quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A margem do turismo

Cascata de Pitões das Júnias. Serra do Gerês. 2012
[Gerês 43] Há um Gerês turístico e há um alto da serra profundamente desconhecido. Quando alguém diz visitar o Gerês, ou passar férias no Gerês, refere-se quase invariavelmente às terras baixas, às albufeiras das barragens do rio Cávado, zonas balneares fluviais, ou a aldeias como Tourém ou Pitões das Júnias. De vários pontos das serras vizinhas podemos observar o penedia imensa e assombrosa do Gerês, a imponente montanha. Mas esta será vista como algo inacessível, território de feras e de atmosfera agreste e inabitável. É nestes topos, e nalguns vales de difícil acesso, que reside a maior singularidade desta montanha no contexto de todo o espaço português.
Serra do Gerês. 1991

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Nevoeiro

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 42] Em dias de verão não é, na atualidade, vulgar assistirmos a súbitas mudanças atmosféricas, mas elas podem acontecer. Num passado relativamente recente, o clima era mais frio e, talvez há 150 anos, ainda havia no Gerês neves perenes, que não derretiam durante o verão. As mudanças atmosféricas podem acontecer e é este um dos maiores perigos de uma montanha isolada. Pode-se abater sobre as terras altas um nevoeiro denso, ou chuva, que perturba de forma acentuada a caminhada. É aqui que é necessária alguma experiência para lidar com a adversidade, talvez mesmo alguma intuição numa orientação difícil, em que as opções podem ter os custos de um esforço acrescido e desnecessário, com a consequente desmoralização para atingir um determinado objetivo, que nestas situações é tão só o de chegar a um porto seguro. O nevoeiro evidencia a importância de alguma experiência na relação com a terra, com a orientação, com algumas normas básicas de segurança, cuja principal talvez seja o manter sempre a calma e serenidade.
Serra do Gerês. 2012

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A vida continuada

Pedro Belo e Duarte Belo. Serra do Gerês. 2012
[Gerês 41] Viajar com o meu filho mais velho: um entendimento do viajar que se passa para uma geração mais nova, tal como havia sido feito comigo, com o Álvaro Duarte de Almeida, anteriormente referido em texto sobre o Côa. Esta forma de viajar encerra alguma singularidade, requer uma mínima aprendizagem, que mais não é que vivenciar uma liberdade que, eventualmente, não imaginaríamos, emersos num mundo completamente urbano, presos a dependências tão simples como o conforto de um teto, uma porta fechada, o acesso à eletricidade ou à água corrente.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Ainda ser tecnológico

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 40] Esta é uma viagem deliberada feita com muito poucos recursos, como estar dentro de uma cápsula de uma economia pobre. Mas este é o gesto determinado de alguém que se quer afastar. Há contradições nesta atitude de fuga, além do vestuário ou do equipamento de campo, não deixo de transportar uma câmara fotográfica de valor relativamente elevado. São elementos que me prendem a uma civilização de conforto e de elevado desenvolvimento tecnológico. Não deixa de ser importante o despojamento dos gestos, a solidão, o movimento sem rede numa paisagem agreste, onde, durante dias, não nos cruzamos com ninguém, onde passamos serenos a escuridão da noite.

Milhares de fotografias

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 39] Organizar de um arquivo fotográfico onde, posteriormente, podem ser feitas múltiplas leituras e interpretações. Esta é uma das maiores singularidades desta fotografia documental: um observador das imagens pode escolher o seu caminho de leitura de um arquivo, escolhe a própria celeridade de observação das imagens. Neste sentido a tecnologia digital oferece algo como antes não pudera ser observado, no entanto terá de haver um trabalho prévio de organização desse mesmo arquivo. Este é um dos desafios mais estimulantes e criativos numa fase de pós-produção das fotografias. É aqui que, muitas vezes, tem origem novos caminhos que se bifurcam, que dão origem a diversas leituras e trabalhos singulares. Há um momento em que as fotografias não são ornamento, não são para pôr numa parede da casa de alguém ou numa galeria, não é esse o seu objetivo. Estas fotografias são um discurso, talvez mais próximo da escrita de relação com a terra, do relato de um habitar o movimento. Há a descodificação da terra como se aí existisse a chave do entendimento da postura humana, no quadro da evolução da vida no planeta Terra.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O equilíbrio instável

Serra do Gerês. 1991

[Gerês 38] Aqui, na fotografia digital, temos uma representação mais próxima do que fora uma vivência da viagem, muito superior ao que tendencialmente era permitido pela fotografia analógica. Talvez nesta última fosse mais procurada uma fotografia cuidadosamente equilibrada, composta, do que um documento que regista uma passagem, que quer fixar um tempo e um espaço que passam à frente dos nossos olhos com a voracidade célere de um relâmpago.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Conceptualizar

Serra do Gerês. 2012 (dg332448)
[Gerês 37] Um número elevado de fotografias revela outras faces. Revela a dimensão física de uma fotografia de relação próxima com a terra; revela como que uma aproximação a uma ideia de cinema, sem no entanto se confundir com essa prática, pois as fotografias continuam a ser ínfimos fragmentos de uma realidade visível, de laços com a leitura do tempo completamente diferentes daqueles que encontramos na imagem em movimento.
Serra do Gerês. 2012 (dg332449)

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Manuseio

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 36] Mas há uma outra questão que não se punha com a fotografia analógica: não havia "software". Havia muitos aspetos operativos na câmara escura que só eram conseguidos por especialistas com uma larga experiência de trabalho. Havia efeitos que não eram de todo possíveis de obter com a fotografia analógica. A informática trás à fotografia a democratização de um processo, a acessibilidade de uma técnica que, sendo muito complexa e intrincada nos seus detalhes, é relativamente fácil de operar nos seus conceitos básicos. Far-se-ão hoje melhores fotografias do que no passado? Não, mas não é essa a questão essencial. Abriram-se novas portas para o entendimento da imagem fotográfica, alargou-se o campo da própria fotografia, das suas práticas. A fotografia documental, nomeadamente no que diz respeito à fotografia de território, muito poderá ter a ganhar com a tecnologia digital.

domingo, 21 de outubro de 2012

As câmaras do tempo

Canon 5D MarkII, Nikon FE2. 2012

[Gerês 35] Estas fotografias feitas no Gerês também representam uma certa inquietação na voracidade de um progresso tecnológico sem limites. Há 20 anos usava uma câmara analógica e carregava com dezenas de filmes comigo. Há 10 anos já estava "convertido" ao digital mas com uma câmara que hoje se poderia considerar obsoleta. A tecnologia evoluiu de tal forma que tudo está diferente, seja a qualidade e diversidade das lentes disponíveis, seja a resolução das imagens produzidas, seja a capacidade de armazenamento dos cartões de memória, seja a capacidade das baterias. De um ponto de vista do registo fotográfico documental, os tempos atuais propiciam um trabalho de maior rigor e qualidade. O tempo da fotografia digital trás consigo o alargamento exponencial do mercado da fotografia e com ele um novo paradigma da constante mudança e evolução de todas as tecnologias associadas à captura da imagem e, genericamente, a tudo o que se relaciona com a informação e com a produção de conhecimento.

sábado, 20 de outubro de 2012

A fotografia e a biblioteca

Fotografias. Serra do Gerês. 2012

[Gerês 34] 17.004 fotografias feitas nas duas viagens ao Gerês em 2012. Poderá parecer algo angustiante a consciência da incapacidade de olhar atentamente todas as fotografias produzidas. Mas este facto cria um território novo: uma paisagem a que podemos regressar, passados anos, aleatoriamente. Esta é uma paisagem que também se pode perder e nunca mais ser visitada, como um livro numa imensa biblioteca que nunca é folheado por um leitor. Há aqui, no entanto, ao contrário do que acontece numa paisagem sob uma atmosfera variável, a permanência das imagens, a fixação de um tempo progressivamente mais antigo e inacessível. Há agora uma paisagem petrificada, uma escrita lavrada para um tempo longo.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Números

Caderno de apontamentos. 2012
[Gerês 33] Que conclusões poderíamos tirar dos números que se seguem? Em 1991, em 12 dias, fiz 1.260 fotografias (32 filmes [nb0682-nb0713] de fotografias a preto e branco). Este ano, em 11 dias de agosto, fiz 17.004 fotografias (dg317884-dg330252 - dg330400-dg335034). As médias diárias de fotografias também são expressivas: 1991 - 105 fotografias/dia; 2012 - 1.546 fotografias/dia. A razão das fotografias entre as duas viagens foi praticamente 15, por cada fotografia feita em 1991, fiz 15 em 2012. Defendo que a quantidade é significativa, não apenas por um registo mais exaustivo, mas também porque há o disparo fotográfico muito mais intuitivo, sem a necessidade de equacionar cada fotografia, dentro de um número limitado de fotografias diárias. Mais uma questão: claro que seria possível fazer em analógico o que fiz em digital. Se dividirmos o número total de fotografias de 2012, 17.004, por filmes de 36 exposições, obtemos um total de 472 filmes. É uma quantidade pouco operativa, que pior se torna se contabilizarmos o peso dos filmes que carregamos às costas. Mais uma conta simples: uma caixa com seis filmes pesa 187 gramas, 472 filmes pesam 14,7 quilos.
Caderno de apontamentos. 2012

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Aquário

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 32] Aqui deixamos momentaneamente de fazer parte de uma economia global. Deixamos de pertencer a um mundo comum, tal como ele pode ser grosseiramente definido num país da União Europeia. Deixamos as rotinas laborais e sociais que nos prendem a uma sobrevivência urbana. De repente, por uns dias, tudo é diferente. Não há torneiras ou roupa lavada, não há comida quente, sabão, toalha, luz elétrica, livros, televisão ou computadores. O telemóvel não tem rede. Estamos isolados e parece nem haver contas para pagar ao fim do mês. Chagamos a duvidar que o dinheiro tenha qualquer utilidade. Durante dias estamos submersos nas águas de um aquário de um tempo arcaico.
Serra do Gerês. 2012

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Finanças

Planalto da Mourela. 2012 
[Gerês 31] Há um outro aspeto sedutor neste viajar, que sempre foi determinante para a possibilidade de numerosas deslocações, e bastantes fotografias. Fazendo as contas aos gastos efetuados, nestes onze dias de saída, chego a um valor de cerca de 80,00 euros (oitenta euros). Foi o gasto em combustível, para fazer cerca de 900 quilómetros; duas viagens, de ida e volta, entre Viseu e o Gerês. Os gastos em alimentação não foram diferentes daqueles que teria na cidade, foram talvez mesmo mais reduzidos. Passando as noites na serra, ao relento ou dentro de uma pequena tenda, não tive gastos de alojamento. Assim, não contabilizando as despesas com fotografia, que com a tecnologia digital são bastante reduzidas, os gastos efetuados rondam os, já referidos, 80 euros; se dividirmos este valor por onze dias de campo obtemos um gasto diário de 7,27 euros.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Segunda pele

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 30] A roupa como uma segunda pele. Um certo fascínio pela matéria que nos cobre o corpo e que acaba por definir um pouco da nossa própria identidade. Muitas vezes a roupa roçada tem uma conotação social ligada à pobreza, à falta de recursos económicos para manter uma aparência decente. Na montanha os códigos podem ser outros, a roupa é memória, pode trazer inscritas viagens passadas, um rasgão indicia um momento particular no tempo, perdas de cor pontuais, ou localizadas, são atribuídas a um uso especifico, depois há uma alteração da textura, há um odor característico, que se mistura com o nosso próprio cheiro e ao qual somos praticamente insensíveis. O vestuário usado conta-nos uma vivência que é uma história de vida, é quase como uma fotografia que muito poucos sabem descodificar, é, assim, como vestir um código secreto, o conforto de uma identidade invisível para os outros. As roupas velhas podem proporcionar um bem estar que valiosos trajes não poderão alcançar. A montanha despoja muito do que somos, reduz-nos a uma condição essencial, mas para tal temos que ter por ela um respeito primordial, deixar que ela, de algum modo, nos molde um pouco do que somos.
Serra do Gerês. 2012

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Encontros humanos

Minas dos Carris. Serra do Gerês. 2012

[Gerês 29] Nestes dias de viagem pelo Gerês foram muitos escassos os encontros com pessoas, apenas três, para ser exato. Um primeiro foi a caminho da capela de São João, com um jovem casal portuense, que vinha da capela com um incontido maravilharento pelo lugar. Um segundo encontro foi no dia seguinte com um grupo de três jovens com queijados na mão, próximo da Fonte Fria, que me perguntaram se já tinha visto lobos. Disse-lhes que não e a ideia com que fiquei, pela excitação e energia dos seus rostos, foi a de que procuravam o confronto com os animais, ou o reviver de mitologias da montanha que nos contam séculos de luta que terminou há décadas e praticamente levou a extinção do lobo naquele reduto distante. Um terceiro e último encontro deu-se nas Minas dos Carris, com um grupo de quatro jovens, com um ar citadino, com que me cruzei e não fora eu saudá-los com um "boa tarde" teriam passado por mim como cães por vinha vindimada. Interiorizo que há um código universal em que quando duas pessoas se cruzam num lugar isolado se cumprimentam e falam um pouco. É esta a minha experiência, quase infalível, por lugares isolados.

domingo, 14 de outubro de 2012

Horizontal

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 28] No chão da montanha, antes de adormecer sob um céu estrelado, resumimos em breves segundos, ocasionalmente, uma condição de ser humano. Um percurso com todas as contrariedades e contradições, os momentos tranquilos ou a alietoriedade com que muitas vezes nos deparamos. Aqui nos encontramos com algo de essencial, poucos seres, poucas coisas de uma simplicidade difícil de imaginar, mas que ali fica horizontal e condensada.
Serra do Gerês. 2012

sábado, 13 de outubro de 2012

Respirar a terra

Rocalva. Serra do Gerês. 1991
[Gerês 27] Estas fotografias são o espanto e a perplexidade de um regresso, passadas mais de duas décadas, a uma montanha remota. Mas são também o permanente retorno a trabalhos iniciais em que a feitura das fotografias não tinha um fim objetivo, ao mesmo tempo que eram acompanhadas por uma forte carga intuitiva. Eram os tempos passados em que, sem o saber, elaborava uma condição de pesquisa, os caminhos de uma muito demorada viagem que continua em sucessivos pontos do presente. São as voltas dentro de uma vida humana, as fugas, os reencontros, as perdas, a surpresa, a continuidade de uma caminhada interminável, o respirar da terra, a humidade, a recriação de todos os lugares humanos.
Rocalva. Serra do Gerês. 2012

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Crise

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 26] Agora vivemos um período de crise que parece não ter um fim à vista que não seja o definitivo colapso de um sistema económico em que os grandes esmagam definitivamente quem os alimenta, num evidente gesto de alienação suicidária. Talvez não estejamos longe do regresso, sem honra nem glória, a uma civilização de pobreza, que está fixada em livros que hoje ninguém lê, na memória esquecida nas estantes infindáveis de uma biblioteca. Piso essa terra de regresso numa condição de caminhante, que dorme sem teto, com alimentação racionada, a procura contínua da água, que espera a inquietação da noite fria e o dia seguinte que nos pode trazer o nevoeiro.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Performance sobre a montanha

Prados da Messe. Serra do Gerês. 1991
[Gerês 25] No regresso a um lugar que de alguma forma referenciou do nosso passado, neste caso há mais de vinte anos, é-nos devolvido um estranho vazio, uma ausência difícil, toda uma história que aconteceu e arrastou consigo uma série de sonhos e impossibilidades. Mistério de tempo e espaço. Aqui confronto-me com a significação destas fotografias, com o caráter performativo deste gesto, deste movimento sobre as paisagens. Registamos algo que imediatamente deixa de existir. A continuidade de um movimento espontâneo sobre a terra fica fixada numa sequência de fotografias.
Prados da Messe. Serra do Gerês. 2012

As cores das árvores


[Gerês 24] Esta viagem ao Gerês, aqui apontada, foi feita pelos cumes, entre o céu e a terra. Foi um caminhar nas terras altas para uma leitura topológica dos elementos estruturais da montanha. Quando folheamos Árvores do Parque Nacional da Peneda-Gerês, depara-mo-nos com outra viagem, com outra proposta, muito próxima, e simultaneamente distante, dos topos despidos da serra. É o mundo da floresta autóctone, um universo denso e fascinante, mutante, sujeito à uma enorme variabilidade provocada pelas estações do ano. O Gerês é este complexo de várias faces, impossíveis de abarcar de uma só mirada. Miguel Dantas da Gama trabalhou durante quatro anos numa intensa recolha fotográfica para fixar as cores desta terra interior, deste labirinto sobrevivente a centenas de anos de incêndios, de práticas agrícolas nocivas a ecossistemas de uma riqueza extraordinária. Se nas cotas mais elevadas da serra do Gerês, entre o cinza do granito e o azul do céu, parece tocarmos o cosmos, no interior da floresta estamos próximos do coração da terra. Verde, castanho, vermelho, amarelo, o som da água corrente, a luz coada pelas copas das árvores, a humidade do ar, um chão de sedimentos acumulados, o ocasional canto das aves, tudo é aqui diferente, neste convite irrecusável a uma viagem de seres enormes e misteriosos que se elevam na direção do espaço sideral.
(Miguel Dantas da Gama, Árvores do Parque Nacional da Peneda-Gerês, edição Canhões de Pedra, Porto, 2011)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Paisagens fantasmáticas

Serra do Gerês. 1991
[Gerês 23] Na viagem ao vale do Côa, anteriormente exposta neste espaço, havia uma procura deliberada de lugares relacionados com as gravuras, que tinham sido vivenciados num contexto bastante diferente do que hoje são, devido à criação do Parque Arqueológico. No Côa tudo mudara significativamente. No Gerês, onde várias vezes estivera no passado, não procurava esse hiato habitado num tempo de há mais de duas décadas, mas ocasionalmente confrontei-me com o espanto de um tempo que passa e tudo transforma à sua passagem e a impossibilidade de qualquer regresso. Um espaço pode estar hoje sensivelmente como o encontrara no passado, mas um olhar atento apenas nos devolve um fantasma, uma imagem ténue de qualquer coisa inacessível. Questiona-mo-nos quem esteve ali há mais de vinte anos? Quem eram aquelas pessoas? O que aconteceu entretanto, qual é hoje a face de cada um de nós? Procuramos fotografias antigas e no preto e branco descortinamos os fragmentos de um tempo breve e fugidio. Talvez tenha ali acontecido um ponto de equilíbrio na eminência de um futuro de alietoriedade desconcertante. Há a sensação de ter chegado demasiado tarde a um encontro. Alguém, alguma coisa que procurávamos já não se encontrava neste lugar. Será aquele o lugar? As fotografias carregam, por vezes, uma verdade inquietante, pontos incontornáveis de consciência de saber, momentos de iluminação de um itinerário sombrio, reunião de tempos desfasados. Resta-nos voltar costas, continuar a caminhar, subir mais uma montanha, olhar o horizonte possível.
Serra do Gerês. 2012

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Cumes sobre cumes

Serra do Gerês. 2012

[Gerês 22] No topo da serra relembro, ocasionalmente, a serra do Leiranco, no percurso de Chaves para Pitões das Júnias. A maior parte das serras portuguesas são como que montanhas-miradouros, são elevações sem complexidade, isto é onde muitas vezes podemos observar abrangências largas de paisagens envolventes, mesmo na serra da Estrela, acontece um pouco isto. No Gerês, há uma enorme extensão de terra elevada de onde apenas se avistam outros cumes que emergem de uma superfície profundamente retalhada por vales cavados, outras linhas de cumeeira, o que dá uma sensação de isolamento de um mundo civilizado que daqui praticamente não é visível. Esta é uma das maiores singularidades deste espaço no contexto da paisagem portuguesa.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Gelo


Cocões do Concelinho. Serra do Gerês. 2012
[Gerês 21] Ainda não tinha lido nada de concreto sobre as glaciações na serra do Gerês, mas em determinados locais da serra pareceu-me uma evidência que enormes volumes de gelo já haveriam ter percorrido alguns daqueles vales cimeiros. Confirmei-o mais tarde. A questão da existência de glaciares no Gerês foi recusada pela comunidade ciêntífica durante muitas décadas. A serra da Estrela seria o único local em Portugal em que, no passado, teria havido rios de gelo. O Gerês era demasiado baixo. Só a partir dos anos oitenta do século XX, com a realização de trabalhos de campo exaustivos, se provou a existência de vários vales ocupados por glaciares, nalguns casos a altura do gelo terá atingido os 150 metros e uma extensão de 7 quilómetros. Os glaciares são a memória de um antigo clima da Terra.
Cocões do Concelinho. Serra do Gerês. 2012

domingo, 7 de outubro de 2012

A floresta perdida

Serra do Gerês. 2012

[Gerês 20] Por vezes na serra, em altitudes relativamente elevadas, encontramos como que um pedaço de floresta perdido, algumas árvores sugerem um antigo povoamento entregue às espécies autóctones e não ao pastoreio e às queimadas. Imaginamos um planeta antes da expansão humana, antes do advento da fixação de comunidades no abandono do nomadismo, ou do movimento contínuo. É esse movimento contínuo que se procura nestas fotografias, ou a descodificação de um tempo primitivo e inacessível.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Situar

Serra do Gerês. 2012

[Gerês 19] Há a procura posterior do conhecimento de alguns factos e dúvidas que surgem da leitura das paisagens, muitas vezes depois de as ter visitado, mas, de qualquer modo, o objetivo base destas viagens é o aprofundamento de um olhar fotográfico, bem como a exploração de algumas possíveis palavras breves que se possam escrever para a descrição de um processo descritivo e de um caminhar. Há um conhecimento que se espalha como uma mancha de óleo. Uma reflexão sobre os fins e os objetivos de um trabalho em fotografia, como aquele aqui que é aqui apresentado informalmente, que se quer próximo, também, da escrita, não pode deixar de se questionar sobre o enquadramento e possibilidades desta abordagem, deste silêncio.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Desvincular

Serra do Gerês. 2012

[Gerês 18] Estas imagens querem a desvinculação de uma prévia ideia de belo associada à fotografia, querem a desvinculação de um determinado entendimento do que é a fotografia contemporânea, no que se considera ser a sua linguagem criativa. São fotografias que querem ser lugar e, talvez, escrita, palavra. Não querem ser pontos, momentos, querem ser um contínuo, como o respirar, como o olhar que se move incessante por uma viagem imensa, pelo sentido e sentimento da vida.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Não escrever

Serra do Gerês. 2012
[Gerês 17] Há uma fotografia física que percorre, quase incansavelmente, estas paisagens num período de tempo relativamente curto. Durante a viagem não foi escrita uma única linha, não foi tomado qualquer apontamento. Há uma vivência plena em que as fotografias são os pontos de relação com a terra. Esta escrita breve foi produzida à posteriori. Aqui é procurado de um discurso de contemporaneidade, a representação da terra e a fabricação da fala que relata essa mesma construção. É a continuidade de um percurso de aprofundamento do conhecimento da terra, de Portugal.