quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Transporte sublime

[ronda 28] A razão da sua vida era a construção da casa do ser. Aí juntava o seu quotidiano, tudo, ou algumas coisas, pessoas também, que lhe iam acontecendo ao longo dos dias de uma vida já longa. Era a consciência da morte ao mesmo tempo que tudo se tornava cada vez mais imensamente complexo, desde os mais pequenos detalhes. Era a ruína de todos os sistemas, das religiões, face à um progresso imparável que tudo fragmentava à sua passagem. O tempo, agora, era essa desfragmentação de um saber milenar, de que apenas restavam pedaços de poemas, leituras intuitivas e perplexas de vozes antigas, que ressoam na sua exatidão,agora que cada vez menos sabemos do futuro. Somos transportados na velocidade sublime, que tudo tende a apagar.



1 comentário:

  1. Eis um post metafísico - espécie rara no Cidade Infinita. Gostei. Reli-o duas vezes. E lembrei-me do Engº Álvaro de Campos ( que agora ando a interpretar no TPN):

    " o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
    Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
    E com o desconforto da alma mal-entendendo.
    Ele morrerá e eu morrerei.
    Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
    A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
    Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
    E a língua em que foram escritos os versos.
    Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
    Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
    Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
    Sempre uma coisa defronte da outra,
    Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
    Sempre o impossível tão estúpido como o real,
    Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
    Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra. " - excerto de "Tabacaria" de Álvaro de Campos

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