|
12.12.12. Páginas 156 e 157, com fotografia de Duarte Sá. |
Uma situação relatada, já no fim do livro, prende-me a atenção: um fotógrafo de Funchal fala das perdas do seu trabalho, das quebras do seu negócio. Um número progressivamente menor de clientes e as suas palavras na afirmação de que o advento da fotografia digital e a crise atual estão a provocar o fim da sua atividade.
Do que Gil Santos, da Foto Sol, Funchal, fotografado por Duarte Sá no projeto 12.12.12, nos fala é também, talvez sobretudo, de um momento em que uma alteração civilizacional parece estar em curso, e pouco ficará como o era há poucos anos atrás. Uma poderosa máquina económica e financeira, avança cega a cobrar muito mais do que lhe era devido; depois de vender o dinheiro barato, vem agora cobrar o que antes não fazia parte do contrato. Descobrimos todos, incautos, que o nosso labor, progressivamente desvalorizado, nunca será suficiente para pagar uma dívida que cresce todos os dias. Aparentemente conseguimos nomear responsáveis, mas não é fácil encontrar culpados, numa mancha de responsabilidade coletiva que alastra imparável, que todos nos arrasta para o seu absurdo. O sistema de trocas em que vivemos parece conter algo de suicidário, como um vírus que alastra dentro de um organismo até provocar a sua morte, e assim também ele morrer. Dir-me-ão que entretanto passou para outro organismo, pois é essa a "determinação" viral, pois vive de se expandir indiscriminadamente, para assim permanecer vivo. Numa economia globalizada fazemos todos parte de um único organismo, estamos todos conectados: a Terra é o corpo comum que todos habitamos. Estamos perante a eminência de um choque civilizacional.
Mais do que nos prendermos às imagens, este livro fala-nos dos fragmentos dispersos do tempo presente. Fala-nos da determinação de um conjunto de fotógrafos que não deixa de trabalhar no olho do furacão, deste tempo que toda a criatividade parece querer aniquilar. Fala-nos de um conceito de edição que não teme a convivência com a palavra, com a voz de diversos autores, que conferem à edição um carácter de diálogo complexo entre identidades. É um livro que nas suas páginas celebra a esperança e a não-desistência. Entre vidas desconexas há a dignidade que comunica um sentimento, que generosamente se oferece um olhar despojado, há também a matéria, as construções humanas e em tudo uma imensa incerteza.
Fotografias: Lara Jacinto; José Carlos Carvalho; Nuno Veiga; Adriano Miranda; Vasco Célio; José Manuel Ribeiro; Adriana Morais; Ricardo Meireles; Nuno Fox; José António Rodrigues; Duarte Sá e Rodrigo Cabrita.
Textos: Graça Morais; Carvalho da Silva; Paulo Barriga; Ana Cristina Pereira; Nuno Faria; Luís Afonso; Ana Sá Lopes; Fernando Alves; Frei Fernando Ventura; Rui Goulart; Vicente Jorge Silva; José Luís Peixoto.
Prefácio de António Barreto e design de Paulo Barata Corrêa e Rita Múrias.
Edição Quidnovi.