terça-feira, 18 de julho de 2023

#07. Ler a força poética do visível

[porque fotografo-07] Em tudo há uma determinada força, uma poética, uma funcionalidade desconcertante, um motivo talvez, uma razão. Simultaneamente, nada tem um significado específico que não seja para quem observa algo. Não equaciono qualquer criação divina. Rejeito ideologias. Há uma poética que emana da terra, dos lugares, há uma beleza, tantas vezes pouco óbvia, em espaços que percorremos, em objetos com que nos cruzamos. Uma visualidade que nos fala da vida. A complexidade da matéria é feita de uma teia de relações estranhas.



 

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Aditamentos #11 - Quotidiano habitado

[porque fotografo-35] Este é um trabalho concreto. Procura coerência. As noites no campo são uma forma de integração numa realidade específica, diferente da do quotidiano urbano que geralmente habito. Mas tudo é abstrato. Um mundo particular. Não há aqui uma verdade determinada nem uma moral estabelecida. [Este é o último texto desta série, Porque fotografo o que fotografo].




Aditamentos #10 - Autores

[porque fotografo-34] Algumas fontes, alguns livros, alguns autores, mesmo aqueles que apenas falaram com imagens. Obras literárias, fotografias, descobertas científicas, uma história do microscópio e do telescópio, a narrativa fotográfica ligada a fixação da imagem retiniana, a descoberta dos vários sistemas que fundamentam a vida. A humanidade liberta da simplificação política entre esquerda e direita. A leitura, ainda não possível, dos princípios que nos regem como sociedade, que são os mesmos que regem a vida, que são os mesmos que regem o Universo.



 

Aditamentos #09 - Madrugada

[porque fotografo-33] Escrevo na solidão da madrugada. O silêncio comporta em si uma dimensão inaugural. Estamos longe da urbanidade, do ruído permanente de qualquer coisa próxima ou distante. Como se não houvesse vizinhos, frigoríficos, carros em movimento, um avião a rasgar os céus.



 

Aditamentos #08 - Metafórica estranheza

[porque fotografo-32] A conquista da sabedoria é uma ilusão. A vida é termos à nossa frente, sobre uma mesa, um puzzle. Todos temos um. Todos são diferentes, nas dimensões, na imagem ou imagens que representam, no número de peças. Poderá mesmo, este puzzle, ser um sistema de imagens que se ligam umas às outras, vários puzzles, no limite um jogo de perdição e loucura. Mas, para simplificar, temos um conjunto limitado de peças. Não sabemos se estão todas diante do nosso olhar. Haverá peças em falta? Cada peça representa um mundo particular, com uma determinada coerência, mas está ligada, em termos de sentido, a peças vizinhas. Mas cada peça, mesmo abstrata, não deixa de ser o ponto de partida para estranhas, eventualmente desconexas, viagens. Estamos, mesmo imóveis, em permanente movimento. Um puzzle representa o conhecimento do mundo. É uma imagem ilusória quando terminada, quando nos devolve o reflexo do todo que procurávamos, percebemos que esta é apenas um fragmento do real, um quase-nada, uma insignificância. Vamos querer saber mais, onde nos leva o conhecimento construído peça a peça. Entramos numa vertigem, num vórtice, que tem tanto de fascinante como de perigoso diálogo com o infinito, com impalpáveis dimensões do espaço-tempo que vislumbramos. Peças de transporte da matéria, átomos, moléculas. O puzzle do Universo. Regressamos à casa de partida. Recomeçamos a construção de algo indefinido, uma imagem etérea está a envolver-nos, multidimensional, metafórica. A sedutora estranheza da vida, o Universo a descodificar-se a si próprio.



 

Aditamentos #07 - Contra a eternidade

[porque fotografo-31] Não acompanho qualquer transcendência. Não me sirvo, que não seja pelo desejo de conhecimento do passado, de qualquer religião ou ideologia. O vazio contra a eternidade. Não tenho explicações para o mundo, não tenho propostas objetivas para uma sociedade melhor, para uma cidade perfeita. Desconhecemos o futuro, estamos, permanentemente, em processo de adaptação e mudança em relação a um mundo de indizível complexidade. Como neste caminhar, tudo é tentativa e erro, embora possamos saber, com maior ou menor clareza, que há direções onde a probabilidade de não nos levarem a bom porto são muito elevadas.



 

Aditamentos #06 - Imperfeição contraditória

[porque fotografo-30] Fotografias desprovidas de um significado imediato. Apenas registos de um mundo real, que todos habitamos, imperfeito, contraditório, um somatório de gestos descontrolados, erguido de baixo para cima, sem um projeto unificador, resultado da riqueza produzida, da ausência de predadores. O real é o resultado da liberdade. Vivemos num mundo que não vemos, que recusamos, como se a responsabilidade fosse de outros, de políticos, de construtores civis, de arquitetos. Raramente percebemos que somos parte ativa no quadro que habitamos, que somos uma peça mole na sociedade que estamos, paulatinamente, a construir. Não lutamos pela mudança.



 

Aditamentos #05 - Redes

[porque fotografo-29] Um certo manifesto contra alguns aspetos das redes sociais, valiosas ferramentas de comunicação, mas muito sujeitas à imposição de um gosto dominante. Todos, quase, parecem procurar uma ideia de pureza, ao mesmo tempo que negam a realidade, com todas as suas contradições. Na fotografia de espaço, de território, de arquitetura, isto é particularmente evidente. Ninguém quer ver o mundo que verdadeiramente habita, mas fragmentos de tempos passados a que ninguém quer regressar.



 

Aditamentos #04 - O documento entrópico

[porque fotografo-28] Há aspetos que poderão parecer contraditórios, como a questão documental e a criação de uma nova camada de realidade, que, por sua vez, ao invés de contribuir para a ordem, aumenta a complexidade e a entropia do sistema, ou o contrário daquilo que se procura.



 

Aditamentos #03 - Exercício didático

[porque fotografo-27] Este é um exercício didático, para mim e, eventualmente, para os mais jovens que peguem numa câmara fotográfica, num telemóvel, e comecem a interpretar o mundo visível, e nos revelem o que nem todos vemos. Recusem muito do que que já ouviram de outros, não enveredem por imagens já feitas, correspondências. Procurem, fundo, palavras que expressem singularidade, arrisquem, sem pressa. Há, simultaneamente, diferentes níveis de velocidade, de vertigem. Por trás de um trabalho que se desenvolve num tempo célere, há um pensamento lento, que se vai consolidado ao longo dos anos. Somos também constituídos por cronologias díspares, por vezes antagónicas. Nas materialidades de um fazer tudo fica registado, num arquivo facetamos um diamante trazido das profundezas da terra que somos.



 

Aditamentos #02 - Desinstitucionalização

[porque fotografo-26] Este não o deixa de ser um caminho de solidão e de liberdade. Há um certo desenquadramento, desinstitucionalização. Quando observo uma das minhas primeiras fotografias, feitas na praia da Senhora da Guia, em Vila do Conde, 1982, continuo a afirmar, hoje, a leitura visual da terra, do espaço habitado, mais do que a procura de imagens.



 

Aditamentos #01 - Para lá de uma maioria

[porque fotografo-25] A ordem dos 24 pontos acima referidos não tem entre si qualquer relação hierárquica ou de valor relativo, crescente ou decrescente. Estas palavras são sobre as imagens que se transformam noutras coisas. Um jogo de fuga e de liberdade. A fuga é às convenções opressoras, às imagens fáceis, aos lugares comuns, aos estéreis gostos da maioria sem nome. A liberdade é a anulação da angústia do insucesso, do falhar, da morte. A partir de um determinado momento já não podemos ganhar, nem perder, já não falhamos, estamos numa viagem imaginária, vertiginosa e bela, num limiar possível de espaço-tempo.
 


 

#24. Sobre o belo

[porque fotografo-24] Sobre a arte. Como se viesse uma força do fundo da terra e transformasse o significado da matéria, da energia, do Universo, em visualidade, em expressão, em corpo. Uma mensagem subliminar que ultrapassa uma beleza fácil, comum, gratuita. Uma dimensão de transporte para outras escalas do mundo, da vida. Um rosto revelado, na fronteira onde se tocam o bem e o mal. Um território de desafiante solidão, na construção de uma cidade imaginária. Urbanidade em viagem até ao primeiro segundo. Regressão. Passos hesitantes em paisagens desconhecidas. Vastidão vaga.



 

#23. Descentramento do ego

[porque fotografo-23] Apenas um desejo de perda de centralidade, no reencontro de um lugar original onde tudo terá começado. A definição de uma origem. O mais acutilante diálogo connosco próprios, na anulação breve das múltiplas figuras que nos habitam. Lugar de confiança e sobriedade. outras palavras para o amor. A perda benigna de um referencial sólido. Revelar, desvendar impossibilidades.



 

#22. Limites da linguagem

[porque fotografo-22] Há uma barreira invisível, um limite para a capacidade de expressão. Cada ser tem a sua própria fronteira. Uma componente do trabalho criativo pode ser o permanente desafia a passar essa barreira, chegar um pouco mais longe na capacidade de comunicar, de partilhar o indizível. As formas podem ser múltiplas entre palavras, imagens, formas, a presença do corpo. É, talvez, um problema de replicação, duplicação do real. Um desafio ao aumento progressivo da complexidade dos sistemas em que estamos inseridos, na gestão, no manuseio de uma vertiginosa quantidade de informação. Procuramos, no fundo, caminhos de liberdade, no esquivo jogo da linguagem na construção da memória do universo.



 

#21. Movimento e diferença

[porque fotografo-21] Um sentimento de fuga, a uma certa ideia de beleza, a modelos óbvios, à sedução do eventual sucesso, a instituições estáticas. Ter um enorme fascínio pelo, movimento, pela viagem permanente, pelo conhecimento da natureza ínfima, pelos detalhes indizíveis, pela permanente luta, pelo tempo que passa pelos lugares e objetos, por nós. Na vertigem, querer experienciar o fim. O que poderá ser interpretado como coragem, é apenas uma condição de vida assumida em risco e jogo.



 

#20. Anular a diferenciação entre arte e documento

[porque fotografo-20] Não. Não é aqui importante traçar uma linha entre arte e documento. Entre arte e aquilo que o não seja. Não querer entrar em jogos de sedução e de poder. Não responder a códigos do momento, a um espírito de rebanho, de seguirmos tendências. A arte é, muitas vezes, uma convenção arbitrária de diferenciação instituída por pessoas ou grupos no sentido de integração de objetos em cadeias de valor acrescentado. Caminho com uma câmara fotográfica, desenvolvo artefactos de comunicação.



 

#19. Traduzir uma experiência numa nova camada de realidade

[porque fotografo-19] Procuramos, também através da imagem fotográfica, entender o mundo em que vivemos. Desde a sua invenção, a fotografia estabelece uma relação equívoca com a realidade. Uma fotografia é, até pela etimologia da palavra, um desenho de luz, um registo bidimensional do visível, uma fixação da imagem retiniana. A fotografia não substitui a realidade, cria uma nova realidade, acrescenta entropia ao mundo humano, aquele que descodifica as próprias imagens que produz. A complexidade trazida pelas imagens define novas camadas de entropia e de urbanidade. Universos humanos tão reais como Imaginários.



 

#18. Levar mais longe a capacidade de ver, de observar

[porque fotografo-18] Porquê continuar a fotografar, um espaço, por exemplo, onde nada parece haver de novo? Quando regressamos a um mesmo lugar, tempo depois, verificamos, numa escala maior ou menor, que está diferente. Ou pela hora do dia, pela estação do ano, pela incidência da luz, pelas alterações do coberto vegetal, pela erosão, por alguma intervenção humana, observamos diferenças. Não há repetição. Num mesmo espaço, ver mais. Desenvolver progressivamente modos e metodologias de observação. Acrescentamos, permanentemente, sucessivas camadas de conhecimento à leitura do tempo e do espaço que temos diante do olhar.



 

#17. Ser livre

[porque fotografo-17] Ser, em grande medida, solitário. Começar a caminhar na madrugada. Desenho de liberdade para errar, para procurar caminhos, para negar, mesmo uma sociedade inteira, na responsabilidade de não destruir nada, apenas propor um olhar alternativo. Não embarcar em religiões, escolas, ideologias, assumir uma postura racional, saber da especificidade de cada unidade de vida. Não temer o insucesso, sabendo que temos que sobreviver, autónomos e independentes numa sociedade que tem regras, que tem princípios económicos. Entender a vida como um jogo, aberto e imprevisível, em que temos que ser livres para seguir o movimento que, a cada instante, nos parecer o mais viável.



 

#16. Foco extremo e ausência

[porque fotografo-16] Concentração numa tarefa, no entendimento de uma realidade visual que temos diante do olhar. Não há o jogo da mente, não temos de medir os nossos passos em função de quem nos observa, da moral, dos códigos, nossos ou alheios. Estamos ausentes num exercício momentâneo de diálogo inteiro com o exterior. Somos corpo em movimento em relação com o que temos diante do olhar, diante da câmara fotográfica. Estamos profundamente integrados no espaço e no tempo desse exercício. Regressamos a um lugar primordial. Somos indistintos do que nos é exterior.



 

#15. Ser conhecimento líquido

[porque fotografo-15] O conhecimento não tem uma forma definida, definitiva. Há metodologias de aproximação à verdade da matéria. A fotografia, enquanto atividade de recolha de imagens, representa um desenho de conhecimento desse universo que se regista. A diversidade de situações com que nos confrontamos, já não apenas no ato fotográfico, estabelece pontos com outras áreas de conhecimento. O desenvolvimento de projetos documentais e criativos, com base na fotografia, leva a que nos soltemos das imagens e as relacionemos com áreas de conhecimento muito diversas. Talvez um entendimento da vida liberto de convenções, na busca de uma ideia de verdade.



 

#14. Ligar, topologicamente, o inusitado

[porque fotografo-14] Começamos, talvez, por relacionar lugares distantes, sem qualquer relação geográfica entre si. Desenhamos, progressivamente, um grande mapa que é a nossa vida. Nele há sítios distantes, aparentemente sem relação entre si. Os lugares são metáforas transformadas em conceitos de relação que estabelecem pontes com realidades distantes. Paulatinamente vamos estabelecendo uma rede que tudo liga. Com o passar do tempo vamos encontrando pontos de contacto. Desenhamos lugares imaginários, estranhos, cintilantes. Penetramos nos segredos da matéria, da vida, de uma origem. Encontramos o que não procurávamos.




#13. Procurar, incansavelmente, fontes

[porque fotografo-13] As fontes têm aqui um carácter simbólico. São, simultaneamente, as fontes que permitem saciar a sede numa caminhada, são o alimento da razão, que nos permite conhecer os segredos do mundo, da vida. As fontes são uma torrente de informação, de conhecimento, a que temos acesso de uma forma quase aleatória, substancialmente errática. Servimo-nos de tudo que nos é acessível e somos ativos na procura, em resposta a uma enorme curiosidade por um conceito de verdade. Procuramos a estabilidade, a ordem, a coerência.



 

#12. Lidar, dançar, com a dureza da vida

[porque fotografo-12] A Biologia, o estudo dos processos orgânicos, do desenvolvimento celular, a especiação, a adaptação permanente a um meio em mudança constante, torna evidente que nada é estático. Nunca a vida foi fácil, no planeta que habitamos. Como num jogo de sobriedade e de diálogo com regras que não somos nós que definimos, entramos num rio poderoso em movimento. Lutamos pela sobrevivência no tabuleiro de um jogo de regras subtis, ambíguas, não raras vezes duras. Procuramos lugares e singularidades. Rejeitar imagens fáceis, apenas belas, codificadas com um gosto dominante. Evitar, tendo acontecido, a sedução do sucesso.