segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Filtros

[Suzanne Daveau 14] Entretanto aquela que é, talvez, a plataforma de maior partilha de imagens, o Instagram, disponibiliza uma série de filtros, digitais, para a edição rápida das fotografias. A consequência vai ser o afastamento progressivo de uma ideia fundadora da própria imagem fotográfica que é o seu carácter indicial, da fotografia como “prova” de um determinado facto ou acontecimento, o ter estado ali. A imagem fotográfica deixa de ser o registo de uma realidade exterior para passar a ser a revelação do estado de alma do seu utilizador.

Não há que fazer qualquer juízo de valor sobre esta transformação que, sem dúvida, traz complexidade e entropia ao mundo que habitamos. Voltemos a Suzanne Daveau, ao seu modo de olhar, ao mundo que nos deixa com as suas fotografias, em que as funções documental e expressiva se unem. Há uma forma de observar que está também a desaparecer e, em consequência, um vínculo a uma realidade objetiva, a um desejo de representação do mundo o mais fiel possível, que deixa de ser praticado. É a memória visual dos lugares que se tenderá a perder. Muitas das fotografias são de realidades que hoje já não podemos encontrar daquela forma. A fotografia de Suzanne Daveau ao mesmo tempo que regista um mundo à beira do seu fim, das transformações profundas a que assistimos em extensos territórios, é um ato de liberdade, uma forma de resistência e de luta pelo conhecimento. A sua fotografia é o retrato do espanto das paisagens sempre diferentes, sejam elas naturais rurais ou urbanas, pelo ilimitado surpreendente dos lugares. São fotografias que elogiam a Terra, a forma como o Homem povoou um planeta inteiro. São imagens-mapa que explicam, que ensinam, que parecem querer desvincular-se dessa própria condição de registo para se transformarem num muito mais abstrato e polissémico objeto de conhecimento.

 

Bandiagara, Mali, 1954. (fotografia de Suzanne Daveau)


Sudoeste da Mauritânia, 1963-64. (fotografia de Suzanne Daveau)

 

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