[Limite-Viseu 08] Ao longo de várias décadas, Fernando Ruas, o anterior presidente da Câmara Municipal de Viseu, modernizou o concelho e a cidade. Infraestruturou o espaço rural e conseguiu conter um desenvolvimento urbano excessivamente desregrado, como podemos observar em tantas outras cidades portuguesas de média dimensão. Fernando Ruas resgatou o concelho da enorme pobreza que vinha do regime político anterior, foi esta a sua maior conquista, foi a resposta a uma urgência.
Os tempos hoje são diferentes. As obras estão, generalizadamente, feitas. Não é necessário muito mais betão. Talvez fosse tempo de investir numa maior qualificação das populações. A escolaridade obrigatória é fundamental mas claramente insuficiente para o desenvolvimento de uma sociedade informada, exigente e livre. O investimento público na Cultura será, creio, uma das melhores formas de promover a elevação do nível de conhecimento das populações, tornando-as muito mais aptas para enfrentarem os enormes desafios que se avizinham que decorrem das alterações climáticas ou de uma geoestratégia global em profunda mutação que terá consequências sobre todos nós. Exige-se a quem decide, a quem gere organismos públicos, que promova o conhecimento, a ciência, a cultura, a arte, pois todas estas formas de saber estão estritamente ligadas.
Não consigo identificar qualquer estratégia política consistente nesta governação autárquica de Viseu e, verdade seja dita, em termos de oposição, o que observamos é desorientação. O que parece atualmente visível é que há uma cidade que absorve uma quantidade muito significativa de recursos e deixa o espaço rural do concelho sem os cuidados necessários. No fundo, como já foi aqui sinalizado anteriormente, o modelo político seguido é exatamente aquele que há séculos emana do Terreiro do Paço - um centralismo excessivo. A consequência desta situação é a evidência de um território que perde população há várias décadas. A grande marca desta administração autárquica parece mesmo ser o marketing, mais especificamente, o marketing territorial. Mas o marketing é apenas um veículo, uma mensagem. Essa mensagem tem que estar agarrada a alguma coisa. Essa “coisa”, em Viseu, é nada, é o vazio.
Viseu tem algumas particularidade que poderiam fazer da cidade um símbolo do combate por um país diferente, o país do desenvolvimento regional, da inclusão, do valor desta relação próxima entre uma cidade urbanisticamente equilibrada e o mundo rural que a envolve. A divisão territorial em distritos não tem, hoje em dia, praticamente utilidade, mas ela vigorou até há pouco tempo. Esta divisão dava-nos um indicador muito interessante: o Distrito de Viseu era o único, em todo o país, que não tinha como limite o oceano Atlântico nem fazia fronteira com Espanha, era o único distrito “envolvido” apenas por outras terras portuguesas. Viseu poderia ser um símbolo da interioridade também por estar rodeado, e em proximidade, de paisagens de grande diversidade geográfica. Viseu podia assumir esta diferença como uma enorme mais valia de desenvolvimento sustentado, para uma nova visão do espaço interior de Portugal.
Não tenho soluções, estratégias, para a resolução dos problemas da fixação de populações no interior. O desenvolvimento económico é fundamental para a atratividade de pessoas. Apenas pressinto que, sem o conhecimento detalhado da terra, nunca conseguiremos dar o salto para a inversão da situação. E a terra não se conhece apenas com mapas, imagens de satélite, ou folhas de cálculo. É necessário caminhar sobre ela, identificar os seus mais antigos trilhos, observar as correntes dos rios do inverno, ou a permanência das árvores nos mais quentes estios. Ler a arquitetura de quem nos ergueu como civilização. Subir às montanhas e saber descodificar as mais longínquas paisagens e ter o desejo de lhes chegar, o desejo de compreender o mundo que habitamos nas suas mais simples, e simultaneamente, mais complexas dimensões.
O conhecimento da terra poderá ainda transportar-nos a um modelo económico diferente, que interiorize a proximidade ao solo, ao seu valor como memória sobre o fascinante percurso que fizemos até ao presente, agora que parece estarmos a ameaçar o nosso próprio planeta. [Esta é a última publicação desta série, relativa a Viseu e o seu concelho].
Viseu. 2019 |
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