sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Bosque de Sombras Perfumadas (3/8)

Botas de campo de Orlando Ribeiro, fotografadas em sua casa, em Vale de Lobos. 1997


Esta visita, este contacto com Orlando Ribeiro e com a sua obra, não mais me abandonaria e iria funcionar como uma memória de referência em muitos dos trabalhos que desenvolveria num futuro em que não mais deixei de percorrer Portugal. Quase vinte e cinco anos passaram sobre o meu primeiro contacto com a obra de Orlando Ribeiro. Regressei a Portugal - O Mediterrâneo e o Atlântico, e é com renovado espanto que releio o texto, agora que o território português sofre alterações cada vez mais profundas e mais aceleradas. Orlando Ribeiro mostra-nos um mundo à beira da sua própria implusão. Era o fim de uma realidade rural e arcaizante e o advento de um tempo diferente. Era o fim de uma cultura milenar de relação com a terra. A escrita, mas também as fotografias, mostravam-nos um mundo de relação próxima com a terra, um mundo em que, enredado numa evidente pobreza e austeridade, parecia, a seu modo, perfeito, integrado numa harmonia cósmica, pleno de sentido pela forma como se agarrava aos ciclos dos dias e das noites, da sucessão dos anos. Os seus textos descrevem-nos uma realidade humanizada e singular, mas também o sentimento de uma mudança eminente. Um dos maiores fascínios da sua obra é o rigor desse relato do Portugal de meados do século XX. Há um saber que cheira a terra. É notório, como fonte fundamental de conhecimento, o contacto com as populações locais, com a expressividade de uma terminologia própria da vida quotidiana das pessoas, dos trabalhadores. O seu saber rigoroso e erudito não provinha apenas da leitura e do contacto com os grandes mestres da geografia europeia da época, vinha muito, também, desse demorado trabalho de campo e de proximidade com as pessoas. Não foi apenas o mundo rural que entrou em declínio, mas a própria ciência geográfica vai também assumir novas direcções. (continua)

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