quinta-feira, 15 de março de 2018

Levantar pedras

[agora 14] Mas a vida é também feita de botas no chão, de pobreza, de levantar pedras à procura dos dias seguintes. A vida é um país que queremos maior, de uma comunidade aberta ao futuro que não quer esquecer o passado, que talvez não queira subsistir sobre modelos e ideais falhados. Sobre a memória do passado, sobre as cidades primordiais, sobre o lado luminoso das comunidades, no respeito estrito pela existência singular, escrever um texto, desenhar um objeto, partilhar uma reflexão, construir conhecimento coletivamente, compreender melhor o que pode ser a vida num planeta concreto num cosmos infinito, aproximarmo-nos de uma ideia de verdade. [Esta é a última publicação da série agora].
Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018

terça-feira, 13 de março de 2018

Lugar novo

[agora 13] A terra não é representável. Construímos dispositivos de mediação, de interpretação do espaço, de acordo com critérios definidos e enquadrados num determinado período histórico. Todas as tentativas de representação são objetos de comunicação. Poderá haver a aproximação à exaustão de um olhar, o aprofundamento sucessivo a uma realidade que é infinita e, imaginamos, indecifrável. Construímos conhecimento a partir de uma quantidade de informação cada vez maior.
Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018

Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018

Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018

domingo, 11 de março de 2018

Rosto

[agora 12] A imensidão do lugar fica depois do caminhar. Percorremos territórios ilimitados para percebermos, mais tarde, que fomos ao encontro de um rosto desenhado, que foi sendo definido no percurso, no reflexo também de todos quantos deste jogo estiveram próximos.
Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018

sábado, 10 de março de 2018

Escuro

[agora 11] Quando a luz se apaga e o escuro entra. Ciclos de luz e sombra definem uma condição permanente do habitar um planeta. Todas as espécies vivas, todos os lugares. Há uma simplicidade desconcertante no caminhar. Movimento de ausência e reconciliação com as tensões inomináveis da condição sobrevivente.
Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018

sexta-feira, 9 de março de 2018

Imagem passagem

[agora 10] O que é a fotografia? Como se representa o movimento, a vida, numa imagem parada? Dispomos fotografias em paredes, exposições. A evolução do processo fotográfico tem-nos mostrado uma cada vez maior acessibilidade à imagem. Fixação de tempo e espaço. Podemos, com imagens, construir gramáticas próprias do nosso universo contido, mas plural, contaminado por vivências fragmentadas. O movimento é também a passagem do tempo longo, que não está visível numa única imagem, mas num corpus extenso que nos revela o espaço-tempo do nosso habitar, da nossa passagem.
Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018

quinta-feira, 8 de março de 2018

Expressão

[agora 08] Não irá ser a ciência a substituir a religião. Poderá ser o pensamento associado à liberdade. A arte é expressão desse pensamento em variadas e múltiplas formas. Mas a arte não pode ficar refém de quem a nomeia, de quem a deseja dominar. Arte, poesia, são matéria esquiva, são a expressão da leitura e interpretação do real, dessa extraordinária ferramenta evolutiva que, ao mesmo tempo que nos oprime, nos mostra um mundo em aberto a que nenhuma condicionante se poderá opor, nenhuma narrativa, nenhum discurso, nenhuma promessa. Não temos mais do que o tempo de uma vida para a construção do nosso próprio sentido.
Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018

quarta-feira, 7 de março de 2018

Lugar de procura

[agora 09] Há uma matriz nesta procura, neste espaço que se serve da fotografia como motor de existência. A cidade infinita é um lugar aberto de procura de conhecimento e demanda de formas concretas para o entendimento da vida humana, da razão, da criação de sentido, interpretações do finito vago e ilimitado. Coerência como jogo de aleatoriedade. Palavras.

Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018

terça-feira, 6 de março de 2018

Descodificar

[agora 07] Trabalhamos incansavelmente na descodificação da morte. Se a juventude, na sua demora, nos parece mostrar a imortalidade, o avanço no tempo da nossa existência, vai-nos revelando um fim do qual estamos em aproximação. Ao contrário do que prometem religiões, não haverá eternidade. O paraíso será também uma inexistência. A conquista do vazio, daquela que parece ser a ausência de sentido da própria vida, para além da sua materialidade e do seu carácter biológico, poderá ser uma fascinante base para a “escrita” de uma narrativa, necessariamente evolutiva.
Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018

segunda-feira, 5 de março de 2018

Dois gumes

[agora 06] O pensamento simbólico e a linguagem são uma arma de dois gumes. São uma poderosa ferramenta na procura de alimento, na arte da guerra ou na construção de uma casa; mas são também a consciência aguda do infinito e da morte. As primeiras religiões terão surgido da necessidade prolongar a vida para além da morte e de explicar o mundo, de ligar causas e efeitos, de povoar o pensamento de seres imaginários na repulsão de um vazio intolerável. Nomear a eternidade.

Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018

domingo, 4 de março de 2018

Sem chão

[agora 05] A ideia de Deus terá sido extremamente importante na criação de um “chão sólido” para a resolução de um “problema” evolutivo de uma espécie específica do planeta Terra. O intolerável vazio, a finitude e a morte. Ao longo de um hiato temporal de poucos milhões de anos, hominídeos adquirem um conjunto de ferramentas que os levarão a povoar um planeta praticamente em toda a sua extensão de terra. Foi um processo impressionantemente célere nunca antes observado no passado, como o atesta o registo fóssil. A consciência está longe de ser uma qualidade única da espécie Homo Sapiens, mas o pensamento simbólico e a linguagem são uma singularidade nossa.
 
Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018
 

sábado, 3 de março de 2018

Nada

[agora 04] Em nada, absolutamente nada, encontro a necessidade de um deus, seja ele qual for. Nada poderei nomear que me indique a sua existência. Se afirmarem que a ciência, na atualidade, pode ocupar esse papel de algo em que se acredita incondicionalmente, e levar a um mesmo tipo de raciocínio, defenderei também um “não”. A ciência é conhecimento, ferramenta para a liberdade. A apreensão da realidade proporcionada pela ciência mostra-nos um mundo imensamente complexo e fascinante, muito mais rico e estimulante do que qualquer alinhamento de palavras. E partimos do princípio que a descodificação do real não é uma criação humana, como acontece com os mitos de criação do mundo. Qualquer uma das mais de 3.000 religiões existentes no nosso planeta são narrativas, mais ou menos imbricadas, concebidas por pessoas em tempos mais ou menos recuados.


Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018

sexta-feira, 2 de março de 2018

Por onde

[agora 03] Mais de 30 anos de viagens por Portugal, quase sempre em solitário. Centenas de noites sob a abóbada celeste, a contemplar as estrelas nas noites frias, nalguns dos mais inacessíveis lugares do nosso país. Caminhadas demoradas entre o gelo da montanha branca e os mais tórridos estios de sombras ausentes. Tudo, tudo sem nunca ter sentido a presença ou a necessidade de uma divindade, fosse ela qual fosse. Olhamos em redor, em tudo há indeterminação, tempo que passa, infinito. Olhamos em frente, respiramos o ar da montanha, aqui. Continuamos a caminhada, o desenho de uma arquitetura, a construção do sentido de si. 

Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018

quinta-feira, 1 de março de 2018

Dia seguinte

[agora 02] Segunda-feira dia 19 de fevereiro. Partir para a solidão da montanha, procurar silêncio. Há momentos que nos fazem pensar na nossa condição, no percurso traçado até ao presente, em quem nos ergueu. Partir na procura de um lugar concreto. A Nave Descida é um vale no planalto elevado da serra da Estrela, não longe da Lagoa Comprida. Transportar uma câmara fotográfica, como que um pedaço de civilização que nos liberta de uma condição animal não humano. A fotografia, mais do que um modo de produzir imagens, é aqui o convite à viagem permanente e um lento e inusitado motor da palavra e do pensamento. A fotografia é liberdade. 
Serra da Estrela, 19 de fevereiro de 2018