terça-feira, 2 de julho de 2019

Os Jardins Efémeros

[Limite-Viseu 05] Os Jardins Efémeros, uma criação de Sandra Oliveira, foram um acontecimento que marcaram os últimos 8 anos do início do verão em Viseu. Este ano não vão acontecer. Há qualquer coisa que mudou nesta cidade que habito. Os Jardins Efémeros são um símbolo, pelo próprio conceito de reflexão sobre a Natureza, sempre com formas diferentes, pelo “plantar” de várias espécies vegetais na praça Dom Duarte, onde não há praticamente nada vegetal. A par desta reflexão fundamental sobre a Natureza, nem sempre compreendida, havia uma programação de vários eventos de artes visuais e performativas, com a capacidade de convocar o estranho e o desafiador, que traziam uma aragem nova à cidade. Durante dez dias os Jardins Efémeros eram os ventos de mudança no coração de uma cidade.
Uma das grandes virtudes dos Jardins Efémeros é as polémicas que gera. Esta afirmação pode parecer contraditória mas, se observarmos a realidade, poderemos constatar o valor destas polémicas. São polémicas que põem as ideias no centro do debate. De forma muito viva, são confrontadas diferentes conceções de arte, de cultura, de sociedade, de cidade, de mundo. É esta reflexão coletiva, expressa por vezes de forma exacerbada, que faz crescer uma cidade e que a prepara para o futuro.
Os Jardins Efémeros têm essa capacidade de trazer gente de fora, de cidades vizinhas, de todo o país e de geografias mais distantes, justamente para ver e ouvir o inusitado, o surpreendente, num lugar em que, tradicionalmente, não é usual estas coisas acontecerem. Uma programação singular não é "elitista", um termo caro ao discurso do poder em Viseu, aplicado a tudo o que não é imediatamente popular. Com este tipo de atitude e desejo de inclusão, o que se está a fazer é, de facto, promover a exclusão, matar a diferença e afastar da cidade as vanguardas criativas e livres. Numa economia deprimida, que é extensível praticamente a todo o Portugal, eu diria que certas expressões do pensamento deveriam ser acarinhadas pelos poderes políticos, pelo financiamento público, independentemente dos gostos pessoais de um presidente de câmara municipal ou de qualquer dos seus vereadores.
Os eleitos em processos democráticos deveriam rodear-se, não apenas de fiéis e subservientes amigos, mas de quem, com o seu trabalho, tenha revelado competência, consistência e determinação. Alguém que tenha mérito e que não seja por isso castigado, independentemente de personalidades mais difíceis ou de inevitáveis diálogos acicatados. A política, que deveria ter como base projetos de sociedade sólidos, claros e transparentes, é também a gestão de sensibilidades. 
A democracia tem que ser inclusiva, aceitar o outro, aceitar quem tem vontade de mudança, mesmo que essas propostas não sejam imediatamente entendidas. É com estímulos fortes que, em campo aberto, se deve lutar por aquilo em que se acredita, e que seja o bem estar de todos. A República não pode aceitar o conformismo, tem que saber lidar com o erro, estimular o diálogo entre diferentes leituras da sociedade e da vida, sem populismos, entender que o conhecimento é uma das mais poderosas ferramentas para enfrentar os tempos vindouros, que não se avizinham fáceis.

Viseu. 2019

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