quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Território-documento 1

Na investigação histórica tem que haver a preocupação do estudo de todos os documentos conhecidos de um determinado tema, pois a falta de um único, pode inviabilizar a tese em defesa.
O conhecimento do território, objecto, por exemplo, de um levantamento fotográfico, tem que se reger pelo mesmo princípio: varrer toda uma área, mais ou menos extensa, onde poderão estar ocultos pormenores significativos dessa paisagem. Um trabalho de registo fotográfico, dependendo dos seus pressupostos iniciais, deve partir de uma investigação cartográfica, iconográfica, particularmente de fotografias aéreas, e também bibliográfica. Depois, em campo, deparamo-nos com o maior fascínio, e simultaneamente a maior angústia, de um trabalho de fotografia documental: o que vamos fotografar e o que vamos deixar de registar, consciente ou inconscientemente.
Voltamos a encontrar o paralelismo com a pesquisa documental, onde um documento nos remete para outros, num processo que pode não mais ter fim, um labirinto que seduz e perturba. No campo também há que saber seleccionar o que fotografar. Se, aparentemente, observamos uma realidade relativamente estática e finita, que depende da extensão do território em estudo, cedo nos apercebemos de uma perturbadora dimensão temporal. Tudo está em permanente movimento e transformação. É então que se jogam as opções do trilho a seguir, na exploração da luz conveniente, no habitar de um momento efémero, repentino e vago. Sabemos que tudo vai estar diferente, por vezes no lapso de alguns segundos. Momentos que se encontram e que se perdem, metáfora de uma vida humana, num jogo subtil, sublime.

Serra da Estrela. 1996

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Porto

O Porto era uma cidade nova para muitos de nós, que iniciávamos o estudo da arquitectura. O Porto era um imponente tabuleiro onde íamos aprendendo o ofício de arquitecto, de uma forma muito incipiente. Tudo era novo, numa renovada vida que ali tinha início. Entre as salas de aula e o desenho nas ruas, coexistíamos com uma realidade complexa e contraditória. Ouvíamos atentamente de um conjunto notável de professores, que sonhavam a transmissão da possibilidade de uma sociedade mais justa e equalitária, pela sublimação de um desenho depurado, desde o mais simples elemento imaginado, até à escala da cidade.
Para todos nós terá ficado o processo, o método, a consciência dos passos sequenciais de um projecto de arquitectura, a noção da especificidade de um fazer e das suas ferramentas. Ficara a procura contínua de uma linguagem que, por vezes, era desenhada, não num papel de esquisso, mas no próprio tempo por nós vivido e deixado para trás.




terça-feira, 12 de outubro de 2010

água

Chegara ao fim de um dia de caminhada. Estava na serra da Peneda, no norte de Portugal, num dos pontos mais elevados do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Era Setembro e o tempo estava seco e aquecera desde que, três dias antes, iniciara a caminhada. Estava com pouca água e bastante sede. De qualquer forma estava longe de uma desidratação incapacitante, no entanto, depois de cerca de doze horas de caminhada, não desejava andar muito mais antes de repousar na noite próxima. Nestas caminhadas solitárias, defino sempre um 'itinerário de fuga', um rumo para a civilização, uma aldeia mais próxima, onde poderei ter de me deslocar por alguma necessidade.
Uma análise da cartografia conduzira-me ao local onde me encontrava, junto a uma pequena linha de água, que se precipitava num vale cavado. A vegetação densa que cobria essa linha de fraca pendente, e algumas plantas de um verde mais vivo, fizeram-me intuir que aí poderia encontrar o que procurava. Depois de escolhido o local de pernoita, peguei na garrafa com os, talvez, 150 ml que me restavam e fui à procura da água.
A água, as fotografias, um desejo de conhecimento dos lugares e das construções humanas, são o pretexto para um movimento continuo, para a deslocação sobre a paisagem. É sobre este percurso que tento dar conta no meu trabalho. Na procura da água há qualquer coisa de dimensão animal, de ser irracional, há uma pulsão vital, para mim, profundamente significante. Há o atravessar de uma barreira civilizacional onde me insiro. Há um movimento para trás de um caminhar humano, ou um passo em frente no olhar distanciado sobre mim mesmo. O meu trabalho tenta existir neste limbo, não da procura de uma grande fotografia, de um texto maior, ou o sonho de uma arquitectura acabada, mas de uma construção progressiva, uma sucessão de momentos edificados muitas vezes sobre o acaso, sobre o convite indefinido para um desconhecido que seria loucura não seguir.