segunda-feira, 9 de maio de 2011

Gérard

Acompanhava o trabalho de Gérard Castello-Lopes há vários anos. Lembro-me do impacto que teve sobre mim ver a sua exposição na Galeria Ether - Vale tudo menos tirar olhos, no final da década de 1980, no ressurgimento que fazia na fotografia, depois de 17 anos de ausência. Era uma única fotografia no piso superior da galeria, exposta na parede do fundo, que ocupava quase completamente. Era um enorme rochedo que parecia flutuar nas águas do oceano.
Um dia recebi uma chamada da editora Assírio & Alvim, solicitando-me uma fotografia para incluir num livro de ensaios de Gérard Castello-Lopes, cuja edição estava a ser preparada. Fiquei com um secreto contentamento, por saber que um fotógrafo que admirava há tantos anos, apreciava o meu trabalho. A fotografia, que tinha sido pedida pelo próprio Gérard, era uma do penedo maior do Santuário Rupestre de Panoias, perto de Vila Real, no Norte de Portugal. Havia alguma proximidade entre esta fotografia e aquela que eu observara, anos antes, na Galeria Ether.
Não muito mais tarde, no dia da inauguração da exposição antológica 'Oui/Non', sobre a obra do Gérard, realizada no Centro Cultural de Belém e comissariada por Luísa Costa Dias, dirigi-me a ele e apresentei-me. Desde esse momento não mais iria perder o seu contacto. Recebi-o em minha casa e estive por diversas vezes em sua casa, nas faldas atlânticas da Serra de Sintra, com vista para a praia do Guincho. Um dia, em passeio pedestre juntamente com mais alguns amigos, fomos visitar o 'célebre' rochedo que parecia levitar sobre o mar. Embora a saúde do Gérard não fosse na altura a melhor, não deixou de apresentar a sua postura de um homem determinado e de passo acutilante.
Do seu trabalho em fotografia guardo a imagem de alguém que não desistiu nunca de um olhar franco e verdadeiro de, como ele próprio dizia, 'quem olha para o mundo pela primeira vez'. O seu trabalho tinha uma singularidade que se manteve ao longo de toda a sua vida: era movido pela procura desse olhar da infância. Actualmente trabalhamos quase sempre movidos pela ideia de um projecto, ou uma encomenda. Partimos para o mundo visível com a câmara fotográfica, com um determinado fim e um objectivo premeditado o que, certamente, condiciona o resultado da nossa observação e registo. No Gérard permaneceu sempre um arcaísmo que nos revela o princípio de qualquer coisa da génese substancial da imagem fotográfica significante, da sua ontologia.


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