[Cesariny 05] Naquela casa, universo fratal, íamos progressivamente descobrido pormenores dentro de pormenores, um mundo cada vez mais ínfimo, mais povoado por criaturas estranhas, mais difícil de decifrar, velocidade imparável, imagem de pensamento. História síntese de um progressivo afastamento, humano, da Natureza, para a construção de um lugar novo. Como quem atravessa uma cidade imensa depois de percorrer montanhas e florestas, e entra numa casa, no coração da grande cidade. A casa prolonga esse lugar infinito.
Fotografar um território vasto. Procurar em Portugal as raízes de uma identidade coletiva que se perde num tempo longo. Construir um arquivo fotográfico. Reinventar uma paisagem humana, uma ideia de arquitetura, uma cidade nova.
quarta-feira, 31 de dezembro de 2014
terça-feira, 30 de dezembro de 2014
Balançar
[Fogo 18] “Hoje trepei ao grande vulcão do Fogo, o ponto mais alto da África Ocidental. Foi bastante duro, principalmente por ter seguido por caminhos realmente difíceis. De qualquer forma fiz tudo o que queria e, em termos de fotografia, correu muitíssimo bem. Amanhã vou visitar uma floresta, penso que seja a maior de Cabo Verde, e fico com o grosso do trabalho concluído. Na quarta ainda quero regressar ao vulcão de 1995, Vulcãozinho. Na quinta já é dia de regresso, mas só saio daqui a meio da tarde, em direção à Praia. Depois tenho voo para Lisboa quase à meia-noite. Chego por volta das 6 de manhã.” (fragmentos de mensagens 3/11)
segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
Frases soltas
[Cesariny 04] Ora aparecia, ora se ausentava para outros pontos da casa que eu não visitara. A presença de Mário Cesariny, com a sua fisionomia, o seu corpo magro, parecia reforçar mais o carácter daquele espaço. Dizia frases soltas, sempre de uma enorme lucidez e acutilância, frases efémeras e enigmáticas, quase como mais um objecto como aqueles que diariamente construía. Frases que enunciavam a morte de um corpo, na perene juventude do pensamento.
domingo, 28 de dezembro de 2014
Monte O.
[Fogo 17] “Hoje estive também no 'monte Orlando' em homenagem a Orlando Ribeiro. Foi um vulcão que eclodiu em 1951, se não estou em erro, e estudado por ele. Mas as pessoas aqui tratam o monte por outro nome. Amanhã parto ao raiar da aurora.” (fragmentos de mensagens 2/11)
sábado, 27 de dezembro de 2014
Lugar mínimo
[Cesariny 03] No chão também havia livros, fragmentos de pinturas e outros objectos em transito, pedaços de papel. Impressionava a dimensão do espaço onde tudo se desenrolava. Era um lugar mínimo onde tudo estava contido, contrário ao que muitas vezes associamos a espaços de trabalho de artístas plásticos. Seria, talvez a imagem de uma vida difícil, de não integração, a recusa de um gesto de cedência a uma cultura vigente, atitude política, pensamento, fragmento. A casa era uma construção de décadas, a face de um homem, um projeto surrealista, um ‘navio de espelhos’.
sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
6.30
[Fogo 16] “Hoje saí às 6.30 e voltei às 17.30. O dia correu muitíssimo bem, mas muito cansativo. A paisagem é de facto extraordinária. Quando fiz o livro sobre os Capelinhos, estudei um pouco sobre vulcanologia. Agora sei interpretar razoavelmente esta paisagem. Isto parece 'os vulcões contados às crianças' tal a clareza com que se podem relatar os diferentes episódios geológicos. É mesmo muito interessante e, aparentemente, bastante simples. O que é complexo e estranho é o enorme número de pequenos vulcões nos mais diferentes locais e de tempos diferentes. Parece haver uma roleta na determinação da próxima erupção. A última foi em 1995, num local onde estive hoje. É muito interessante subir ao topo dos vulcões e observar a paisagem ao redor. Os pontos altos são de uma enorme expressividade para o entendimento das formas do relevo. Em Portugal as coisas são bem mais complexas.” (fragmentos de mensagens 1/11)
quarta-feira, 24 de dezembro de 2014
Objetos povoadores
[Cesariny 02] Nos objetos que povoavam o lugar, havia uma dimensão ínfima. Algumas peças de mobiliário, uma cama estreita, prateleiras com livros muito manuseados. Uma mesa de trabalho, encostada a uma parede, cheia de materiais de pintura, dispersos e desarrumados, era o coração oficinal da casa. Sobre ela, na parede em frente, estavam fixados quadros, pintura de vários autores, fotografias de pessoas próximas ou reproduções de homens distantes. Havia objetos tridimensionais, muitos deles construídos por Mário Cesariny, que por sua vez se pareciam relacionar com outras pequenas estatuetas, figuras que estabeleciam diálogos entre si. Um mundo explodido na ideia de comunicar, de criar.
terça-feira, 23 de dezembro de 2014
Fragmentos de Comunicação
[Fogo 15] Mais uma vez, de forma muito evidente, sinto que, por muitas fotografias que faça na tentativa de colher pedaços de uma experiência intensa, muito, muito fica de fora das fotografias. Nada substitui a experienciação dos lugares. Muito do trabalho que serve de suporte a esta Cidade Infinita luta pela representação dos lugares, pela construção de fragmentos de comunicação.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
Mário Cesariny, março 2003
[Cesariny 01] Nos dias 26 e 27 de março de 2003, visitei Mário Cesariny para fotografar a sua casa e o seu espaço de trabalho. O convite tinha-me sido feito pela Fundação EDP, que lhe entregara o Grande Prémio EDP - Artes Plásticas, em 2002. A ideia era a de registar um espaço que iria ser parcialmente esvaziado do seu conteúdo para integrar o acervo das coleções da Fundação Cupertino de Miranda. O texto que aqui se vai apresentar foi escrito mais tarde, a convite de Leonor Nunes, para o Jornal de Letras Artes e Ideias. Algumas destas imagens foram agora editadas em livro, acompanhadas por um texto de José Manuel dos Santos, numa edição Documenta, com o apoio da Fundação EDP, por ocasião dos VIII Encontros de Mário Cesariny, realizados pela Fundação Cupertino de Miranda, em Vila Nova de Famalicão.
sábado, 20 de dezembro de 2014
Dureza e fragilidade
[Fogo 13] Há muitos locais que são inacessíveis pela dureza e fragilidade, simultâneas, do solo. O terreno é duro, desde as cinzas vulcânicas até às escórias extremamente cortantes e muito irregulares, não é, muitas vezes, fácil caminhar em extensões abrangentes de paisagem. Uma queda pode levar ao esquartejamento do corpo, mesmo a procura de apoio numa rocha a um pequeno desequilíbrio pode ter consequências nas mãos desprotegidas. Mas a paisagem tem um apelo forte.
sexta-feira, 19 de dezembro de 2014
Açores, do Fogo
[Fogo 14] Antes de partir para o Fogo apenas conhecia os vulcões açorianos, e algumas paisagens vilcânicas mais antigas, como a ilha da Madeira. Fizera leituras várias sobre geologia e vulcanologia quando preparava o livro Fogo Frio - O Vulcão dos Capelinhos, publicado em 2008. A história, a compreensão da formação e evolução da Terra, supera qualquer ficção que se tente desenhar sobre este processo. Era esse, talvez, o maior ensinamento que retirava dos Capelinhos, que, no Fogo, recordava com enorme vivacidade.
Faial. Açores. 2007 |
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