., Alijó. 2017

Serra do Marão. 2017

Serra do Marão. 2017

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

A composição do chão

[Torga 10] É este o nosso mundo, imparável, contínuo, aberto ao desconhecido do futuro breve e imponderável. Aqui, num movimento contínuo, construímos as nossas cidades possíveis, pelo pensamento e pela palavra, tentamos descodificar uma realidade imensamente complexa, rica de significados opostos. Compomos interpretações, escrevemos e descrevemos lugares, tentamos fixar um chão que não é sólido. Fica essa memória em textos e fotografias a acrescentar novas camadas de realidade ao labirinto quântico que nós próprios construímos. 
Casa de Mateus, Vila Real. 2017

Casa de Mateus, Vila Real. 2017

Casa de Mateus, Vila Real. 2017

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Ferrão

[Torga 09] Na estrada para o Ferrão, cada curva é um lugar e uma sucessão de diferentes perspetivas, como que do topo do mundo, na Senhora da Azinheira, ao interior da terra, de horizontes fechados pelas margens íngremes de um rio. A estrada do Pinhão não atravessa esse solo agreste, mas os socalcos intermináveis do país do vinho.
Estrada Sabrosa - Pinão. 2017
Estrada São Martinho de Anta - Ferrão. 2017

sábado, 16 de fevereiro de 2019

Estrada

[Torga 08] Há duas estradas que são uma referência dos territórios de Miguel Torga. São ambas estradas de ligação ao Douro, esse grande canal fluvial e ferroviário a partir do qual, durante décadas, Torga se ligava a outros mundos, ou talvez fossem o contrário também, as estradas do regresso a casa. São dois itinerários próximos entre si, sensivelmente paralelos. Um liga São Martinho de Anta ao Ferrão, o outro liga Pinhão a Sabrosa.
Estrada São Martinho de Anta - Ferrão. 2017

Estrada Pinhão - Sabrosa. 2017

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Portugal imanente

[Torga 07] Torga é, também, a invenção de uma determinada condição de ser português. Muito deste Portugal terá hoje desaparecido, mas algo permanece oculto, imanente. Estas comunidades, unidas por todas as adversidades e infortúnios, estão em rápida extinção. O “interior” de um país que apenas parece ter, de forma cada vez mais acentuada, uma linha de mar, está a ficar vazio dos seus cuidadores. Os territórios, outrora campos agrícolas, estão a ser devolvidos à natureza, num processo de repovoamento por outras espécies biológicas.
Sabrosa, prox.. 2017

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Mundo próximo

[Torga 06] São Leonardo de Galafura é um lugar-espelho de toda uma região marcada pelo cultivo da vinha e por um poderoso rio que liga paisagens longínquas. É um lugar para ler a terra a que pertencemos. É espaço, como tempo pode ser o Santuário Rupestre de Panóias, um mundo arcaico para a efabulação sobre a vida de antepassados remotos. Vila Real, com um labirinto de ruas a partir de um promontório na confluência de dois rios, é uma cidade maior no universo de Torga, mas é também um lugar de inquietação no sopé da montanha e fragmento das palavras de Camilo Castelo Branco. A serra do Alvão, mesmo a serra do Marão, são mundos limite para lá dos quais a realidade é diferente, a realidade do quotidiano humano e a face das paisagens onde a presença do oceano se começa a fazer sentir. Estes são lugares simultaneamente próximos e distantes, são o prolongamento, com igual carácter identitário, das suas terras de origem. São os limites físicos do solo familiar, mas o ponto de partida para a criação de um particular universo literário.
São Leonardo de Galafura, Peso da Régua. 2017

Fisgas do Ermelo, Mondim de Basto. 2017

Serra do Alvão. 2017

Vila Real. 2017

São Domingos, Sabrosa. 2017

Serra do Marão. 2017

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Uma geografia de escrita

[Torga 05] Se São Martinho de Anta é a aldeia em que nasceu, entretanto elevada a vila, mundo da infância, os horizontes abertos da Senhora da Azinheira são o território fundador de uma forma particular de ler e interpretar toda uma condição de habitar uma terra dura e pobre, de onde todos os dias se tem de lutar arduamente para dela retirar subsistência. Este podia ser como que o centro nevrálgico de um mundo, de uma realidade, que não era apenas a daquele lugar concreto, não longe das fronteiras de Trás-os-Montes com o Minho e com a Beira, mas de todos os lugares que dali se conseguiam abarcar. Daqui traçou Torga um retrato frio, impiedoso, de uma vivência do Portugal interior.
Senhora da Azinheira. São Martinho de Anta, Sabrosa. 2017

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

São Martinho de Anta

[Torga 04] Numa madrugada fria do outono de 2017 chegamos a São Martinho de Anta. Vindos de Oeste, de Vila Real. Passamos a antiga escola primária. Percorremos o largo da vila. As ruas estão desertas ao raiar da aurora. Junto à fonte infletimos à esquerda, para norte. Subimos ao santuário de Nossa Senhora da Azinheira, um lugar sacralizado que nos apresenta a expressão despojada de uma natureza dura. A paisagem vai-se alterando progressivamente. Pressentimos horizontes vastos. Continuamos a subir. Avançamos um pouco mais para norte. Estamos agora num ponto elevado e, ao redor, vemos lugares distantes, aldeias entre montanhas. Este é como que o coração da geografia de Miguel Torga.

São Martinho de Anta. 2017

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Miguel Torga

[Torga 03] Um país, um escritor, o seu verbo e a descodificação de um mundo outrora perdido, hoje em perda. Torga foi um dos mais singulares intérpretes de um tempo que passou, de uma comunidade, quase um país inteiro, que tinha raízes e garras presas a uma antiguidade remota, de feição animal, faminta, de uma sobrevivência em luta tenaz contra a pobreza na mais absoluta falta de liberdade. Torga fala-nos deste passado, mas também da permanência, da dureza das matérias do quotidiano, da suavidade amarga da memória de homens e mulheres. Dignidade e resistência. Esta é a magna terra que nos acolhe, Miguel Torga, escritor de um século. Agora, caminhamos sobre uma ausência deixada na terra.

Casa de Miguel Torga, São Martinho de Anta, Sabrosa. 2017

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Contexto

[Torga 02] Foi um século de profundas mudanças em Portugal e no mundo, mas, para a nossa realidade, há uma determinada constância que se relaciona com o isolamento, com um regime político opressor que vigorou durante quase 50 anos. Se na sua fase inicial o Estado Novo conseguiu arrumar as “contas” de uma primeira República caótica, vinda do fim da monarquia, em 1910, rapidamente se fechou até, contraditoriamente, enviar para as frentes de combate dos territórios ultramarinos, a sua mais poderosa força de trabalho. O país já estava a entrar num período de aceleradas mudanças. A emigração esvaziava os campos e não tardaria o tempo em que as novas arquiteturas, casas de habitação, se farão erguer nas aldeias, sobretudo, do norte de Portugal.

São Martinho de Anta, 2017

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Regresso

[Torga 01] Há cerca de um ano, em 2018, fiz uma exposição sobre Miguel Torga, em São Martinho de Anta, Sabrosa, no Espaço Miguel Torga. Foi igualmente dado à estampa um livro, “Magna Terra - Miguel Torga e outros lugares”. As publicações que se seguem reproduzem o texto e algumas fotografias dessa edição. Depois de uma pausa, é este um regresso à descrição da “cidade infinita”.

Magna Terra - Miguel Torga e Outros Lugares. Edição Documenta

Serra do Alvão. 2017