quinta-feira, 29 de julho de 2021

Percurso

[Suzanne Daveau 10] Não vamos aqui traçar uma biografia científica de Suzanne Daveau. Esse trabalho foi desenvolvido por Maria Fernanda Alegria e publicado, com o título GEOgrafias de Suzanne Daveau, pelo Centro de Estudos Geográficos, em 2015. Não podemos, no entanto, deixar de apresentar alguns aspetos do seu percurso. O seu mergulho na investigação científica dá-se logo após a conclusão dos estudos em Geografia quando inicia o doutoramento sobre o Alto Jura, na fronteira entre a França e a Suíça, em 1950. O desenvolvimento do trabalho foi várias vezes interrompido. Só em 1953 é que avança com disponibilidade para a investigação no terreno. Les Régions Frontalières de la Montagne Jurassienne - Etude de Géographie Humaine seria terminado na primavera de 1957. Suzanne Daveau costuma ser referida como alguém da geografia física, mas a sua formação inicial foi em geografia humana. O principal motivo para abraçar a geografia física tem uma explicação muito simples descrita pela própria Suzanne: o desconhecimento da língua dos territórios em que viria a trabalhar mais tarde, primeiro em África e depois em Portugal. Para o desenvolvimento de projetos de investigação em geografia humana era absolutamente necessário ter um contacto direto com as pessoas, ouvi-las, poder falar com elas sem mediadores. Em Portugal, onde se viria a fixar, primeiro como investigadora da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1965 e mais tarde, em 1970, como professora catedrática associada do Departamento de Geografia da Universidade de Lisboa, começou por estudar aspectos da geomorfologia e do clima, enquanto, simultaneamente estudava a língua portuguesa. 

Estes trabalhos em geomorfologia e climatologia viriam a ser pioneiros em Portugal e a formar uma escola, cujos discípulos são ainda hoje referências nestes campos e que continuam a disseminar e incentivar o estudo do território nacional. Na geomorfologia de vertentes, por exemplo, esteve ligada ao que hoje se designam por “riscos ambientais”. Introduziu o tema “clima” nos trabalhos de ordenamento do território.

A cartografia foi outra das áreas, dentro da Geografia, em que desenvolveu trabalho pioneiro, nomeadamente nas técnicas e metodologias associadas ao desenho de cartografia e leitura de mapas, na fotografia aérea e teledeteção. Foi a criadora da disciplina Cartografia na universidade, escreveu vários artigos sobre história da cartografia. 

Apesar de muito crítica relativamente à excessiva especialização a que continuamos a assistir na Geografia, como acontece noutras áreas de conhecimento, Suzanne Daveau não deixou de desenvolver trabalhos muito especializados sem, no entanto, perder a noção de uma ideia de globalidade, muito motivada pelos mestres da geografia francesa de que foi aluna em Paris durante a sua licenciatura. Foi esta perspetiva do todo que a levou a defender, promover e praticar a divulgação científica da Geografia junto de públicos não especialistas. Foi também neste sentido que, com singular acuidade, procurou a interdisciplinaridade, na ligação da Geografia à Geologia, à História, à Arqueologia, à Botânica, entre outros ramos do saber.

Após a morte de Orlando Ribeiro, em 1997, passou a dedicar a maior parte do seu tempo à divulgação do seu espólio, compilando escritos dispersos, atualizando edições, escrevendo prefácios, tornando assim acessível a um público alargado, a extensa produção científica e não só, do seu companheiro de vida ao longo de mais de três décadas.


«Sou um pouco também assim. A minha mãe dizia que quando... Vou-lhe dizer em Francês porque era assim que eu dizia, quando tinha dois ou três anos: "Je veux parce que je veux!" - "Quero fazer o que quero!" [risos] Eu não me lembro... Quando queria uma coisa que não queriam começava a chorar e a gritar "Je veux parce que je veux!". Foi-me contado isso toda a minha juventude e quando tinha dois anos. Foi em parte por isso que o Orlando e eu nos demos tão bem. Cada um de nós sabia o que queria e fez! (em parte pelo menos).» (Transcrição de excerto de conversa com Suzanne Daveau, em 2020, na preparação da exposição Atlas Suzanne Daveau).



Léon Robert, avô de Suzanne Daveau (na imagem, à esquerda), fotografando. França, 1928

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