[A Construção da Fuga #21] Há qualquer coisa de severo, de pleno, neste passado em que muitas vezes fomos felizes sem o sabermos, apenas tomando consciência desse facto muitos anos depois, quando esses momentos, ou períodos, já não nos são acessíveis. Talvez mesmo como espécie, transportemos no interior das nossas células este passado biológico que todos os dias descobrimos no transporte para o futuro. Estes são os passos deambulantes por uma paisagem. É o que fica de sensações de uma vivência que muitas vezes não passa nas fotografias dos lugares, mas é como uma realidade latente que permanece na memória do viajante. É um elemento complementar de todos os registos fotográficos, escritos sobre uma paisagem, mas a que mais ninguém tem acesso. Há uma luta com a expressão para tentar deixar impresso, de alguma forma, esse fascínio, este labirinto que se procura simplificar. Este é o sentido e o símbolo destas palavras, a procura interminável para a qual uma vida parece ser pouco, mas que num momento fugaz, muita vezes, tudo aparece para se esvanecer com a velocidade de um relâmpago, ou de um sonho que imediatamente se apaga nos primeiros segundos do nosso despertar. É desse sonho que vêem estas palavras, vêem também do que fica por trás de todas as fotografias, desse ato compulsivo, sóbrio, de tentar captar, não uma realidade visível, uma paisagem, mas como tudo isso fascina, não apenas de um conceito de belo, mas sobretudo de uma razão descodificadora de um fascínio, e da vivência vital de um momento, que se quer fixar, materializar numa dimensão de memória, arquivar numa permanência viva, transmitir. E a vida vai-se tornando progressivamente mais complexa por juntar todas as fotografias e memórias num território de desprendimento do seu referente, por querer tornar acessíveis, em simultâneo, todos os momentos de um passado construído num tempo de que hoje apenas restam fragmentos de uma vivência que os definiu e que, na altura, lhes conferiu sentido, razão de ser. É nesta perda de vínculo que se joga o equilíbrio precário de um presente denso.
"É nesta perda de vínculo que se joga o equilíbrio precário de um presente denso."
ResponderEliminarIsso é a vida e a consciência, em si mesma*