sábado, 31 de agosto de 2024

Casa IV

[Casa de Viagem 09] Procurar palavras como quem tenta reunir todas as geografias que desenham todo o tempo de um ser. A abstração de uma síntese, codificada, de todas as viagens, da busca da representação de um espaço concreto, de um país, de um lugar comum. Um território familiar unido por uma língua, por um falar. Neste pedaço de solo encontramos uma série de vestígios do processo de povoamento humano, da conquista progressiva de uma paisagem habitada.

Esboço, Atlas de Palavras, 2024


sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Casa III

[Casa de Viagem 08] As fotografias aqui apresentadas foram feitas ao longo de uma interminável viagem que ainda hoje continua. Quase sempre os meios disponíveis foram relativamente escassos. Um automóvel e uma tenda para este movimento de procura fotográfica de lugares, na busca do entendimento do significado do povoamento humano, também da própria existência. Revisitar uma relação antiga com a Natureza, uma de lógica da vida profundamente imprevisível. Um primevo conceito de casa, de habitação, de arquitetura. Pernoitar em qualquer sítio, longe dos aglomerados urbanos. A cada madrugada, na alvorada cantada por aves, iniciar uma nova jornada, como se nesses passos deambulantes, lentos, resumisse toda a história humana, fascinante, contraditória, dura e bela.

Serra de Alvoaça, Covilhã, 2019

 

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Casa I

[Casa de Viagem 06] O que é uma casa, o que é habitação? A resposta a esta questão pode deixar um rasto de palavras escritas em papel, em cadernos, numa incessante procura das derivações conceptuais a que somos transportados pelo pensamento. Esta materialização da palavra pela escrita, pode ser já um ensaio na construção de um abrigo imaginário, em parte desmaterializado, em parte com a forma de um conjunto de cadernos. Há papéis e riscadores, uma espacialidade muito contida, o ensaio da mais pequena biblioteca onde se procura representar todo o Universo. O fascínio da escrita é o pensamento vertido em palavras, matéria caligráfica, descodificação de uma linguagem primordial inscrita na própria vida.

Cadernos, 2023

 

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Cidade

[Casa de Viagem 05] Numa cidade há uma enorme concentração de pessoas. Cada edifício, cada casa, cada apartamento, pode ser um mundo de criatividade. Ao contrário de uma aldeia, onde tudo é relativamente contido e rarefeito, as cidades são como espaços sem fronteiras em permanente aceleração. Se as aldeias se prendem a uma antiguidade remota, aos ritmos circadianos e às estações do ano, à terra lavrada, as cidades são ambientes de liberdade, de desprendimento, tentado, de códigos antigos. As cidades têm o fascínio de uma viagem evolutiva. Tudo está em permanente e célere transformação. O espaço urbano é o do ensaio do futuro, mas também do risco e da insegurança. Nos edifícios podemos ler barreiras, quebras com a continuidade da geografia. Talvez seja este um dos maiores paradigmas da urbanidade: a quebra com a paisagem contínua que observamos em campo aberto, na Natureza, onde mesmo os acidentes geográficos são gradações mais ou menos extensas de paisagem.

Cacém, Sintra, 2024

 

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Aldeia

[Casa de Viagem 04] As aldeias são, muitas vezes, pequenos aglomerados de casas que estabelecem uma relação de proximidade e continuidade com as terras envolventes. Uma relação agro-pecuária. São aglomerados urbanos de pequena dimensão que estão próximos, como conceito, das primeiras comunidades que se fixaram em lugares específicos e deram origem ao Neolítico, abandonando as práticas errantes dos caçadores-recoletores. O território hoje Portugal é, sobretudo, um espaço de aldeias. Todo o país está polvilhado destes pequenos aglomerados, muito mais concentrados a norte, onde as terras são mais férteis e a água mais abundante. As aldeias são mundos de diversidade que nos falam da própria materialidade da geografia, do planeta que habitamos.

Pedrógão, Vidigueira, 2021

 

domingo, 25 de agosto de 2024

Abrigo

[Casa de Viagem 03] Um pouco por todo o país, mas sobretudo no Norte de Portugal, especificamente no complexo montanhoso constituído pelas serras da Peneda, Soajo, Amarela e Gerês, permanecem abrigos de pastor. São quase sempre construções em falsa-cúpula, em granito, edificadas em lugares isolados, na montanha, longe das aldeias que se localizam nas terras baixas, nos vales, junto de terras férteis para a agricultura. Esta tipologia de edificado remete para o período castrejo, pré-romano. São como as mais antigas casas que nos chegaram de um tempo remoto e um desejo de permanência, de fixação do tempo no espaço. Os abrigos feitos com elementos vegetais, como troncos, ramos e folhas, terão sido as primeiras estruturas edificadas pelo Homo sapiens. O uso da terra e da pedra, representam já um avanço nas tecnologias de edificação. Passos lentos no afastamento progressivo a uma Natureza intacta, dura, imprevisível.

Abrigo de pastor, serra da Peneda, Arcos de Valdevez, 2009

 

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Casa II

[Casa de Viagem 07] Na construção de artefactos de comunicação, revisitar o vale do Côa. Recorrer ao extenso arquivo sobre o qual se vai erguendo este trabalho e produzir novos lugares, simultaneamente reais e imaginários. Reais porque ocupam um espaço, privado, de uma certa intimidade, uma casa habitada. Imaginários porque são representações de outros sítios percorridos no passado, que ficaram fixados em fotografias. Este é o desenho efémero de uma arquitetura nova, espaço transformado em linguagem. Codificação de toda a vida. Também a arquitetura de novos movimentos siderais.

Viseu, 2024

 

Vale

[Casa de Viagem 02] Durante milhares de anos o curso terminal do rio Côa teve ocupação humana. As gravuras rupestres datadas do Paleolítico Superior são uma evidência deste facto. Num processo contínuo, evolutivo, de fixação de comunidades humanas a lugares específicos, surge a ideia de habitação. O vale do Côa, já próximo do encontro com o Douro, é como uma primeira casa. A abundante existência de gravuras rupestres pode ser entendida como uma primeva transformação da paisagem, ou um corte fundacional em relação a outras espécies biológicas que nunca, até ao presente, deram este passo. O vale do Côa, pelo desenho de animais em diversas superfícies de xisto, é transformado numa casa, num espaço de conforto, é uma paisagem apreendida, modificada. Em relação a outras manifestações gráficas, do mesmo período, como as grutas de Altamira, Lascaux ou Chauvet, as gravuras do Côa apresentam a singularidade de serem ao ar livre. A arquitetura, com estruturas edificadas, viria mais tarde e, quase sempre, associada a monumentos funerários.

Foz da ribeira de Piscos. Vila Nova de Foz Côa, 1996  





Casa de Viagem, Um conceito de habitação

[Casa de Viagem 01] Esta leitura sobre o povoamento humano e habitação não pode deixar de ser uma reflexão pessoal sobre a ideia de liberdade. Um exercício enquadrado na especificidade do desafio que me foi lançado pela Professora Paula André, no sentido de refletir sobre a habitação no momento em que se celebram os 50 anos da Revolução do 25 de Abril de 1974, quando o Estado Novo, um regime opressivo e ditatorial, é derrubado e implementada a democracia. As palavras e as imagens que se seguem, mesmo sem qualquer compromisso com correntes ideológicas vigentes, são uma posição política sobre a possibilidade da criatividade e da arquitetura poderem ajudar a encontrar soluções para lidarmos com os grandes desafios que enfrentamos. As Alterações Climáticas são uma realidade. O  Aquecimento Global é uma evidência. De uma forma muito breve, é aqui proposta a viagem por todos os tempos do povoamento humano da terra que hoje habitamos. Por fim, no exercício da mais estimulante liberdade que nos foi deixada por Abril, fica uma proposta de arquitetura interior ou uma interpretação dos cosmos.

Sítio da Penascosa, Vale do rio Côa, Vila Nova de Foz Côa, 1995