[Caminhar oblíquo 18] 28 de abril, Penedo Durão - 12 de maio, Cabo da Roca. Quinze dias tinham passado. A procura de um país, do entendimento das paisagens e de como estas se relacionam com o tempo lento do caminhar, acaba por se tornar numa dura provação física, num inusitado diálogo entre corpo e consciência, quase como o abandono de uma condição racional construída por uma espécie biológica ao longo de milénios. Seria o regresso a uma "animalidade" em que perdia a linguagem simbólica, os nomes de tudo quanto me rodeava. Transformava-me em alguém que lê a terra como uma sucessão de dias e noites no ininterrupto caminhar, na procura de água, de alimento, de um ponto de equilíbrio, de uma pacificação, do encontro com uma terra “prometida”. Lugar onde se pacifica a permanente luta contra uma meteorologia instável e dura. Mas nada é permanente e um dia haverá uma definitiva partida, um fim. Agora, estava no ponto imaginário, construído talvez sobre uma ficção, em que essa referência de finitude deixara de existir como sentido. Avançava sobre uma imensa liberdade. E seria esta a essência deste movimento: a liberdade e, viria a sabê-lo pouco depois, a sua impossibilidade. O que procurava era a insondável raiz de uma dolorosa contradição, da incoerência, das peças de puzzle que não se encaixam, de um tempo que se vai construindo a si próprio sem ordem nem regras, um tabuleiro de uma inapelável complexidade. A clareza de um momento breve, como uma nuvem de pó cintilante no sol rasante do fim de tarde, que imediatamente se esvanece. O que talvez não fizesse verdadeiramente sentido era tentar descodificar racionalmente a vida, essa arquitetura. Apenas no alinhamento quase indecifrável de números e símbolos dispostos em fórmulas matemáticas, ou na arte e na poesia, encontraríamos fragmentos de contacto com mundos díspares. Um corpo liberta-se da linguagem. [Esta é o última publicação da série Caminhar oblíquo].
Serra da Estrela. 1 de maio de 2019 |
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