sábado, 31 de julho de 2021

Estabilidade tecnológica

[Suzanne Daveau 12] É interessante constatar que durante todo o período em que Suzanne Daveau utilizou a fotografia não houve grandes saltos tecnológicos que afetassem o seu modo de registo. Durante todo século XX imperou a fotografia à base de sais de prata, a preto-e-branco. Mais tarde surge a fotografia a cor, mas o processo tem também como base a película e as câmaras fotográficas são as mesmas que eram utilizadas para o preto-e-branco. Houve evoluções tecnológicas, sobretudo na melhoria das câmaras fotográficas, com destaque para um progressivo aumento das velocidades de obturação e a progressiva introdução de automatismos que permitiam um uso de câmaras sofisticadas sem que fosse necessário ter conhecimentos técnicos especializados. Será só na transição do século XX para o século XXI que a fotografia digital se vai tornar acessível. Durante alguns anos as câmaras ainda vão apresentar algumas limitações, sobretudo a nível de resolução, do número de píxeis da imagem, mas todos os constrangimentos vão sendo rapidamente superados e não tardará a que a imagem digital suplante, em termos de qualidade técnica, a imagem analógica, à base de “grão” e do processamento químico.

Corinto, Grécia, 1956. (fotografia de Suzanne Daveau)

 

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Nota Final

[Suzanne Daveau 33] Este Atlas Suzanne Daveau constitui, com a reedição de O Ambiente Geográfico Natural, um díptico que faz uma introdução sumária ao pensamento geográfico de Suzanne Daveau. São as suas palavras e as suas imagens destinadas a um público generalista. Do seu trabalho científico vasto, deixamos esta introdução geográfica ao planeta que habitamos. É uma visão clarividente, lúcida e fascinante no seu poder de síntese.

Suzanne Daveau, Biblioteca Nacional de Portugal, 2021





Humanidade

[Suzanne Daveau 23] A relação do Homem com a Terra é o campo, por excelência, da Geografia Humana. Há muitas fotografias em que pessoas são o objeto central da imagem. O trabalho de Suzanne Daveau é profundamente humanizado. As pessoas são a escala do mundo. É a sua presença que confere significação aos lugares. Estas fotografias, que relacionam o homem com a terra, apresentam um equilíbrio que é semelhante àquele que observamos em todo o seu trabalho fotográfico. Não é fácil fotografar pessoas. Mas em todo este trabalho está muito conseguido o “momento decisivo”, apesar de haver pessoas captadas em movimento, todas elas estão captadas no tempo certo, sem prejudicarem a leitura da imagem, sem concentrarem demasiado a atenção sobre outros elementos da composição do quadro.

Planalto de Bandiagara, Mali, 1956. (fotografia de Suzanne Daveau)

 

Rural

[Suzanne Daveau 22] Rural é a designação que utilizamos aqui para mostrar fotografias de uma relação de compromisso das comunidades humanas com o espaço natural. São situações de habitar de alguma precariedade que remetem, em alguns casos, para tempos muito recuados, quando era necessário estabelecer um pacto, um compromisso, com o espaço onde se fixavam as comunidades humanas. Mas são também as fotografias de marcas que enunciam processos de ocupação do espaço de maior escala e visibilidade, como estradas, vias férreas, ou bairros novos associados a um processo de colonização de terras. São espaços onde a natureza mantém uma presença forte mas que são já paisagens transformadas pela ação humana.

Alto Volta, Burkina Faso, 1961. (fotografia de Suzanne Daveau)

 

Caminhos da Geografia

[Suzanne Daveau 20] Entretanto a fotografia perde o seu significado no contexto da Geografia. O trabalho de campo passou a ser menos relevante no contexto de ensino da disciplina. A ciência geográfica passou para o interior de gabinetes, de salas com acesso à internet e a uma crescente quantidade de dados disponíveis, sobretudo para matérias relacionadas com o planeamento e ordenamento do território.

De um trabalho fotográfico desta natureza poderão ser feitas muitas e diferentes interpretações. Há dois aspetos que se foram consolidando na leitura destas imagens. Um deles é uma ideia de "verdade'', um ato genuíno de registo documental de uma realidade observada, sem a tentativa de procurar uma qualquer inovação estética. Não há aqui enquadramentos “ginasticados”, a fotografia pela fotografia. Há um registo de uma realidade que se quer fixar, pela sua singularidade, porque nos pode ajudar a entender uma paisagem, um gesto humano, a possibilidade de representar e partilhar esse momento. Há um segundo aspeto que parece estabelecer com este desejo documental uma relação tensa, complexa. As fotografias de Suzanne Daveau não são neutras, prendem o nosso olhar sem que, no imediato, nos possamos aperceber dessa sedução. Há, em várias fotografias, uma ideia de “movimento”, mesmo no registo de paisagens estáticas. Por vezes essa ideia de movimento, de deslocação, é conferida por um ligeiro desequilíbrio na imagem, nos seus elementos compositivos, no notar-se a ondulação de uma linha de costa, o vento em árvores ou arbustos, o cuidado que foi posto nas nuvens. Há uma ideia, quase, de cinematografia. São estes elementos, o documentalismo e esta tensão sedutora, que conferem a singularidade deste olhar em que podemos entrar com mais clarividência se lermos as suas palavras, a sua vasta produção científica. Estes aspetos afastam o imaginário banal com que, muitas vezes, são feitas as fotografias de paisagem. São imagens de pensamento, densas e intemporais. Estas fotografias prendem-nos a uma ideia de tempo presente, como se a sua descodificação nos levasse irredutivelmente à atualidade. São fotografias que, hoje, nos fazem refletir sobre o passado, sobre a forma como, humanos, estamos a transformar o território que habitamos.

 

Aludalen. Suécia, 1960. (fotografia de Suzanne Daveau)

 

Um século inteiro

[Suzanne Daveau 19] Suzanne Daveau pousa a câmara fotográfica no ano 2000, um século depois de terem sido feitas as primeiras fotografias pelo avô Léon Robert. As datas, que são apenas uma coincidência, englobam um século inteiro, “redondo”. O motivo pelo qual Suzanne Daveau deixou de fotografar foi a percepção de já não ter capacidade para fazer a referenciação e arquivo das imagens produzidas. Embora as primeiras câmaras fotográficas digitais comercializadas datem da primeira metade da década 1990, foi só no final da década que começou a ser generalizado o uso da fotografia digital. O mundo da fotografia vai então transformar-se radicalmente.


«Eu, francamente, penso que já tive uma vida muito complicada com um mundo em mudança muito rápida mas eu penso em vocês... E penso... vai ser terrível! Vocês têm de se defender da proliferação das possibilidades.» (Transcrição de excerto de conversa com Suzanne Daveau).


Chile, s/data. (fotografia de Suzanne Daveau)


Intuição

[Suzanne Daveau 11] Suzanne Daveau não teve formação académica em fotografia, mas esta fazia parte da cultura familiar. Foi aprendendo desde a sua juventude. Também não teve formação artística, nem nunca foi esse o objetivo da sua utilização da fotografia. Estes factos fazem do seu uso da imagem fotográfica algo de relevante em vários domínios. Por um lado a intuição para a fotografia, para um enquadramento cuidado, por outro a associação a uma ideia «de ciência a que, cada vez mais, a fotografia vem a ser integrada», por esta ser tão necessária para um conhecimento efectivo do território. 

A fotografia de Suzanne Daveau foi desenvolvida em paralelo com a sua carreira científica, no ramo da geografia (física e humana), bem como da sua atividade docente. Foi, é, uma incansável viajante. Nas suas fotografias todos entramos nesse interminável movimento de conhecimento do espaço e do tempo.


«Mas eu penso que as minhas fotografias podem ser uma coisa ou outra: ou podem ser um documento de um trabalho que já tenho na cabeça e junto material; ou então é mais uma pessoa que passeia, que admira uma paisagem bonita e que procura uma coisa bonita.» (Transcrição de excerto de conversa com Suzanne Daveau).


Região de Chamonix (Monte Blanc), França, 1963. (fotografia de Suzanne Daveau)


Percurso

[Suzanne Daveau 10] Não vamos aqui traçar uma biografia científica de Suzanne Daveau. Esse trabalho foi desenvolvido por Maria Fernanda Alegria e publicado, com o título GEOgrafias de Suzanne Daveau, pelo Centro de Estudos Geográficos, em 2015. Não podemos, no entanto, deixar de apresentar alguns aspetos do seu percurso. O seu mergulho na investigação científica dá-se logo após a conclusão dos estudos em Geografia quando inicia o doutoramento sobre o Alto Jura, na fronteira entre a França e a Suíça, em 1950. O desenvolvimento do trabalho foi várias vezes interrompido. Só em 1953 é que avança com disponibilidade para a investigação no terreno. Les Régions Frontalières de la Montagne Jurassienne - Etude de Géographie Humaine seria terminado na primavera de 1957. Suzanne Daveau costuma ser referida como alguém da geografia física, mas a sua formação inicial foi em geografia humana. O principal motivo para abraçar a geografia física tem uma explicação muito simples descrita pela própria Suzanne: o desconhecimento da língua dos territórios em que viria a trabalhar mais tarde, primeiro em África e depois em Portugal. Para o desenvolvimento de projetos de investigação em geografia humana era absolutamente necessário ter um contacto direto com as pessoas, ouvi-las, poder falar com elas sem mediadores. Em Portugal, onde se viria a fixar, primeiro como investigadora da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1965 e mais tarde, em 1970, como professora catedrática associada do Departamento de Geografia da Universidade de Lisboa, começou por estudar aspectos da geomorfologia e do clima, enquanto, simultaneamente estudava a língua portuguesa. 

Estes trabalhos em geomorfologia e climatologia viriam a ser pioneiros em Portugal e a formar uma escola, cujos discípulos são ainda hoje referências nestes campos e que continuam a disseminar e incentivar o estudo do território nacional. Na geomorfologia de vertentes, por exemplo, esteve ligada ao que hoje se designam por “riscos ambientais”. Introduziu o tema “clima” nos trabalhos de ordenamento do território.

A cartografia foi outra das áreas, dentro da Geografia, em que desenvolveu trabalho pioneiro, nomeadamente nas técnicas e metodologias associadas ao desenho de cartografia e leitura de mapas, na fotografia aérea e teledeteção. Foi a criadora da disciplina Cartografia na universidade, escreveu vários artigos sobre história da cartografia. 

Apesar de muito crítica relativamente à excessiva especialização a que continuamos a assistir na Geografia, como acontece noutras áreas de conhecimento, Suzanne Daveau não deixou de desenvolver trabalhos muito especializados sem, no entanto, perder a noção de uma ideia de globalidade, muito motivada pelos mestres da geografia francesa de que foi aluna em Paris durante a sua licenciatura. Foi esta perspetiva do todo que a levou a defender, promover e praticar a divulgação científica da Geografia junto de públicos não especialistas. Foi também neste sentido que, com singular acuidade, procurou a interdisciplinaridade, na ligação da Geografia à Geologia, à História, à Arqueologia, à Botânica, entre outros ramos do saber.

Após a morte de Orlando Ribeiro, em 1997, passou a dedicar a maior parte do seu tempo à divulgação do seu espólio, compilando escritos dispersos, atualizando edições, escrevendo prefácios, tornando assim acessível a um público alargado, a extensa produção científica e não só, do seu companheiro de vida ao longo de mais de três décadas.


«Sou um pouco também assim. A minha mãe dizia que quando... Vou-lhe dizer em Francês porque era assim que eu dizia, quando tinha dois ou três anos: "Je veux parce que je veux!" - "Quero fazer o que quero!" [risos] Eu não me lembro... Quando queria uma coisa que não queriam começava a chorar e a gritar "Je veux parce que je veux!". Foi-me contado isso toda a minha juventude e quando tinha dois anos. Foi em parte por isso que o Orlando e eu nos demos tão bem. Cada um de nós sabia o que queria e fez! (em parte pelo menos).» (Transcrição de excerto de conversa com Suzanne Daveau, em 2020, na preparação da exposição Atlas Suzanne Daveau).



Léon Robert, avô de Suzanne Daveau (na imagem, à esquerda), fotografando. França, 1928

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Datas

[Suzanne Daveau 09] Há datas que não deixam de ser curiosas. Em 1925, ano em que nasce Suzanne Daveau, foi apresentada a câmara fotográfica Leica I Model A, que, de algum modo viria a revolucionar a fotografia, tornando-a muito mais acessível e versátil, permitindo imagens com uma espontaneidade que anteriormente eram difíceis de conseguir. Talvez mais do que nenhuma outra em toda a história da fotografia, esta foi uma câmara que mostrou novas realidades. Em 1937 Orlando Ribeiro escreve uma carta a Leite de Vasconcelos dando-lhe conta do seu entusiasmo por ter adquirido uma Leica e o quão isso era importante para o desenvolvimento da sua atividade como geógrafo. Foi em 1937 que Suzanne começou a fotografar, influenciada pela família e pelo facto de ter os materiais necessários na loja dos seus pais. Inclusive havia, anexo à drogaria, um espaço para a revelação dos filmes a preto e branco e ampliação de cópias. Esta é apenas uma coincidência que liga estas duas personalidades incontornáveis para o conhecimento de Portugal.

Poljé de Minde, Portugal, 1963. Fotografia de Suzanne Daveau

 

terça-feira, 27 de julho de 2021

França, África, Portugal

[Suzanne Daveau 08] Em termos geográficos há três grandes conjuntos de imagens que se destacam no acervo fotográfico de Suzanne Daveau. O primeiro é relativo a França. São as imagens da juventude, da floresta de Fontainebleu, dos Alpes e, já numa fase mais tardia,  do Jura correspondente ao desenvolvimento da tese de doutoramento sobre aquela região. Um segundo grande grupo de imagens é relativo às províncias da então África Ocidental Francesa, entre elas o Senegal, Costa do Marfim, Mauritânia, Serra Leoa. Por fim, Portugal, onde Suzanne Daveau passou a residir a partir de 1965.

Não podemos deixar aqui de referir o nome de Orlando Ribeiro, o mais conhecido de todos os geógrafos nacionais e o precursor da moderna geografia portuguesa. A vinda de Suzanne Daveau para Portugal é uma história de amor. Suzanne ouvira falar de Orlando Ribeiro num colóquio, como sendo um “português muito simpático”. Viria a conhecê-lo em Estocolmo, em 1960 num congresso da União Geográfica Internacional. Começaram a trocar correspondência. Casaram em 1965, ano em que se instalou em Portugal. Os trabalhos científicos de ambos avançaram em grande proximidade a partir desse momento. De algum modo a personalidade comunicativa e determinada de Orlando Ribeiro fazia atrair sobre si as atenções, a passo que Suzanne Daveau, com um carácter discreto e assumida timidez, desenvolvia o seu trabalho em silêncio. O seu saber, de uma invulgar solidez, poderá ser comparado a um icebergue, que nos mostra, à superfície, uma parte pouco significativa da sua dimensão real.

Orlando Ribeiro, Moçambique, 1961. Fotografia de Suzanne Daveau

 

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Viagem virtual imersiva

[Suzanne Daveau 07] Da necessidade de avançarmos com o processo da exposição e da edição do livro Atlas Suzanne Daveau, fixámos um número de 301 fotografias. Foi o somatório de vários conjuntos que fomos isolando do extenso caudal de imagens. A seleção avançou ao mesmo tempo que procedemos à digitalização de todos os negativos do arquivo de Vale de Lobos, quase todas em médio formato, 6x9cm, mas também no formato 135 (35mm) bem como os negativos do Centro de Estudos Geográficos (CEG). A digitalização das fichas do CEG já tinham sido feitas ou estavam a ser concluídas por João Ribeiro. Seguiu-se a edição digital das imagens selecionadas. Algumas fotografias estavam tão marcadas pelo tempo que exigiram bastante tempo de edição. Esta foi outra forma de entrar neste universo, nos próprios lugares, numa viagem virtual imersiva. Por vezes as tarefas “mecânicas” libertam o pensamento para entrarmos na densa geografia que temos diante do olhar.

Rio de Janeiro, Brasil, 1965. Fotografia de Suzanne Daveau

 

sábado, 24 de julho de 2021

Colaboração

[Suzanne Daveau 06] No decurso do processo de seleção as fotografias foram sendo apresentadas a Suzanne Daveau e contávamos sempre com a sua opinião frontal, sincera e disponível a informar sobre as condições, o contexto e o porquê de cada fotografia. Frequentemente rejeitava o olhar mais qualitativo sobre as imagens, tendendo para uma compreensão racional do que estava retratado. Era um diálogo que depois contribuía e alimentava a construção do projeto expositivo. A sua colaboração foi sempre fundamental no decurso deste labor, nomeadamente na identificação e datação dos lugares. Quase todas as fotografias estão cuidadosamente datadas e georreferenciadas, muitas delas coladas em fichas do Centro de Estudos Geográficos, os casos dúbios foram prontamente esclarecidos e minuciosamente revistos por Suzanne.


Alfaiates, Portugal, 1967. Fotografia de Suzanne Daveau

 

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Minúcia

[Suzanne Daveau 05] Há um número considerável de fotografias que são registos minuciosos de, por exemplo, a estratigrafia de uma encosta que era revelada pela abertura de uma estrada. Decidimos excluir da exposição estas imagens mais técnicas por serem demasiado abstratas e necessitarem de uma explicação, oral ou escrita, sobre o seu significado. Aí entraríamos progressivamente na densidade da ciência geográfica e geológica. Procurámos apresentar fotografias com uma “capacidade” de comunicação universal, se assim o podemos afirmar.

Infiernillo, México, 1966. Fotografia de Suzanne Daveau

 

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Processo

[Suzanne Daveau 04] O espólio fotográfico de Suzanne Daveau está repartido em dois núcleos. Um encontra-se em sua casa, o outro está à guarda do Centro de Estudos Geográficos, da Universidade de Lisboa. Foi-nos possível ver todas as imagens de ambos os arquivos (cerca de 8.500 fotografias digitalizadas e aproximadamente 1.600 fichas, no Centro de Estudos Geográficos). Existe ainda um terceiro núcleo que consultámos, em versão digital, constituído pelas fotografias de família e que neste momento se encontra em Paris, com Françoise Daveau, irmã de Suzanne.

Não é simples fazer uma seleção de um tão grande conjunto. Há sempre opções a tomar e imagens que por vezes são muito difíceis de excluir. É frequente depois de uma sucessiva decantação daquelas que nos parecem ser as melhores imagens, olharmos para outras seleções que foram ficando para trás neste processo e depararmo-nos com dúvidas se essas mesmas imagens deveriam tomar o lugar no grupo principal. Há critérios de seleção que foram, desde o início, para nós claros. Um deles foi o de captar a diversidade e riqueza tanto cronológica como geográfica que o seu espólio preserva. Isto é, por um lado, a de mergulhar em toda a sua cronologia, desde 1937 até ao ano 2000. E por outro, a de olhar todos os países onde esteve e dos quais trouxe fotografias e representar essa pluralidade. Houve ainda a necessidade de dar uma atenção especial aos três mais importantes núcleos de fotografias que são, França, África e Portugal, coincidentes com as três permanências mais demoradas ao longo da sua vida. Há critérios de seleção que são menos objetivos, que se relacionam com a interpretação do valor estético das fotografias, com algum particular aspeto de luz ou da composição dos vários elementos que estão presentes na imagem. Há uma carga intuitiva forte nestas opções relacionada com a cultura visual do observador e por vezes, inevitavelmente, afetiva quer pela experiência pessoal de quem lê as imagens, quer pelo conhecimento que foi reunido sobre as próprias fotografias.

 

Bretanha, França, 1948. Fotografia de Suzanne Daveau

 

terça-feira, 20 de julho de 2021

Universo de registo

[Suzanne Daveau 03] As fotografias de Suzanne Daveau, registaram o tempo longo das sociedades rurais ocidentais ou tribais de África, as paisagens quase intocadas pela mão humana, mas também o enunciar de um mundo em progressiva mudança. As suas memórias familiares, muitas delas fotografadas pelo avô Léon Robert a partir do ano 1900, que remontam ao último quartel do século XIX, contam-nos um século e meio de história.

O Atlas Suzanne Daveau, em exposição na Biblioteca Nacional de Portugal e com edição do Museu da Paisagem, é este percurso por um singular universo fotográfico que procurou uma ideia de verdade. Este é o retrato, o mapa, a geografia de uma mulher incansável que procurou conhecer e transmitir a sabedoria humana que se revela da terra. Talvez o que essa busca hoje nos devolve, seja a inquietação do tempo presente. As suas fotografias dizem-nos, também, que o conhecimento é a melhor ferramenta que temos para lidar com um mundo aberto e em mudança permanente. 

A ideia deste projeto editorial e expositivo nasceu a 22 de outubro de 2019. Nesse dia foi apresentado o filme Suzanne Daveau, na Culturgest, em Lisboa, no âmbito da programação do DocLisboa. No filme de Luísa Homem são mostradas uma série de fotografias comentadas pela própria Suzanne Daveau. São imagens com um forte carácter documental que, ali, eram um complemento visual ao seu pensamento geográfico, ao entendimento da relação que nós, humanos, estabelecemos com a terra.

As fotografias são, para Suzanne Daveau, uma ferramenta de trabalho. São registos informais, quase sempre para fixar a memória de um lugar, um ponto de vista e, mais tarde, servirem de apoio à reflexão geográfica e a trabalhos científicos de âmbito académico ou didático.

 

Mauritânia, s/data (Fotografia de Suzanne Daveau)

 

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Conhecimento geográfico

[Suzanne Daveau 02] Estas fotografias integram um caudal de conhecimento geográfico mas são também o retrato de um mundo, que, em muitos aspetos, já era conturbado no momento em que foram feitas muitas destas imagens. Há seis ou sete décadas ainda não se levantavam as questões que estão hoje na ordem do dia, relacionadas com a constatação científica de uma progressivamente célere intervenção humana na paisagem, as emissões de dióxido de carbono, a extensão das cidades, a poluição generalizada, a perda acelerada de biodiversidade. Este trabalho de registo fotográfico faz a ponte entre tempos diferentes, entre o fim de uma cronologia relativamente estável, e a aceleração do tempo histórico que é acentuada pela introdução generalizada das tecnologias digitais, na transição entre o século passado e aquele em que nos encontramos.

EUA, Boulder, Rocky Flat, 1965 (Fotografia de Suzanne Daveau)


domingo, 18 de julho de 2021

Introdução ao "Atlas Suzanne Daveau"

[Suzanne Daveau 01] Suzanne Daveau fez uma primeira fotografia, em Paris, em 1937. Tinha então 11 anos. As suas últimas imagens datam de 2000, quando decide deixar a fotografia por considerar que já não tinha mais capacidade para editar e arquivar devidamente o fluxo de imagens que estava a produzir. As suas imagens são o retrato objetivo do mundo que a fascina: a imensa diversidade das paisagens e o modo como, humanos, nos relacionamos com elas. O extenso trabalho científico que produziu dá-nos elementos para percebermos melhor a sua obra fotográfica, mas esta também pode ser lida e interpretada longe de qualquer referência escrita, no exterior da área académica que a produziu.

(Este texto foi escrito com a colaboração de Madalena Vidigal, para a exposição Atlas Suzanne Daveau, exposta na Biblioteca Nacional de Portugal, entre os dias 16 de abril e 31 de julho de 2021 e editada em livro pelo Museu da Paisagem).

 

Suzanne Daveau, Dakar, Senegal. 1963