[porque fotografo-30] Fotografias desprovidas de um significado imediato. Apenas registos de um mundo real, que todos habitamos, imperfeito, contraditório, um somatório de gestos descontrolados, erguido de baixo para cima, sem um projeto unificador, resultado da riqueza produzida, da ausência de predadores. O real é o resultado da liberdade. Vivemos num mundo que não vemos, que recusamos, como se a responsabilidade fosse de outros, de políticos, de construtores civis, de arquitetos. Raramente percebemos que somos parte ativa no quadro que habitamos, que somos uma peça mole na sociedade que estamos, paulatinamente, a construir. Não lutamos pela mudança.
Belo texto. Sublinho: "O real é o resultado da liberdade." ou "somos uma peça mole na sociedade que estamos, paulatinamente, a construir.". Este texto impele-nos à auto-reflexão e à acção depois. Junto ao prédio onde habito, um reformado construiu um belissimo jardim num baldio. É o meu recuperador diário passar por lá e vê-lo verde e autónomo. Construído à revelia do sistema autárquico. Apenas porque alguém decidiu que o espaço público fosse mais humano e belo. É a este mundo que eu queria pertencer. Pena é, ser ainda tão raro, tão desproporcional a razão entre os que falam mal e os que tomam sozinhos a decisão de fazer o bem.
ResponderEliminarDepois de ler este post, inspirou-me este:
ResponderEliminar"«O paraíso inventado»
Junto do apartamento onde vivo, há um jardim improvisado por um reformado. Aproveitando a água que escorre pelo velho aqueduto joanino, ali plantou dezenas de espécies ornamentais.
Para compor o jardim, recolheu e dispôs objetos que ninguém queria: jarras, estatuetas, brinquedos. Aquela dispersão de elementos por entre as plantas e flores lembra um presépio profano.
Quando chego do trabalho, cansado da escola e esmagado por uma viagem de metro, aquele jardim é um bálsamo.
É a representação mais próxima do paraíso que conheci, a aliança entre a beleza da natureza e a bondade de quem o plantou, a vitória da coragem de um homem sobre a inércia dos maldizentes que afinal nada fazem. A representação espontânea do bem comum.
Há naquele espaço tal fragilidade e sacralidade que temo por ele, sinceramente.
Aquele pequeno jardim é o coração onde pulsa ainda a esperança, a vontade de encantar o próximo, aliviar-lhe as frustrações sem pedir em troca nada mais que um olhar finalmente apaziguado no regresso a casa.