quarta-feira, 18 de abril de 2012

Perder


[A Construção da Fuga #17] Todos os trabalhos que desenvolvi foram feitos de forma muito consciente e deliberada, metodicamente organizados e pensados em todas as suas fases com um razoável grau de rigor. Mas esta era uma visão pontual, aplicada a cada momento, não havia a noção de construção de algo que abrangesse o conjunto destes fazeres fragmentados, que, de qualquer forma, faziam parte integrante de uma identidade, da qual não era possível a desvinculação. Mas o que agora encontro é mais, e diferente, que a soma das partes. Há o edificar sólido de um labor, como que uma pequena cidade com carácter labiríntico, que se apresenta diferente no decurso do tempo. Mas além de todos os trabalhos, desses marcos de percurso, há um rasto do que lhes fica na margem, que muitas vezes é mais do que fotografias não selecionadas. São ideias, são novos projetos que quase sempre não ganham forma, mas que acabam por contribuir, de modo mais ou menos direto, para outros trabalhos. Cada trabalho é, assim, a confluência de vários tributários num rio maior. Mas, dizia, o mais significativo das margens dos vários trabalhos é, sem duvida, a constituição de arquivo de grandes dimensões que, por si só tem um significado que excede muito uma mera reunião de imagens com interesse mais ou menos vago. Este é o grande mar onde confluem todos esses rios, os seus pequenos tributários (sendo que alguns são relativamente grandes). É este grande mar que vai contaminando de forma significante todos os fazeres que existem em pontos específicos do seu futuro. A fotografia é a reinvenção de um território humano. Já não se tratam das paisagens fotografadas, mas de um olhar seletivo e filtrado de um mundo passado recente. Este mundo é diferente daquele que foi visto, vivido e registado, pois encerra dimensões ambíguas e difíceis de definir porque se transformam com o decurso do tempo e das interpretações a que vão ser sujeitas. As fotografias não são quadros para pôr na parede, não se procura o belo-aí, são como um imenso livro, em vários volumes, existente numa biblioteca, que pode ser consultado e servir de base para para outras investigações, para pontos de partida de outras viagens, a encetar por desconhecidos. Poderá também ser um livro esquecido que vive na imanência da sua descoberta por um leitor ocasional. Pode ser o que se vai perder.

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