sexta-feira, 29 de março de 2013

O tempo longo de Portugal

Real. Eiriz. Paços de Ferreira. 1996
[Viagens. Paisagens 06] O trabalho sobre o Tejo tinha sido um primeiro ensaio sobre a abordagem da paisagem que mais tarde desenvolveria em Portugal - O Sabor da Terra. Este projeto foi concebido em 1994/1995. O conceito base era a realização de um conjunto de exposições simultâneas, e edição de vários volumes em livro, um por cada exposição, ao mesmo tempo que se realizava a Expo'98, em Lisboa. Se a exposição universal tinha como tema os oceanos, o objetivo do conjunto de exposições era o de mostrar o Portugal interior, quase como se fosse uma iniciativa espelho, ou inversa, da exposição de Lisboa. Uma estava voltada para os mares, a outra, disseminada em 14 núcleos, incidia sobre a terra e sobre o 'tempo longo' do povoamento de Portugal. Desejava-se o retrato de um país, como que a tentativa de fixação de uma identidade coletiva, através da leitura fotográfica de cada uma das regiões.
Redondo. 1996

quinta-feira, 28 de março de 2013

A arquitetura nas fotografias

Aula de Desenho. Porto. 1987
[Viagens. Paisagens 05] Esta era a fase inicial do meu trabalho em fotografia, já terminara a formação em arquitetura e desenvolvia atividade nessa área, no projeto de edifícios. Mas a fotografia era uma presença que eu nunca abandonara, mesmo durante os estudos. Talvez o aspeto mais importante da minha aprendizagem da fotografia tenha sido o estudo da arquitetura.  Foi-o seguramente. A fotografia era uma forma de registo do espaço, bem como da experiência de habitar os lugares. Havia, na fotografia, uma ideia de desenho, de esquisso, de apontamento breve de um mundo visível, que muito praticara durante a minha formação, particularmente no Porto, mas depois também em Lisboa. Mas a arquitetura, as metodologias de projeto, ficaram como um desejo de participação na construção de um território humano, uma reflexão sobre os fazeres que conduziam à transformação de um espaço prévio, num outro, de acordo com um desejo de afastamento a uma Natureza primordial. A fotografia a preto e branco decorria destas reflexões e de uma certa procura da tal informalidade associada ao desenho.
Porto. 1986

Aula de Projeto. Porto. 1987

quarta-feira, 27 de março de 2013

O Mar da Palha

Mar da Palha. 1995
[Viagens. Paisagens 04] Com Tejo, exposto no Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa em 1996, ficara-me sobretudo a imagem do imenso Mar da Palha, cujas margens percorri em quase toda a sua extensão. É esta imensa superfície líquida que confere sentido à ocupação humana dos seus limites. Há estes espaços uma desarrumação fascinante, um povoamento atabalhoado, quase a querer marcar uma presença, ou um lugar que não se quer perder, na primeira fila de um espetáculo.
Mar da Palha. 1995

Mar da Palha. 1995

Mar da Palha. 1995

terça-feira, 26 de março de 2013

Luz

Queluz. 1990
[Viagens. Paisagens 03] A luz é uma ausência nestes ensaios de palavra, que tenho alguma dificuldade em explicar. Em todo o meu trabalho a luz é, talvez, o mais determinante elemento de finalização de uma fotografia. As fotografias começam com as viagens, com a captura do espaço e do tempo, vertidos em imagem bidimensional. Raramente penso na luz de uma forma objetiva, ou consciente; entendo ser ela a mais poderosa ferramenta intuitiva do labor fotográfico. É a luz que me prende a uma realidade oculta, difusa, que tem a sedução de um caminho que se segue de uma forma inebriada e incansável. A luz é quase como o negativo da viagem, o seu espaço de simetria, é o abeirar-mo-nos do intangível, do que se esvai do pensamento quando o nomeamos. Há um mistério que move os nossos passos, que nos dá energia, talvez uma força quântica.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Gravuras

Gravuras rupestres da Quinta da Barca. Vila Nova de Foz Côa. 1996
[Viagens. Paisagens 02] Não me vou aqui alargar sobre Foz Côa, onde, mais uma vez, deverei regressar para o ano que vem, 2014. Sem duvida que as gravuras rupestres representam aquelas que são umas das mais singulares representações gráficas existentes em Portugal. São aquelas que, por estarem mais distantes no tempo, são as que mais se aproximam de um passado em que a humanidade começa a construir e a representar o desejo de desvio em relação a uma Natureza dada. Estes escritos na pedra vão assumindo diferentes significados ao longo do tempo, por isso todos os regressos a estes lugares seminais, são uma reflexão sobre o espaço, sobre o tempo, sobre a luz que materializa o visível.
Ribeira de Piscos. Vila Nova de Foz Côa. 1995

quinta-feira, 21 de março de 2013

Partir de duas conferências

Botas de campo. 1996
[Viagens. Paisagens 01] Sobre duas conferências para que fui convidado a falar do meu trabalho, revisito aqui, na Cidade Infinita, alguns marcos de percurso, desde um ensaio sobre Foz Côa, seguido de uma viagem ao Tejo, para depois mergulhar em todo o Portugal peninsular em Portugal - O Sabor da Terra. Assumia então o fascínio pelo documentalismo expressivo, pela construção das paisagens que nos mostram as fotografias, por um mundo que não sendo real, não é virtual, é um espaço tão difícil de precisar quanto o é a própria natureza da imagem fotográfica. Talvez a complexidade do mundo iconográfico e de sentido, de múltiplas interpretações, seja um espaço desvinculado de uma anterior relação analógica com o espaço-tempo. Talvez aquilo que era o universo pessoal cada um de nós, quase como um espaço intransmissível, cerebral, do universo das memórias, seja hoje o ambiente que habitamos, pois são cada vez mais as imagens a que temos acesso de forma deliberada ou inadvertida. Hoje parece viajarmos mais na ausência de movimento, do que quando nos deslocamos fisicamente sobre uma paisagem. Estes escritos que se seguem, são sobre esses momentos de diálogo com as paisagens, mas também com o seu rasto inacessível deixado nas fotografias e nalguns livros.
Rio Côa. 1995

quarta-feira, 20 de março de 2013

Os Desastres da Guerra, Graça Morais

Catálogo da Exposição de Graça Morais - Os Desastres da Guerra. 2013
Um dos leitores que tinha sido selecionado por Fernando Pinto do Amaral, para o trabalho que aqui mostrei, como Retratos de Leitura (http://cidadeinfinita.blogspot.pt/2013/01/avancar.html), era Graça Morais. Quando me encontrei com ela no seu atelier em Lisboa, estava nos últimos preparativos para uma exposição que ia inaugurar na Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva. Essa exposição de pintura - Os Desastres da Guerra - agora está prestes a encerrar. A pintura figurativa parece, muitas vezes, ser um mundo distante, quando a fotografia parece invadir o espaço das artes plásticas. Graça Morais resiste, mostra-nos mais uma vez a invulgar destreza a lidar com a magia da representação pictórica, que nos liga às mais ancestrais representações humanas, deixadas pelo homem paleolítico em cavernas. Esta exposição é um grito de perplexidade sobre o tempo que habitamos:

"Pinturas nas quais homens e mulheres se transmutam em animais.
Animais que ganham a força de heróis.
Anjos que carregam nos seus braços seres que são resgatados do inferno e dos desastres das guerras e das doenças.
Pietàs que revelam a natureza humana numa recusa em aceitar a fatalidade da maldade sem rosto que ensombra a Terra.Estas Pinturas são o meu grito de alerta e revolta perante um mundo que apreendo através dos jornais, das televisões e dos media e que também sinto no olhar das pessoas com quem me cruzo no meu quotidiano, numa cumplicidade de olhares, cheios de dignidade mas também muito sofrimento."
Graça Morais, Outubro de 2012

terça-feira, 19 de março de 2013

12.12.12


12.12.12. Páginas 156 e 157, com fotografia de Duarte Sá.
Uma situação relatada, já no fim do livro, prende-me a atenção: um fotógrafo de Funchal fala das perdas do seu trabalho, das quebras do seu negócio. Um número progressivamente menor de clientes e as suas palavras na afirmação de que o advento da fotografia digital e a crise atual estão a provocar o fim da sua atividade.
Do que Gil Santos, da Foto Sol, Funchal, fotografado por Duarte Sá no projeto 12.12.12, nos fala é também, talvez sobretudo, de um momento em que uma alteração civilizacional parece estar em curso, e pouco ficará como o era há poucos anos atrás. Uma poderosa máquina económica e financeira, avança cega a cobrar muito mais do que lhe era devido; depois de vender o dinheiro barato, vem agora cobrar o que antes não fazia parte do contrato. Descobrimos todos, incautos, que o nosso labor, progressivamente desvalorizado, nunca será suficiente para pagar uma dívida que cresce todos os dias. Aparentemente conseguimos nomear responsáveis, mas não é fácil encontrar culpados, numa mancha de responsabilidade coletiva que alastra imparável, que todos nos arrasta para o seu absurdo. O sistema de trocas em que vivemos parece conter algo de suicidário, como um vírus que alastra dentro de um organismo até provocar a sua morte, e assim também ele morrer. Dir-me-ão que entretanto passou para outro organismo, pois é essa a "determinação" viral, pois vive de se expandir indiscriminadamente, para assim permanecer vivo. Numa economia globalizada fazemos todos parte de um único organismo, estamos todos conectados: a Terra é o corpo comum que todos habitamos. Estamos perante a eminência de um choque civilizacional.
Mais do que nos prendermos às imagens, este livro fala-nos dos fragmentos dispersos do tempo presente. Fala-nos da determinação de um conjunto de fotógrafos que não deixa de trabalhar no olho do furacão, deste tempo que toda a criatividade parece querer aniquilar. Fala-nos de um conceito de edição que não teme a convivência com a palavra, com a voz de diversos autores, que conferem à edição um carácter de diálogo complexo entre identidades. É um livro que nas suas páginas celebra a esperança e a não-desistência. Entre vidas desconexas há a dignidade que comunica um sentimento, que generosamente se oferece um olhar despojado, há também a matéria, as construções humanas e em tudo uma imensa incerteza.
Fotografias: Lara Jacinto; José Carlos Carvalho; Nuno Veiga; Adriano Miranda; Vasco Célio; José Manuel Ribeiro; Adriana Morais; Ricardo Meireles; Nuno Fox; José António Rodrigues; Duarte Sá e Rodrigo Cabrita.
Textos: Graça Morais; Carvalho da Silva; Paulo Barriga; Ana Cristina Pereira; Nuno Faria; Luís Afonso; Ana Sá Lopes; Fernando Alves; Frei Fernando Ventura; Rui Goulart; Vicente Jorge Silva; José Luís Peixoto.
Prefácio de António Barreto e design de Paulo Barata Corrêa e Rita Múrias.
Edição Quidnovi.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Agradecer

Portinho da Arrábida. 2012
[Ler, fazer, caminhar 31] Este trabalho contou com alguns intervenientes que possibilitaram a sua concretização. Um agradecimento muito especial a Fernando Pinto do Amaral, à torrencialidade contagiante da emoção que coloca nos detalhes do seu labor. Aos leitores António A. Coutinho, Beatriz Batarda, Graça Morais, Marcelo Rebelo de Sousa e Rodrigo Leão, pela disponibilidade, entrega e acolhimento deste ato fotográfico. A Paulo Pinheiro, de Viseu, pelo seu inexcedível empenho, rigor e profissionalismo na impressão das fotografias, já no passado demonstrado. A Álvaro Duarte de Almeida no apoio no transporte das fotografias e montagem da exposição, pela amizade incondicional de quem nunca falta ao mínimo pedido de ajuda. Finalmente a quem me é mais próximo, a Susana, o Pedro e o Afonso, pela compreensão sempre demonstrada quando me ausento em passos laborais, e num desconhecido que algumas vezes me transporta ao limiar da desorientação. A eles agradeço a lealdade de um norte sempre presente. (Este foi o último texto, e imagens, relativas ao processo da exposição sobre a leitura, promovido pelo Plano Nacional de Leitura).
Serra do Risco. 2013

terça-feira, 12 de março de 2013

Livros, livros

[Ler, fazer, caminhar 30] Este é um processo de leitura do mundo, de uma realidade próxima e imediata, daqui se parte para os livros e aqui se chega dos livros, de todas as leituras infinitas, de todas as experiências. O livro tem um carácter seminal no arquivo do saber, no levar mais longe as possibilidades do conhecimento humano. Ele inaugura a democratização da sabedoria que evolui e não pode ser transportada dentro de cada ser. Uma biblioteca é uma memória imensa e acessível que existe no exterior de cada um de nós. Os meios atuais, digitais, de divulgação da palavra e do conhecimento, mais não fazem do que agarrar nesse lastro milenar, para projetarem para lugares mais distantes o humano desejo evolutivo.
Cabo da Roca. Sintra. 2012

sexta-feira, 8 de março de 2013

Sobre os trilhos da floresta

Portinho da Arrábida. 2012
[Ler, fazer, caminhar 29] Os anos passam. A aprendizagem de um oficio requer tempo. Nos meios científicos, há a evidência, e a tradição, de projetos que são desenvolvidos ao longo de muitos anos, muitas vezes por diferentes equipas, mesmo sem contacto entre si. Há a persecução de uma ideia, de uma intuição, que pode não dar em nada, mas que aprofunda metodologias e experiências que não se vão perder. Nas áreas criativas a realidade vai-se aproximando destes conceitos de trabalhos desenvolvidos no tempo. No entanto continuamos a associar à criatividade rasgos de genialidade acessíveis a poucos. Quando emerge o fulgor de um trabalho inovador, teremos que verificar como se comporta no tempo mais longo. Mais do que de inspiração, um trabalho criativo quer continuidade e persistência, há um jogo de maturidade que ilumina um caminho de escuridão, que revela formas antes não observadas, que liga realidades ocultas, muitas vezes opostas, que existem dentro de cada ser. Os anos passam, os passos evoluem sobre os trilhos de uma floresta densa, sobre a vastidão de um deserto.
Serra do Risco, prox.. 2013

quinta-feira, 7 de março de 2013

O que são as paisagens?

Portinho da Arrábida. 2012
[Ler, fazer, caminhar 28] O que são as paisagens? São os grandes lugares de encontro com a natureza funda das coisas e do nosso próprio ser. São a memória de vivências nossas, mas, eventualmente, das mais arcaicas vivências da espécie, codificadas nos nossos genes e que sobre os nossos desejos exerceram um movimento condicionado de procura. Há, também, muitas vezes, uma beleza difícil de objetivar, que se prenderá com o encontro desejado desse mesmo mundo arcaico, impoluto, ausente de marcas corruptivas, de todos os gestos humanos, que de imediato nos prendem ao processo civilizacional. Estaremos perante um equilíbrio entre todas as criaturas habitantes dos lugares, parece haver uma harmonia entre espaço e tempo. Os nossos sentidos não nos mostram as poderosas forças evolutivas que constantemente procuram esses equilíbrios pontuados, ou a adaptação a um meio que constantemente, impercetivelmente, muda, se transforma. A paisagem talvez represente esses ilusório ponto médio que alimenta os nossos desejos e nos projeta num movimento de procura que tem a duração das nossas vidas, algumas vezes de gerações, ou mesmo do que parecem ser alguns sonhos humanos imemoriais.
Litoral de Sintra, próximo do forte do Espinhaço. 2012

Praia de Alpertuche. 2012

Praia de Alpertuche. 2012

quarta-feira, 6 de março de 2013

Regresso a Viseu

Portinho da Arrábida. 2012
[Ler, fazer, caminhar 27] Regresso a Viseu para descarregar as fotografias feitas ao longo destes dias, alterar os números dos ficheiros, de acordo com um código de arquivo, fazer uma seleção sumária, para iniciar estas reflexões sobre o processo, e tratar do seu arquivamento, em duplicado, em discos externos, em diferentes locais. Fiz ainda, como sempre faço, fotografias em formato jpeg, com 900 px de lado e "provas de contacto" de todo o conjunto. Entre os primeiros registos da montagem dos suportes das imagens de leitura e 2 de janeiro, montagem da exposição, fiz pouco mais de oito mil fotografias.
Serra do Risco. 2013

terça-feira, 5 de março de 2013

Fim de processo

[Ler, fazer, caminhar 26] Amanhece o dia 2 de janeiro. As fotografias já estão embaladas, desde a noite do dia anterior. Seguir-se-à o transporte e montagem da exposição, para o que conto com a ajuda de Álvaro Duarte de Almeida. O processo de produção da exposição chega ao fim, o trabalho está concluído. Continuarei estas notas escritas por mais alguns dias.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Risco

Serra do Risco. 2013
[Ler, fazer, caminhar 25] A serra do Risco é interrompida abruptamente por uma escarpa de 380 metros de altitude. Trata-se mais alta escarpa continental da Europa. Uma serra cortada ao meio pela erosão. Uma soberba visão sobre a Arrábida e sobre estuário do Tejo, ao longe. Daqui se percebe a existência um lugar especial que foi ocupado por uma cidade milenar, numa finisterra que está rodeada de espaços de enorme significado e diversidade como a desembocadura do Tejo, as serras de Sintra e da Arrábida. Hoje, devido a uma intensa pressão demográfica estas paisagens apresentam um inquietante e, muitas vezes, descontrolado dinamismo.
Serra do Risco. 2013

Serra do Risco. 2013

sexta-feira, 1 de março de 2013

Pedreiras

Serra do Risco, prox. 2013

[Ler, fazer, caminhar 24] A caminho da serra do Risco encontro as paisagens das grandes pedreiras. A pedreira do Outão, é a maior, mais conhecida e mais polémica, por se situar em pleno Parque Natural da Arrábida. É nas paisagens cársicas que se escondem muitos mistérios da vida arcaica dos organismos vivos. Os trilhos de dinossauro, como os do cabo Espichel são disso um exemplo.