[Limite-Viseu 01] No dia 1 de março passado fiz uma conferência no Núcleo Regional da Ordem dos Engenheiros, a convite desta instituição e também da Ordem dos Arquitetos. No âmbito dessa iniciativa, que teve como título “Viseu, quais os limites de uma cidade?”, percorri, em fevereiro do corrente ano, em recolha fotográfica, algumas das mais periféricas aldeias do município. Foram espaços onde já havia estado em 2016, num levantamento fotográfico sistemático deste concelho. Ficara dessa altura o desejo de escrever pequenos textos sobre palavras e atos políticos na relação que a autarquia de Viseu estabelece com o território.
Quando se percorre demoradamente o Portugal “interior” há uma realidade que é incontornável: um país abandonado por si próprio, desamparado, em acentuado processo de desertificação humana. Se compararmos esta realidade nacional com o concelho de Viseu, poderemos encontrar analogias que são inquietantes.
Quando observamos as freguesias de Viseu e alguns dos seus mais recônditos lugares, o que notamos é também o abandono da terra. Quando ouço o presidente da Câmara Municipal de Viseu, Almeida Henriques, a reclamar de Lisboa a coesão territorial, não posso deixar de me questionar se terá legitimidade moral para o fazer. Quando me desloco pelo concelho, a sensação com que fico é que povoações como Vila Chã do Monte, Quintãs, Forniçô ou Loureiro de Silgueiros, estão tão longe da cidade quanto Alcoutim, Vimioso, ou Melgaço estão distantes de Lisboa. E uma pergunta não posso deixar de me colocar: a Câmara Municipal de Viseu administra um concelho com 507,10 km² de área ou apenas uma cidade? E desta questão poderá deduzir-se uma outra bastante mais inquietante: não terão algumas administrações autárquicas uma responsabilidade grande no estado de abandono do “interior” de Portugal?
Uma das apostas mais evidentes desta gestão autárquica tem sido a divulgação da “marca” Viseu, tem sido a inscrição de Viseu no mapa de Portugal através de uma forte aposta no marketing e a promoção de um conjunto de eventos culturais. A Câmara Municipal criou mesmo o singular pelouro do Património, Cultura e Ciência, Turismo e Marketing Territorial, que é gerido por Jorge Sobrado. A ideia do marketing territorial não pode deixar de chamar a atenção sobre o próprio território de Viseu. Voltamos a pegar na primeira pergunta, sobre a cidade e o território do concelho. O que temo que se passe em Viseu é que a cidade absorva uma grande quantidade de recursos e deixe o resto do concelho a cuidados de sobrevivência. Não conheço nenhuma manifestação cultural, com alguma visibilidade e significado, que seja promovida, por exemplo, em Povolide, Côta, Boaldeia ou Farminhão. Atualmente é sobretudo através da cultura que se cultiva nas populações locais um sentimento de pertença e de identidade na relação que se estabelece com a terra.
O centralismo, legitimamente criticado por muitos autarcas em relação ao Terreiro do Paço, é, afinal, um modelo com raízes profundas a que não escapam os municípios e mesmo as freguesias. Estamos perante um centralismo fortemente enquistado, dominante em todos os níveis da gestão do território. Mas não poderá deixar de ser feita uma outra observação que me parece ser relativamente evidente: existe um desconhecimento generalizado do espaço administrado, desde o governo da nação até às freguesias. Ao desconhecimento, para completarmos este quadro degenerativo, juntamos uma confrangedora falta de cultura geográfica, paisagística, arquitetónica e mesmo patrimonial. Como resultado temos um país profundamente desigual.
Povoação, Viseu. 2019 |
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