Vale do Côa, regresso [11]. A construção do Museu marcou o fim de um processo, de um percurso pelas contradições da contemporaneidade, das cicatrizes deixadas no solo depois de uma batalha em que hoje já não é importante falar em derrotas e vitórias. De alguma forma todos perderam, mas também a preservação das gravuras é algo que deve ser salientado. Não podemos deixar de nos colocarmos uma questão: o que é o Vale do Côa hoje?
Gravuras rupestres da Ribeira dos Piscos (vista noturna). 1995 |
Há cinco elementos chave nesta paisagem do curso terminal do Côa. As gravuras são o elemento mais importante, pela sua singularidade, pela sua antiguidade, são a expressão da sobrevivência de uma polémica longa, mas estão rodeadas por intervenções humanas na paisagem que a marcam indelevelmente a atual paisagem do vale.
Um segundo elemento é, sem dúvida, a cicatriz deixada nas margens do rio pela obra abandonada da barragem. Houve extensos movimentos de terras que são hoje a marca de um combate perdido.
Um segundo elemento é, sem dúvida, a cicatriz deixada nas margens do rio pela obra abandonada da barragem. Houve extensos movimentos de terras que são hoje a marca de um combate perdido.
Obra da Barragem. 1995 |
Local da obra da Barragem. 2012 |
A barragem do Pocinho, no rio Douro, enche uma albufeira que chega praticamente ao lugar da Penascosa, submergindo, desde 1983, vários núcleos de gravuras. O esvaziamento pontual da barragem permitiu revelar uma realidade que não fora atendida no período da construção daquela barragem.
Barragem do Pocinho. 2011 |
Um quarto elemento é a quinta da Ervamoira, que também esteve sob a ameaça de ficar sob a águas da albufeira da barragem. Hoje esta quinta é como que um jardim desenhado num solo que se oferece com pendentes suaves.
Quinta da Ervamoira. 2012 |
Mas há um quinto elemento que nunca foi especialmente referido durante a polémica da barragem, mas que provoca na paisagem uma marca acentuada. São as pedreiras do Poio, de onde é feita a extração de xisto, de lousa, há várias décadas. O destino inicial dessa extração foi, creio, os esteios para a vinha de todo o vale do Douro. Hoje, nas quintas em modernização ou na plantação de vinha nova, são usados esteios metálicos. As pedreiras estão apostadas na indústria das rochas ornamentais, de aplicação na construção civil. O processo de extração de pedra não parece ter fim, ainda que a cicatriz causada pelas pedreiras tenha uma dimensão cada vez maior. Há um núcleo de gravuras, o sítio da Canada do Inferno, que fica a escassas centenas de metros das pedreiras. É para montante deste sítio, e até à quinta da Barca, que se situam os principais núcleos de gravuras como sejam o do Fariseu, de vale Figueira, da Ribeira dos Piscos e o da Penascosa. Para montante destas terras de xisto temos um vale que se adensa e que se aperta já em solos de granito e onde podemos ainda observar outros núcleos de expressão desenhada, particularmente de períodos da idade dos metais. Mas as pedreiras do Poio também se apresentam como um espaço de inquietação e de mistério para quem hoje as percorre. Há zonas da pedreira que estão desativadas que se assemelham à ruína de uma cidade habitada por colossos.
Pedreiras do Poio. 2012 |
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