quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Campo de visão

[Suzanne Daveau 28] Estas fotografias são um movimento no tempo, mas não é um tempo linear. É um tempo humano, complexo, de viagens contínuas interrompidas, da impossibilidade de parar, do desejo de conhecimento, de abarcar o mundo e a sociedade. Ao voltarmos a um passado já tão remoto, transformamos a sua linearidade numa abstração. Na atualidade, com a aceleração do tempo histórico, com a vertigem introduzida pelas tecnologias digitais, por um consumo imparável de energia, pelas alterações climáticas, este passado de um século parece ficar, subitamente, inacessível. Mas permanece nestas fotografias, neste olhar sobrevivente. Há um planeta que, aparentemente, se está a transformar com uma celeridade antes não observada. Se dessa linha de tempo de 4,65 mil milhões de anos excluirmos as grandes convulsões, as extinções em massa, que transformaram de forma acentuada a vida, nunca no passado o clima terá aquecido de uma forma tão célere. O clima na Terra nunca foi estável, mas as alterações climáticas foram sempre graduais, dando o necessário tempo de adaptação a espécies biológicas, fossem elas vegetais ou animais. Estas fotografias de um século trazem-nos a memória do gelo.

Foi neste tempo mais frio, onde a velocidade era mais branda, que o campo de visão de Suzanne Daveau foi moldado, vasto e abrangente. Por oposição, hoje os olhares são mais curtos, sucintos, treinados para observar pequenas distâncias.

Importa reactivar esta relação com mundo, este conhecimento amplo e profundo, num mundo global, para a leitura dos lugares de proximidade. Na procura de recuperar um sentimento de pertença e reconstruir um sentido de responsabilidade em cuidar, de quem “carrega o mundo às costas”. É neste paradoxo entre localidade e globalidade que nos cruzamos com Suzanne Daveau e aprendemos o segredo do tempo.

 

Delphes, Grécia, 1956. (fotografia de Suzanne Daveau)

Nova Iorque, Estados Unidos da América, 1965. (fotografia de Suzanne Daveau)

 

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