quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Simulacro

[Lugares livres 41] A cidade, os sítios que encontro, já não são os mesmos. Há um sedutor lugar humano constituído por fragmentos, pela exploração da linguagem e pela procura de paisagens distantes. Já não podemos voltar atrás, a uma qualquer idade mítica de uma indizível dureza a que hoje já não temos acesso, mas que continua a povoar o imaginário de alguém que, da terra, não percebe o desprendimento humano e a invenção das cidades como um produto biológico, enquadrado na longa linha evolutiva da vida.

Viseu, 2023

 

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Cadernos-método

[Lugares livres 40] Os cadernos são a principal ferramenta metodológica deste trabalho. A mão que escreve sintonizada com o pensamento. Notações, textos, projetos, desenhos, aritmética, apontamentos para trabalhos futuros. Fixação da celeridade de uma ideia esquiva. São também a recusa de um mundo apenas digital. É a mão que escreve, que toca a textura do papel, que seleciona riscadores, canetas, pigmentos. Ensaio de desenhos, caligrafias, relação de pensamentos dispersos, sínteses de tempo e de posição face ao entendimento dos processos criativos, da arquitetura como conceito de habitar, da vida que se ergue da matéria e energia. Retrato possível de uma árvore no Universo.

Dupla página do caderno #49

 

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Exposição

[Lugares livres 39] Viseu Território Natureza foi uma exposição sobre o mapeamento fotográfico de lugares menos marcados pelo povoamento humano na área geográfica do município de Viseu. São espaços simultaneamente próximos e distantes. Próximos por lhes chegamos numa viagem breve, a partir do centro da cidade. Distantes porque parecem revelar-nos dimensões de uma Natureza intacta, primordial, cada vez mais difícil de encontrar. Nos lugares menos marcados pelo Antropoceno estabelecemos pontes com um mundo arcaico que parece guardar a sedução de um espaço de origem. Uma infância coletiva reencontrada.

Exposição Viseu território natureza, Quinta da Cruz - Centro de Arte Contemporânea, Viseu, 2023

 

domingo, 17 de novembro de 2024

Contradição

[Lugares livres 38] Permanecem as reminiscências de uma certa condição animal. A pobreza, a escravatura da terra, a consciência de uma imensa contradição, enclausuramento em relação a um mundo, tão diferente, que nos entra pelos olhos dentro, através, sobretudo, da televisão, novelas, noticiários que semeiam o medo, os jovens que se isolam na Internet, como que a negar o tempo e o espaço em que vivem, a cortarem as amarras com o mundo dos seus pais e mais ainda dos seus avós, é a desintegração das comunidades que os viram nascer. Este é um retrato, de algum modo, cru, mas há outras faces desta realidade. Há uma sedutora dimensão poética em tudo isto, nostálgica, poderosa, entrópica.

Quintãs, Côta, Viseu, 2019

 

sábado, 16 de novembro de 2024

O futuro continua

[Lugares livres 37] O turismo é uma realidade evidente e os lugares que não são por si objeto de interesse, assumem-se na continuidade de um lento processo de constante mudança. Há uma derrota que representa a mudança de sistema económico. O futuro continuará a ser rigorosamente imprevisível, mas a geração, da pobreza e da subsistência remediada, está a desaparecer. Altera-se o valor económico da posse e do trabalho na terra. Os campos abandonados são uma imagem dessa realidade.

A24, Farminhão, 2015

 

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Perversidade

[Lugares livres 36] A agricultura era um polo agregador de toda uma dinâmica social para a qual olhamos, muitas vezes com saudade, mas que não deixava de conter no seu seio perversidades e jogos de poder muito desiguais. Todos os tempos têm as suas contradições e estas tendem a agudizar-se com a complexificação das sociedades e dos espaços que elas desenvolvem. Com o declínio agrícola, observamos o fim do sentido de uma arquitetura popular, imagem de pobreza e fome, mas que, contraditoriamente, deu origem a paisagens humanas equilibradas. Foi como se tivéssemos atingido um ponto de equilíbrio, antes de nos precipitarmos na desordem.

Folgosa, Lordosa, 2015

 

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Desarranjo

[Lugares livres 35] Mas talvez o facto da cidade de Viseu ser bem estruturada faça acentuar o contraste em relação às aldeias envolventes onde, em muitos casos reina um certo desarranjo, ou a desfragmentação espacial. Creio que nunca foi tão evidente um progressivo abandono das terras, dos campos, ao mesmo tempo que a cidade não pára de crescer, mesmo que esse crescimento tenha desacelerado, em tempos recentes, devido à crise económica duradoura que continuamos a viver.

Bigas, Lordosa, Viseu, 2015