segunda-feira, 19 de março de 2012

Vida no Campo


Vida no Campo (Dafne Editora) é trabalho de Álvaro Domingues e uma reflexão sobre o Portugal contemporâneo. Não é especificamente sobre a arquitetura ou sobre as cidades, é sobre as marcas hoje deixadas nas paisagens. Há aqui uma incidência particular no detalhe e é este pormenor que nos transporta para um devir que já habitamos. Tenho, no meu trabalho, procurado o registo sistemático de um tempo longo em Portugal, a leitura e interpretação de diversos elementos, de diferentes tempos, que de forma específica marcam a singularidade de sucessivas vagas de povoamento de território hoje Portugal. Com uma ironia que se identifica com os próprios elementos que fotografa, Álvaro Domingues constrói um discurso sobre o que é atualmente o mundo rural. Existe aqui como que uma simetria temporal em relação ao meu próprio trabalho: se eu fotografo o 'passado', Álvaro Domingues fotografa o futuro, fragmentos de um tempo que, cada vez mais, são a imagem de um território vindouro. Há, na Vida no Campo, uma leitura, sem nostalgia, de um imaginário vernacular que todos parecemos admirar mas que ninguém quer já habitar. É um livro que nos dá conta de uma 'fuga' do campo, de como estas paisagens agrícolas vão sendo reinterpretadas num sistema democrático em que cada gesto é a interpretação da liberdade individual de cada um nós. Esta é uma intervenção directa na nossa face e na frente mais exposta da nossa identidade. Este é o sentido da sua crueza. Estamos a construir cicatrizes. São as marcas da diferença, da liberdade, da fragilidade, da incapacidade em lidar com todas as descontinuidades e contradições de uma globalização que se espalha numa dimensão fractal por todas as paisagens conhecidas. Este é o labor de um marcado afastamento da Natureza-mãe, de todo o desconforto e insegurança que ela nos dá. O texto e as fotografias de Álvaro Domingues colocam-nos perante esta perplexidade: a liberdade e a ausência do medo conduzir-nos-ão por paisagens insondáveis.

[A Vida no Campo teve sessão de lançamento no dia 17 de março de 2012, na Casa do Conto, no Porto e contou com apresentações de André Tavares, Valter Hugo Mãe (com texto lido por Nuno Grande), Graça Castanheira, Carlos Magno, Duarte Belo, Fernando Oliveira Baptista, Nuno Portas, Sílvia Bérény, Jorge Gaspar e João Gesta].

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