[ronda 28] A razão da sua vida era a construção da casa do ser. Aí juntava o seu quotidiano, tudo, ou algumas coisas, pessoas também, que lhe iam acontecendo ao longo dos dias de uma vida já longa. Era a consciência da morte ao mesmo tempo que tudo se tornava cada vez mais imensamente complexo, desde os mais pequenos detalhes. Era a ruína de todos os sistemas, das religiões, face à um progresso imparável que tudo fragmentava à sua passagem. O tempo, agora, era essa desfragmentação de um saber milenar, de que apenas restavam pedaços de poemas, leituras intuitivas e perplexas de vozes antigas, que ressoam na sua exatidão,agora que cada vez menos sabemos do futuro. Somos transportados na velocidade sublime, que tudo tende a apagar.
Eis um post metafísico - espécie rara no Cidade Infinita. Gostei. Reli-o duas vezes. E lembrei-me do Engº Álvaro de Campos ( que agora ando a interpretar no TPN):
ResponderEliminar" o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra. " - excerto de "Tabacaria" de Álvaro de Campos