[Limite-Viseu 03] A Cultura é, atualmente, uma das mais poderosas forças criativas e regeneradoras de uma cidade, bem como uma forte marca distintiva de uma comunidade. É como uma janela sobre o futuro de uma população que quer inovar e se quer afirmar na sua singularidade.
A Câmara Municipal promove anualmente o concurso Viseu Cultura. Aparentemente é uma iniciativa salutar que visa estimular a qualificação do setor cultural da cidade. O concurso não tem um júri. Tem uma comissão que é nomeada pelo vereador do Património, Cultura e Ciência, Turismo e Marketing Territorial, a que ele próprio preside. Paralelamente ao concurso há um conjunto alargado de iniciativas que são diretamente promovidas pela autarquia através de adjudicações diretas, ou por via da Associação Viseu Marca, financiada pela Câmara Municipal. Muitas destas iniciativas são assumidas e assinadas pelo próprio vereador, como coordenador geral. A propalada transparência, que é veiculada pelos canais de comunicação da Câmara Municipal será, afinal, bastante opaca. As consequências desta acumulação de todas as decisões da programação cultural em Viseu numa única pessoa tem uma óbvia consequência: o empobrecimento progressivo da criatividade e da dinâmica de um setor que é fundamental ao desenvolvimento da cidade.
A viciação desta situação vai ao ponto de, atualmente, se saber à partida, com alguma segurança, quais são as propostas que poderão ter financiamento cultural. Serão aquelas que se encaixam na estratégia de marketing que é seguida pela Câmara Municipal. Esta é uma das consequências da ausência de um júri independente para um concurso que servirá interesses programáticos muito próprios e direcionados. Não haverá uma agenda bem delineada de domínio de um setor que, tradicionalmente, é oposição ao governo, seja ele da nação, seja ele camarário? Em Viseu assistimos a um modelo de uso de dinheiros públicos que parece querer silenciar a comunidade criativa, que vive aprisionada na esperança de ver o seu trabalho financiado num próximo concurso.
Há uma ideia de marketing, de trabalhos que possam ter um cunho de maior visibilidade para o exterior de forma muito imediata, fácil e direta. Não há inovação ou ousadia. Propostas que caiam fora dessa agenda, terão a grande probabilidade de serem rejeitadas. Quem desenvolver um pensamento próprio e tiver ideias diferentes sobre o melhor, no seu entender, para a cidade e para o território, terá a grande probabilidade de ser excluído do financiamento camarário. Numa cidade economicamente deprimida não há, praticamente, outras alternativas. Esta é uma forma de adormecer, ou mesmo matar, a criatividade de uma urbe, é um modo de conduzir a um beco sem saída uma sociedade, é o fechar de olhos ao correr dos tempos. Este parece ser o modelo herdado de tempos em que a democracia se lutava na clandestinidade, porque acreditava que o futuro não podia deixar de ter inscrita a palavra liberdade. Que não voltemos aos tempos da opressão velada ou explícita, ao amordaçar das vozes inconformadas, do direito a querer erguer, da terra que habitamos, a arquitetura de uma sociedade justa, para todos.
A cultura tem que ser livre, disruptiva. O poder político não pode matar a diferença, pois isso significa também matar a democracia, amputar a República. No caso concreto de Viseu, aquilo que podemos assistir é suicidário. Uma cidade que não promove o pensamento e a diversidade é uma cidade que ficará para trás na feroz competição entre espaços urbanos que sejam administrados com mais abertura e inteligência. Este pode ser também um bom caminho para a desertificação humana, não só de pessoas altamente qualificadas, que só conseguirão trabalho em cidades que as saibam acolher. Há uma população que não quer viver numa cidade de ilusões que mais se assemelha ao cenário de um filme que apregoa o falso. Há um marketing erguido do vazio e um poder que talvez não o saiba ser.
Viseu. 2019 |
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