sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Dez dias, trinta anos depois

[20-29jul2014_mondego-guimarães-amarela 49] Dez dias passados, registados aqui. Partira a 20 de julho para o Cabo Mondego e terminava no campo de penedos erráticos do Alto Vez, no dia 29. Quase trinta anos passados em viagens por Portugal, mais de um milhão de fotografias feitas sobre o espaço português, paisagens e arquiteturas. Na preparação de novas viagens vou constatado que há ainda uma imensidão de lugares para visitar, fotografar, com a tentativa de olhar renovado e a ambição de representar um espaço de uma extrema riqueza. Como que habitar a terra numa condição nómada, para mais tarde, de uma forma possível, sempre à procura de soluções evolutivas, representar um país, ou, mais do que um país, o lugar interminável onde nós, humanos, temos de encarar o futuro, o tempo incerto, olhando o passado, o tempo que não volta.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Salsas

[Linha do Tua 81] Já estamos perto do final desta etapa do nosso percurso ferroviário. Chegamos à estação de Salsas. A estação e o pequeno edifício das instalações sanitárias foram alvo de obras recentes e apresentam um aspeto cuidado e respeitador do desenho original. Também houve o cuidado de manter o cais de embarque, bem como o depósito de água. Não há, no entanto, vestígios do armazém de mercadorias, que certamente existiu no local. Esta intervenção de requalificação da estação de Salsas representa um bom exemplo de aproveitamento da antiga estrutura ferroviária, com novas funções, que simultaneamente contribui para a preservação da memória ferroviária. A ferrovia constituiu, durante cerca de cem anos, um importante pólo de dinamização da aldeia. Foi aqui que um dos mentores da Linha do Tua, o conselheiro Abílio Beça, perdeu a vida, trucidado por um comboio. Uma placa na parede exterior da estação faz menção a esse acidente.



segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Muro errático

[20-29jul2014_mondego-guimarães-amarela 48] Se os enormes penedos erráticos, viajantes, nos chamam a atenção, também pela sua disposição aleatória, quando olhamos para os muros de divisão de propriedade agrícola, reparamos que também eles são feitos de granito. São muros de pedras erráticas que, pela sua reduzida dimensão, puderam ser empilhados na 'limpeza' possível daqueles terrenos. Quase sempre as pedras daquela dimensão, de superfície arredondada e polida, são trazidos dos rios. Estes apresentam uma superfície invulgarmente texturada. São o reflexo de uma erosão agreste provocada pelo gelo.

domingo, 26 de outubro de 2014

Fermentãos

[Linha do Tua 80] A paragem que se segue, a pouco mais de um quilómetro, é Fermentãos. Trata-se de um apeadeiro que teve uma primeira localização a cerca de 200 metros do centro da povoação; posteriormente, foi construído um alpendre mais próximo da área edificada. O primeiro edifício, construído em alvenaria de pedra, encontra-se arruinado e parcialmente encoberto por vegetação arbustiva. Nesse lugar, a própria via-férrea está completamente intransitável. Nas proximidades do alpendre mais recente ainda existe um pequeno troço de carris, mas o conjunto apresenta uma imagem de abandono completo. Nesta aldeia também podemos observar edifícios isolados e conjuntos edificados que são a imagem de uma arquitetura tradicional comprometida com os materiais que a terra dá, principalmente pelo uso abundante da pedra, em paredes de alvenaria de junta seca.




sábado, 25 de outubro de 2014

Penedos erráticos do Alto Vez

[20-29jul2014_mondego-guimarães-amarela 47] De uma leitura recente tomara nota deste lugar. Junto a um santuário onde já tinha estado, Nossa Senhora da Paz, encontram-se um conjunto de penedos graníticos de dimensão variável, sendo que alguns têm vários metros de comprido. Poderiam ser rochedos como outros quaisquer que encontramos um pouco por todo o lado. Mas estes apresentam uma particularidade: estão 'pousados' sobre um terreno de xisto. Os penedos falam-nos de uma viagem longa que poderá ter durado milhares de anos. São penedos que se soltaram, ou que foram arrancados dos seus lugares de origem, pela força de um glaciar. Estes rochedos comprovam a existência de glaciações na serra da Peneda. Aquele local já esteve coberto por um imenso rio de gelo.





sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Chãos

[Linha do Tua 79] O apeadeiro de Chãos não passa de um pequeníssimo alpendre, junto de um estradão que atravessava a ferrovia. Do sítio colhem-se amplos horizontes para poente e para norte, de onde vemos elevar-se a serra da Nogueira. Apesar da proximidade à anterior paragem, dois quilómetros a sul, o contexto paisagístico deste lugar é bastante diferente do anterior, que era dominado por uma vegetação muito densa. Sem ter o carácter surpreendente do primeiro troço desta viagem, entre o Tua e Mirandela, neste troço, à medida que avançamos para norte, não deixamos de verificar uma grande diversidade de situações de paisagem. Ao contornar cada curva tem-se uma nova experiência visual, e o sentimento de se estar num mundo arcaico. Ao mesmo tempo, uma paisagem que nos é familiar e o carácter isolado do lugar (e o seu abandono) fazem-nos idealizar, paradoxalmente, um mundo rural íntegro, não corrompido por construções que o descaracterizem. Esta é uma paisagem que nos fala da nossa própria identidade e que pode fazer um apelo à reflexão sobre o uso que fazemos do território.



quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Planalto norte

[20-29jul2014_mondego-guimarães-amarela 46] O planalto do Giestoso localiza-se no extremo norte do Parque Nacional da Peneda-Gerês. É um espaço de uma dimensão assinalável, com cerca de 5 por 10 quilómetros, acentuadamente plano, por oposição às terras envolventes de pendentes, por vezes, muito acentuadas pela erosão dos rios.



quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Sendas

[Linha do Tua 78] Chegamos à estação de Sendas. Trata-se de um conjunto arquitetónico bem conservado, numa área de acentuada planura e relativamente longe das povoações próximas, como Sendas, a dois quilómetros, ou Vinhas a cerca de quatro quilómetros. Deste local para norte entramos no concelho de Bragança e estamos a cerca de 680 metros de altitude. Segue-se um troço um pouco mais acidentado, com curvas e contracurvas, a meio de uma encosta que sobe na direção nascente para uma área planáltica. O apeadeiro de Vila Franca, a meio dessa encosta, está muito isolado e, agora, escondido no meio de uma floresta de pequenos carvalhos. A estrutura construída, um pequeno alpendre, é semelhante à de Valdrez. No local ainda é possível observar o cais de embarque de passageiros. A cerca de 600 metros do apeadeiro localiza-se a povoação que lhe dá o nome, Vila Franca de Lampaças.






terça-feira, 21 de outubro de 2014

Anta no Giestoso

[20-29jul2014_mondego-guimarães-amarela 45] Uma anta e a sua mamoa, no planalto do Giestoso, comprovam a remota antiguidade do povoamento do lugar, que já era afirmada pela ponte de Portos, não muito distante desta sepultura do neolítico.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Terras agrícolas

[Linha do Tua 77] Não temos, nesta paisagem, o carácter de montanha e de clima agreste da Terra Fria, que se desenvolve a norte de Bragança. No entanto, abandonamos progressivamente as temperaturas elevadas da região de Mirandela. A proximidade da serra da Nogueira traz consigo algumas culturas agrícolas, como a batata, o centeio e outros cereais pouco frequentes na Terra Quente, mas continuamos a observar, se bem que de uma forma mais dispersa, a vinha, a amendoeira, a figueira e outras fruteiras, e a oliveira que nos acompanha desde o início do itinerário. Tudo isto acontece em parcelas relativamente pequenas, por vezes delimitadas por muros de pedra ou por alinhamentos de árvores ou arbustos. Para compor este mosaico, encontramos galerias ripícolas junto às linhas de água, muitas vezes bastante ricas em fauna e flora. Estas terras, que observamos em longos horizontes a partir da linha-férrea, apresentam um aspeto cuidado, mas não deixam de mostrar, a um olhar mais atento, alguns sinais de abandono. É uma paisagem dependente do trabalho agrícola de uma população cada vez mais envelhecida, que tende a desaparecer. As parcelas de pequena dimensão, associadas à subsistência de quem as cultiva, sem uma estrutura de organização coletiva, são uma condicionante deste mosaico de grande mas frágil riqueza. Muitas vezes, as parcelas agrícolas de pequena e média dimensão são explorações familiares não especializadas e albergam culturas diversificadas, não raro trabalhadas pelos seus proprietários em regime de fim-de-semana, porque a sua atividade principal reside nos aglomerados urbanos.

domingo, 19 de outubro de 2014

Ponte de Portos

[20-29jul2014_mondego-guimarães-amarela 44] Uma vez ouvi o padre Amilcar Rodrigues, incansável estudioso da região, já desaparecido, dizer que a ponte de ponte de Portos era de origem celta, anterior ao povoamento romano da região. Não é fácil, ou possível, datar aquela estrutura, mas é provável que seja das mais antigas pontes de Portugal. A sua estrutura em asnas é muito rara, ou mesmo única, em Portugal.


sábado, 18 de outubro de 2014

Valdrez

[Linha do Tua 76] Seguimos para o lugar de Valdrez, onde existe um pequeno apeadeiro. Percorremos as terras de transição da Terra Quente para a Terra Fria Transmontana. O baixar da temperatura vai acusando a subida na altitude desta região planáltica. Santa Combinha, que agora se encontra numa península em plena albufeira do Azibo, não fica longe. A aldeia ocupa uma linha de festo que estrutura o povoado ao longo de uma rua central; no extremo dessa rua localiza-se a igreja matriz. Tal como em Salselas, também nas proximidades de Santa Combinha foram encontrados vestígios arqueológicos, alguns deles datados do Paleolítico, que atestam bem o antiquíssimo povoamento destes lugares.
Apeadeiro de Valdrez. 2009

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Portagem

[20-29jul2014_mondego-guimarães-amarela 43] A caminho do planalto do Giestoso, perto da Castro Laboreiro, etapa seguinte da viagem, parto pelo caminho mais curto, que ali envolve o atravessamento de um parte do território espanhol. Dirigi-mo às Caldas do Gerês para, posteriormente, seguir para a Portela do Homem, onde antigamente se localizava um posto de fronteira. Qual não é a minha perplexidade quando, na Portela de Leonte, à entrada da Mata de Albergaria nos é cobrada uma portagem para o atravessamento da mata. Não tive outro remédio senão pagar um euro e meio para fazer seis quilómetros de uma estrada esburacada, envolvida, é certo, por uma das matas mais bem conservadas de Portugal, onde era estritamente proibido parar o carro. O papel, recibo, que me deram tinha escrito a entidade que fazia a cobrança: Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território. Antes de entrar em Espanha levava a imagem de um país a saque e o receio de que a moda pegue e passem a ser cobradas portagens nos mais inusitados lugares, confinando ainda mais as pessoas à impossibilidade de se deslocarem.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Salselas

[Linha do Tua 75] A viagem prossegue e, à medida que avançamos para norte, vai-se notando progressivamente o abandono da infra-estrutura associada à linha ferroviária. Passamos ao apeadeiro de Salselas, cujo edifício original, do período da construção da via, se encontra parcialmente arruinado. Mantém-se de pé um pequeno alpendre, de construção mais recente. A Igreja Matriz de Salselas data de 1727 e apresenta no seu interior um retábulo com pinturas da época barroca. Nas imediações da aldeia foram encontrados vestígios arqueológicos da Idade do Bronze, no sítio do Cabeço da Anta, e do período romano, no lugar dos Barreiros. Prosseguimos para norte e continuamos a subir, se bem que aqui a subida não seja muito acentuada. Pontualmente encontramos vestígios da linha ferroviária, mas os carris são praticamente inexistentes. O facto de a linha ter sido abandonada tornou o seu traçado, em alguns casos, quase impercetível. Noutros casos, o traçado foi transformado em estradão agrícola. De qualquer forma, a sua unidade como via de comunicação, cujo traçado une pontos muito distantes, está agora praticamente perdida, uma vez que, com frequência, esse traçado é interrompido e por vezes quase desaparece.



Manta

[20-29jul2014_mondego-guimarães-amarela 42] Uma manta repousa no fundo do tanque de uma fonte, no Campo de Gerês. A imagem contraditória, mas bela, de um conforto submerso. Um dia quente arrefecido no irrespirável. Afogamento.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Azibo

[Linha do Tua 74] Depois de um troço com a direção poente-nascente, desde Macedo de Cavaleiros, o traçado ferroviário curva para norte. A estação de Azibo situa-se junto à aldeia de Vale da Porca. A pouco mais de um quilómetro a norte está a Barragem do Azibo, edificada sobre o vale do rio homónimo e envolvida pela Área de Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo, uma zona muito interessante do ponto de vista da paisagem e da biodiversidade. A barragem, de tipo aterro com enrocamento a montante, foi inaugurada em 1982 com o fim de servir para a rega e abastecimento de água às populações do concelho de Macedo de Cavaleiros. A área de Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo foi criada em Agosto de 1999, visando a conservação da Natureza, a valorização do património ambiental e a criação de um espaço de repouso e recreio. A albufeira criou duas praias fluviais, a praia da Ribeira e a praia da Fraga da Pegada, esta última considerada entre as melhores praias fluviais de Portugal.
Barragem do Azibo. 2001


segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Entre montanhas

[20-29jul2014_mondego-guimarães-amarela 41] O grande lago de Vilarinho das Furnas visto da margem direita do rio, a partir de pontos elevados, torna-se bastante expressivo. É uma imensa massa de água entre montanhas.

Tua, Sabor

[Linha do Tua 73] Após a saída de Castelãos, ao quilómetro 86, dá-se uma passagem que não é muito percetível no terreno, mas que tem um significado geográfico interessante. Abandonamos a bacia hidrográfica do Tua, por onde andávamos desde o início da viagem, para passarmos para a bacia do Sabor, outro importante rio da hidrografia transmontana. É nesta enorme concha que vamos permanecer até ao ponto terminal da viagem, em Bragança. É de salientar que ambos os rios, Tua e Sabor, fazem parte dessa enorme bacia que alimenta o rio Douro.



domingo, 12 de outubro de 2014

Habitar arcaico

[20-29jul2014_mondego-guimarães-amarela 40] Certamente que existiram referências e, eventualmente, estudos sobre o povoamento da serra Amarela. No entanto não conhecia qualquer referência àquele espaço. Era o arcaísmo extremo de uma aldeia encontrada por acaso, a fazer lembrar uma outra branda da serra da Peneda, mas esta já descrita e fotografada na obra "construções primitivas em Portugal", e que eu procurar havia alguns anos até finalmente a conseguir visitar no ano 2009. Todas as construções estavam arruinadas, mas apresentavam a singularidade única de serem edificadas com grandes pedras e de estarem próximas uma das outras. A sua tipologia fazia lembrar os dolmens, sendo que não se tratavam aqui de sepulturas mas espaços de habitar, muito provavelmente, habitação sazonal, tal como recentemente acontecia com as brandas, que apenas eram ocupadas entre o fim da primavera e início do outono.




sábado, 11 de outubro de 2014

Castelãos

[Linha do Tua 72] O comboio seguia para o apeadeiro de Castelãos, que hoje ainda ostenta as marcas dessa passagem através da presença de um pequeno edifício; no entanto, os carris já não existem no local, situação que se irá repetir com uma frequência cada vez maior ao longo da linha, à medida que avançamos para norte. A Igreja Matriz de Castelãos terá origem no século xvi ou no início do século xvii, já que são deste período as pinturas maneiristas que decoram o seu interior. Outro facto curioso associado a Castelãos é a passagem pela aldeia de D. Nuno Álvares Pereira com o seu exército, em 1386.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Vento

[20-29jul2014_mondego-guimarães-amarela 39] Na segunda noite na serra Amarela, a uma altitude ainda relativamente elevada, a escuridão avançou a par de uma nortada bastante acentuada. Saí da tenda, que estava com um efeito de 'bandeira' que me impedia de dormir, e fui deitar-me ao abrigo de um penedo. Nestas alturas não deixo de pensar no habitar, na relação com o espaço, numa certa ancestralidade que, ocasionalmente, podemos vivenciar, como se nos nossos genes ainda estivesse inscrito um código de sobrevivência em meio hostil. Por vezes sinto que trazemos dentro de nós um fascínio muito arcaico pelo belo das paisagens, que nos terá levado, homo sapiens sapiens, a povoar todo o planeta na altura em que despertava a 'consciência' tal como hoje a conhecemos.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

A estação de Macedo

[Linha do Tua 71] A arquitetura da estação é próxima dos edifícios que temos observado ao longo da linha (com exceção da estação de Mirandela), mas tem aqui dimensões ligeiramente maiores. O espaço ocupado pelas várias vias, bem como a existência de uma placa giratória, denota a importância desta estação no troço entre Mirandela e Bragança.
Estação de Macedo de Cavaleiros. 2009

Estação de Macedo de Cavaleiros. 2001

Muro

[20-29jul2014_mondego-guimarães-amarela 38] Atingido o ponto culminante da serra, iniciamos a descida, na direção da barragem de Vilarinho das Furnas. Vamos contornar, pela linha de festo poente, a bacia da Ribeira das Furnas. Os muros aparentemente intermináveis são agora a marca dominante do povoamento humano desta vertente da serra, muito diferente daquele por onde subíramos.