quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Repousar. O Núcleo da Claridade #14

Detalhe de manuscrito do poema Relatório e Contas, de Ruy Belo

Descansar um pouco e olhar com distanciamento sobre o tempo que passou, sobre os meus próprios passos, sobre a minha identidade. Este é para mim um trabalho de repouso de caminhadas, de fotografias e fotografias. É nesta pausa que me encontro com meu pai, que tento partilhar um imaginário que não tinha ainda maturidade para partilhar com ele. Não deixo fotografias, deixo estas palavras entre a matéria escrita de meu pai. Não poderia escrever uma análise literária dos seus poemas, da sua obra, mas deixo um caminhar como que tentar participar nessa deslocação criativa. Não seguir os seus passos na forma de poema, mas enunciar a possibilidade da continuação de um diálogo, entre o ser humano e o não ser, o universo abrangido pelo nosso pensamento.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Impossibilidade. O Núcleo da Claridade #13

Praia da Senhora da Guia. Vila do Conde. 1991-2010

Neste trabalho sobre meu pai, mais do que em outros trabalhos que envolvem a fotografia de lugares, paisagens ou arquitecturas, há uma constante sensação de perda, de um tempo que flui num turbilhão que não podemos deter. A dimensão inexorável da impossibilidade de um regresso. Fotografo com a noção clara que estou a deixar muito por fazer, que não posso registar. A rapidez voraz da fotografia digital, e o seu menor custo em relação à tecnologia analógica que a antecedeu, permite uma relação mais descontraída com o disparo compulsivo de fotografias. As alterações metodológicas na gestão de um arquivo fotográfico digital, também permitem uma série de possibilidades e de acessibilidade a fotografias 'recônditas', que anteriormente nos obrigavam a um processo muito mais moroso. Mas esta falsa ilusão de facilidade, de um registo e catalogação dessas imagens, tornam ainda mais evidente a impossibilidade de um registo completo. Aproximamo-nos de um limite que sabemos que nunca vamos alcançar. Não há o cume de uma montanha que se atinge e termina um objectivo. Aqui os objectivos são muito mais vagos. Tem de haver um trabalho constante nessa elaboração, no traçar de um destino. Há uma estrada em permanente construção. Há neste processo um chamamento, não para algo de sobrenatural ou de divino, mas para um fascínio de múltiplas faces. Há, talvez, a aproximação ao desvendar de um mistério, talvez apenas o levar um pouco por diante a capacidade de comunicar. É onde uma identidade, na equanimidade, se cruza com uma cosmogonia.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Obsessão. O Núcleo da Claridade #12

s/t. 2011


Há um documentalismo que caminha para a obsessão, para o pretenso registo total e completo, onde nada falta, de um aspecto da realidade. Nesta tarefa impossível reside o equilíbrio precário e fascinante do que ficará registado e do que vai perder-se. Há o momento do registo, do diálogo com a luz reflectida, com o visível, com uma realidade espacial. Um facto sempre analógico, o habitar o tempo presente que permanentemente se escoa. Este é um dos elementos mais paradoxais da fotografia, seja ela de que género for: nunca podemos voltar atrás, há uma relação directa e irredutível com o tempo passado, ao qual não se regressa, como as águas de um rio no movimento incessante do seu fluir. Um poema pode ser reescrito, pode voltar-se a ele numerosas vezes. A fotografia acaba no momento do seu registo. Esta é, no entanto, uma realidade que pode estar a ser alterada. O manuseamento digital da imagem permite, com relativa facilidade, alterar uma fotografia, sem que seja perceptível essa alteração, que pode ser mais ou menos significativa. Mas mesmo esta possibilidade abre-nos as portas de um outro mundo em que a verdade e a não-verdade convivem de uma forma ambígua e fascinante. É um mundo que, com cada vez menos limitações, mostra de facto o que cada um de nós vê, cada fazedor, sem limitações impostas pelos meios de registo. Poderá ser este um mundo complexamente perverso, mas, ao mesmo tempo, encerra em si a sedução de um jogo com regras fragmentadas que nos poderão abrir um ângulo visual mais vasto, novas formas de habitar e ser humano. É nesta procura, em que nos podemos perder, em que nos podemos encontrar, em que podemos desenvolver uma maior capacidade de comunicar.